Capítulo 16- Almas Perdidas

"E é por isso que sou a fascinação do ritual! Como num passe de mágica senhor"

Os demônios da terceira dimensão, conhecida como dimensão dos mortos, cuja tal foi aberta pela seita de Glastonbury, eram aterrorizantes e passavam um ar macabro. Entre eles estão as almas perdidas, aqueles que um dia morreram em Grinvield e Glastonbury que habitam vagando pela dimensão dos mortos, aprisionados naquele lugar, na esperança de partirem para outro plano astral. Quando aberto o portal que selava essa dimensão, eles possuíram total livre movimento para sair do local e vagar pelas cidades. Pessoas que relataram ter visto sombras escuras voando no céu estavam sendo taxadas de loucas, quando na verdade estavam vendo aquilo que era o possível fim de suas cidades.

Thomas presenciou dentro de seu próprio corpo uma dessas entidades. Enquanto a sombra o dominava o levitando no ar, ele jurava que estava partindo, que ali na frente de Esther morreria, e nunca mais poderia a beijar novamente.

—THOMAS! —Esther gritou desesperadamente, o pegando nos braços.

Thomas foi ao pouco se recuperando, enquanto a sombra que antes o possuiu seguia veloz em direção ao fogo.

—Estou... bem. —Thomas disse quase sussurrando. —A sombra que vi na janela quando cheguei na cidade parece ter se irritado! —Thomas riu pausadamente.

—Fiquei muito assustada, não sabia o que fazer, desculpa. —Esther disse chorando.

—Ei madame! —Thomas se levantou e a acariciou. —Você me salvou, é minha heroína. —Abriu um sorriso depois de a beijá-la.

—Que bom que está bem. Deve ter sido horrível a sensação daquilo dentro de você!

—Foi uma das maiores dores que já senti. Se não tivesse pensado rápido e me salvado estaria morto agora! E o pior de tudo é que aquelas coisas foram em direção a cidade, pessoas inocentes podem ser mortas.

—Elas estavam sendo atraídas pelo fogo, e acho que todos se estabeleceram no incêndio.

—Será que os incêndios são uma forma de libertá-los?

—Não sei... só sei que essa seita, esse ritual, está cada vez mais matando pessoas. —Esther pausou e se escorou em uma árvore. —Thomas, precisamos agir logo! Temos o Liv e a Helena, se não descobrirmos como fechar o portal e acabar logo com isso tudo mais pessoas vão morrer. É um perigo que a polícia e os habitantes das cidades não sabem que estão correndo! Só nós sabemos.

—Já estamos fazendo tudo que está ao nosso alcance, não?

—Não! A casa.

—Esther não...

—É o único jeito Thomas. Precisamos voltar para aquela casa da floresta, salvar o Tyler, e conseguir mais informações. Mas dessa vez iríamos preparados, com dois humanos com dons e imortalidade, e com todas as informações que conseguimos.

—É perigoso Esther, do mesmo jeito que temos Liv e Helena, eles podem ter outros dez do lado deles.

—Por isso iremos usar a Hydra! Ela pertence a eles, não a machucariam se a usássemos de refém.

Thomas ficou calado pensando.

—O seguinte Thomas é que essa situação não é mais sua investigação do assassinato de cinco crianças, é uma guerra para defender vidas, vidas que incluem principalmente você e eu! Nós sabemos que fechando o portal tudo isso acabaria, só precisamos saber como. Cansei Thomas... estou cansada de chorar todos as noites antes de dormir pensando nas pessoas que estão perdendo suas casas, estou cansada de pensar no Tyler sendo torturado ou até mesmo estando morto dentro daquela floresta, estou cansada de ver meus pais mortos em minhas alucinações me queixando de não estar fazendo nada... mesmo precisando estar fazendo tudo! —Esther disse enquanto uma lágrima escorria seu rosto.

—Ok, tudo bem. Voltamos, criamos um plano com o resto, e voltamos para a casa amanhã. —Thomas sorriu.

—Obrigada.

Tyler Krost, aquele que tanto borbulhava a mente de Esther, continuava preso em um quarto pequeno em um dos andares da casa sombria da seita. Lá, ainda estava sendo motivo de tortura e de uma tentativa falha de coleta de informações.

—Onde ele está? —Uma voz grossa de um homem invadiu os corredores da casa.

—Ainda preso senhor.

—Traga-o até mim. —O homem ordenou.

Um grupo de homens encapuzados subiram as escadas e voltaram com Tyler rastejando suas pernas no chão de madeira.

—Tyler. Acho que podemos conversar novamente.

—Eu já disse o que sei! Por favor... me deixa em paz... por favor. —Tyler disse suplicando, enquanto estava sendo amarrado em uma cadeira.

—Não posso te deixar ir, bom, não até conseguir o que quero!

—Não posso te dar o que quer.

—Pode Tyler, eu sei que pode. Eles te abandonaram aqui, você sabe né? Se passaram dias e nenhum daqueles que conseguiram fugir daqui, voltaram para te buscar, e você ainda insiste em estar do lado deles.

—Eu só... não sei o que quer saber.

—O incêndio foi feito? —O homem disse se curvando para um dos membros da seita.

—Sim senhor.

—Quero que deixem uma das almas perdidas entrar. Quero que ela o possua. —Ele disse apontando para Tyler.

Um dos membros foi até uma porta e com um taco de beisebol em chamas saiu para o lado de fora. Quando voltou uma das entidades escuras começou a sobrevoar os interiores da casa. Depois de um tempo, o membro posicionou o taco em chamas na cadeira de Tyler, e quando a entidade se aproximou, ele desviou o taco, fazendo com que a alma se infiltrasse e penetrasse o corpo e alma de Tyler.

A alma começou a dominá-lo e o fazer sentir dor. De repente seu corpo começou a ser levitado, junto a cadeira em que estava amarrado. No ar, os membros de Tyler começaram a se esticar, com cada vez mais força, até que as cordas que o prendiam se soltassem, derrubando a cadeira no chão e fazendo com que seu corpo se esticasse ainda mais. Ele não conseguia controlar suas pernas e braços, apenas sentia eles sendo esticados cada vez mais, com uma força dolorosa.

—Tentei Tyler, tentei te ajudar. —O homem disse olhando e rindo do ato à sua frente. —Mas você não aceitou minha ajuda!

Tyler começou a sentir seus olhos queimarem, depois suas veias perto dos olhos começaram a se romper e a perfurar sua pele para fora. O sangue que escorria seu rosto começou a se escurecer, fazendo linhas de sangue seco pretas ao redor dos olhos. Enquanto gritava de dor, ele sentia seus membros derreterem, suas mãos quebrarem, e sua mente ser dominada pouco a pouco.

—Dê um tiro nele. Não quero que a alma perdida termine de o dominar. Quero que ele morra como Tyler, só queria o fazer sofrer.

Um dos membros que estavam reunidos sacou uma pistola de sua capa e deu três tiros no peito de Tyler.

Seu corpo caiu no chão e a alma que estava o dominando saiu dele, desistindo de tomar conta de um corpo sem vida. Do outro lado do cômodo outro homem aguardava a alma sair com fogo em um pedaço de madeira, depois de perceber que ela tinha saído tacou o pedaço no lado de fora, atraindo a alma também.

—Está morto. —Um homem sussurrou verificando o cadáver de Tyler.

—Enterrem, queimem, desapareça com ele da maneira que quiserem, não me importo.

Antes mesmo que alguém pudesse carregar o corpo de Tyler, ele começou a se mexer e a se reestruturar. Todos se assustaram a apontaram armas em meio de defesa.

—Esperem! —O homem ordenou.

Tyler tinha voltado a vida. Mesmo após ser possuído, mesmo após tanta tortura, mesmo após ter tomado três tiros no peito.

—ELE ESTAVA MORTO TENHO CERTEZA!

—Mandei esperar!

Tyler pouco a pouco se levantou, e em segundos estava em pé de frente para o grande mestre da seita.

—Então o desgraçado é um olho de vidro? —O homem gargalhou. —Não precisamos de mais incêndios rapazes!

O homem andou em direção a Tyler e o abraçou de lado.

—Aqui está nosso olho de vidro que faltava! Não precisamos mais incendiar casas em busca de cadáveres que ressuscitaram. Temos aqui nosso sexto e último olho de vidro! Agora, precisamos recuperar o garoto fugitivo e a nossa peça controladora de mentes também fugitiva, e assim finalmente poderemos ter o poder total da dimensão dos mortos e de uma vez por todas dominar Grinvield! —O homem gritou, logo após começou a rir.

Todos os membros da seita que ali estavam se vangloriaram, como se estivessem comemorando uma vitória.

A comemoração foi interrompida quando Gorven Pugy entrou desesperadamente pela porta, com o pulso sangrando.

—Gorven? —O homem se virou para a entrada. —O prendam na cadeira novamente. —Ordenou apontando para Tyler, e assim os membros fizeram.

Tyler parecia estar em estado vegetativo, em coma, sem sentimentos, sem nenhuma e seus sentidos, sem nenhuma de suas emoções. Sua mente parecia estar morta. Um choque de realidade o abalou que o fez ficar ali paralisado sem entender onde estava ou o que era.

—O que está fazendo aqui? Já matou o garoto? Trouxe o olho dele que restava?

—Não. —Gorven suspirou.

—Como não? Essa era sua missão.

—Parece que descobriram sobre o ritual, e descobriram que eu fazia parte. Precisei fugir usando o portal e indo para a dimensão dos mortos e depois voltando.

—O quê? Como descobriram?

—O livro... eu o perdi. —Gorven disse baixo já esperando ser crucificado pelas palavras de seu mestre.

—Você o quê?

—Não é só isso... Hydra ainda está lá.

—Hydra? No hotel dos Morwoods?

Um dos membros saiu do grupo e se direcionou até a conversa. Era Lincoln.

—Senhor tentei a impedir, mas ela queria fazer o trabalho de Gorven e o matar. —Lincoln disse.

—Mas que porra, vocês não foram capazes de trazer a criança morta até mim? Imprestáveis, inúteis! —O homem gritou.

—Não é só isso...

—Tem mais?

—Helena, a outra fugitiva, também está com eles.

—Mas que merda viu puta que pariu. Quando uma notícia boa chega outras dez ruins também chegam para atrapalhar.

—Ruins Witchlock? —Uma mulher saiu do grupo e andou desfilando até eles.

—Sim Morgana ruins.

—Não me precipitaria tão cedo assim mestre, logo você um homem tão sábio e soberano! —A mulher disse em tom irônico, massageando os ombros do homem.

Ela era uma mulher alta, de pele negra e corpo magro. Não possuía cabelos, seu olhar era penetrante, sua voz macia e calma, e usava roupas pretas e luxuosas coladas na pele, além de uma tatuagem de aranha no lado dos olhos que faziam seu olhar se destacar.

—O que quer dizer?

—Ora senhor! O senhor mesmo acabou de dizer, nossos únicos problemas são os dois fugitivos, os dois olhos de vidro que restam se capturar novamente, o garoto de um olho e a namoradinha da Hydra! E para a nossa sorte, boom, os dois estão no mesmo lugar! Uma captura, dois capturados. —Morgana riu.

—De certo é bom que estejam no mesmo local, mas agora podem estar sabendo usar seus poderes e...

Morgana gargalhou o interrompendo.

—Ora ora ora. Parece que esqueceu que eu também possuo poderes senhor. Sei que estão os guardando para serem usados futuramente na dominação de Grinvield, mas, o senhor sabe que minha competência vai muito além da sua filha, e principalmente desse Pugy inútil.

—Minha filha não consegue cuidar de si própria. —O homem disse se entrosando na conversa.

—Pois bem! Mas para isso o senhor deve estar se perguntando, eu precisaria de um plano para capturá-los e fazer o caos naquele hotel, certo? Bom... —Ela se virou, olhando para Tyler. —Ele é um recepcionista tão próximo a eles! Ou melhor, eu sou!

Morgana, com um só movimento do braço esquerdo se redirecionou para o rosto de Tyler. De repente seus olhos penetrantes começaram a se esverdear e seu rosto começou a se deformar. Pouco a pouco todo o corpo de Morgana se modificava, trocando sua pele, seus olhos, seu corpo, e todas suas características físicas pelas de Tyler.

Em menos de um minuto Morgana tinha se transformado ali mesmo, em Tyler.

Quando seus olhos deixaram de esverdear ela se virou novamente.

—E é por isso que sou a fascinação do ritual! Como num passe de mágica senhor.

—Então pretende entrar no hotel se passando por ele fingindo ter escapado, matar os fugitivos e trazer os olhos restantes para mim?

—Como eu tinha dito, o senhor é realmente um homem sábio e soberano!

—Ok, faça isso. Recupere minha filha também, Hydra não pode ficar por aí sozinha vai acabar caindo em um precipício e morrendo.

—Como quiser mestre. —Morgana abriu um sorriso, ainda se passando como Tyler.

Morwood Hotel

Nem mesmo as paredes brancas de veludo luxuoso da área exclusiva e especial do hotel amenizavam o ar mórbido que abrangia a região.

Depois de falhar miseravelmente na perseguição, Eric voltou para o hotel e se reuniu com os outros. Lá no quarto estreito se encontravam Helena, Liv, Luna e Hydra adormecida no chão.

—O que aconteceu aqui? —Eric disse entrando.

—O necessário! —Liv disse com uma voz doce.

—Parabéns garoto, andou treinando com as flores e parece estar melhorando com os poderes, não é?

—Sim, mas o senhor disse que não posso fazer isso.

—Realmente não pode, se quiser faça na estufa que lá ninguém o verá. E não me chame de senhor. —Eric franziu a testa.

—Ok senhor. —Liv riu.

—Eric você pode me explicar o que diabos está acontecendo nesse hotel? Você pode Eric? —Luna disse.

—É uma longa história Luna, só por favor, não conte para ninguém o que viu.

—Qual parte? O garoto que aparentemente faz parte de uma seita que queria matar uma criança, o Tyler desaparecido com meu carro, essas pessoas que anda trazendo para casa possuírem poderes demoníacos, um possível cadáver dentro de um armário, ou a enorme irresponsabilidade que anda tendo?

—Não exagera Luna!

—Exagerar? Eric, sua irmã que bebe o tempo inteiro e vive alterada parece estar mais sensata do que você! —Luna se aproximou do rosto de Eric. —Ou você bota uma ordem nisso tudo, ou como eu disse antes, chamo a polícia!

—Você não faria isso, não tem coragem. —Eric disse alisando seus cabelos.

—Veremos Morwood, veremos!

—Conseguiu impedir o Gorven? —Helena sussurrou.

—De ligar para a polícia sim, mas de fugir não. Ele caminhou até uma parte da floresta, enfaixou os olhos, cortou o pulso e desapareceu.

—Calma... —Helena pausou. —Isso é ótimo! O local que ele desapareceu na floresta faz parte da região do portal, porque, para ir para a dimensão dos mortos a seita sempre corta os pulsos enquanto estão enfaixados em um determinado local, que é o portal!

—O mesmo que precisamos fechar?

—Sim!

—Acho que lembro até onde ele correu.

Eric fechou a porta e se escorou na parede, mudando sua áurea para uma mais séria e competente.

—Olha... sobre o cadáver que Hydra disse ter visto, eu realmente não sei de nada, e duvido muito tão ter sido um blefe para nos ameaçar de algo. Nem sabemos se Gorven realmente iria ligar para a polícia, e se fosse para alguém do ritual?

Eric engoliu seco enquanto torcia para que sua atuação mediana fosse aceita por eles. Mais do que nunca os Morwoods precisavam se livrar daquele corpo. Quando terminaram de concluir a conversa, saíram do quarto e começaram a caminhar pelos corredores, voltando para a parte principal do hotel.

Misteriosamente, em meio a neblina fervescente, o medo, o caos, a designação do aquilo foi vivo, mas agora se permanece morto, se instalava no exterior da mansão. Perto a uma das janelas de vidro do corredor próximo a eles, uma sombra transcendente, obscura e além, estava os observando. Escondida em meio as árvores, aquela entidade enraizava olhos brilhantes. Sua fórmula parecia ser mais real do que as outras sombras, parecia estar mais consciente, parecia possuir emoções.

A alma que é considerada uma alma perdida, que vagueia sem rumo e direção, não parecia estar tão perdida, parecia querer estar ali. Parecia demonstrar certeza eu seus olhos.

Parecia não ter chegado agora, mas sim retornado...

Alguém que antes teria vivido algo no interior daquela mansão...

Que estava decidido a retomar suas dores...

Parecia querer vingança...

Não qualquer vingança, a vingança de um assassinato.

Quase desaparecendo entre a escuridão, a alma do policial assassinado os observava com um olhar penetrante.

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