UMA FUGA ALARMANTE
No último dia de aula, Stephan Golding, prontamente, se pôs a favor do trio contra Josh Gray. Também não relutou em se sacrificar para protegê-los dos zublyes há poucos momentos. A questão é que o capitão dos Bersekers, e namorado de Howard, agora não está mais entre eles. Não pode mais defendê-los.
— Podemos perecer fugindo, ou perecer batalhando... — O portador de HIV explana as infelizes opções, alimentando o medo dos que não ousam avizinhar a passagem ao corredor. O barulho aterrorizante de passos e rosnados se aproxima cada vez mais.
— Pelo menos comi antes de morrer...
— Vamos virar uma mesa, rápido! — Ignorando a fala de Brian, Mandy avalia o melhor móvel para servir como refúgio.
Com cautela, acatam a sugestão sem discutir. Giram de lado uma das mesas do cenário, tornando-a uma barreira que, teoricamente, os protegerá dos olhos azuis, então se colocam agachados logo atrás do móvel amarelo. O Williams abranda sua preocupação ao perceber que algumas outras mesas e bancos também jazem revirados, graças à euforia dos zublyes. Deste modo, acredita não haver tanta suspeita sobre o esconderijo improvisado.
— Agora só precisamos esperar. — A Morrissette declara, diminuindo o tom da voz.
— Não sei se essa é a melhor ou a pior parte...
— Nem uma, nem outra, considerando tudo que rolou nesta noite. — Lewis responde seu amigo. O trio permanece de costas para a barreira que os esconde. — Mas é a menos cansativa.
— Chegaram. — A moça confirma o óbvio. Mesmo que não se atrevam a observar as novas companhias, têm a certeza que os zublyes se encontram logo ali, a alguns metros deles, e se espalham no recinto iluminado por luzes no teto.
Não basta apenas aguardar, também é necessário, porém, possuir a esperança de que não serão descobertos pela curiosidade assassina. Os três põem, em sincrônica, as mãos sobre a boca enquanto tentam controlar a respiração descompassada. A audição se aguça como nunca, pois é o sentido que fornece informações sobre a situação crítica. Da mesma maneira parecem fazer os zublyes, suavizando o volume de seus rosnados para que possam ouvir o ambiente.
Repentinamente, todos ouvem o alto barulho metálico que se origina na cozinha. O mais provável sendo o rapaz contaminado ao tentar se desfazer da estante na qual permanece enlaçado. Obedecendo aos seus instintos, os zublyes correm no sentido do som. A correria eufórica assegura o curso de todos na mesma direção, até os que possam não ter ouvido.
“Querido Diário, quão longe é preciso ir num pensamento metafórico para associar, em vários aspectos, o comportamento dos zublyes ao da sociedade? Quem sabe, não muito.”
Correm semelhantes cachorros raivosos. Os primeiros invadem a cozinha enquanto mais e mais se aglomeram como em um filme de terror. O trio percebe isto porque observa sigilosamente a cena, sabendo que deve entender a condição para dar o próximo passo.
— Se ficarmos, eles nos pegarão — avalia a moça de vestido curto.
— Se corrermos, vão nos escutar — ajuíza o de cabelo platinado e mãos trêmulas.
— Andar devagar é ainda mais arriscado — pondera o mais novo, com os olhos ainda vermelhos por causa do recente pranto.
— Estamos ficando sem tempo...
Com a fala de Brian, torna-se perceptível que o desespero começa a aflorar no tom de voz e no semblante dos Zumbis, principalmente, devido ao fato dos estudantes transformados darem indícios de que logo perceberão que nenhuma vítima será encontrada na cozinha. Vasculham o cômodo minúsculo, ignorando totalmente o moço que ainda tenta se soltar.
— Vamos correr, tenho uma ideia. — Mandy declara sem explicações detalhadas, quem sabe, por falta de tempo ou necessidade. Desfaz-se de seus saltos, um é deixado no chão, e o outro permanece firmado na mão dela. — No três...
Um... Preparam-se, física e psicologicamente, então se posicionam da melhor forma para dar início a uma corrida. Dois... Entreolham-se com a finalidade de transmitir confiança e coragem, das quais mais precisam. Três... Quando se levantam, a moça usa toda a força no intento de lançar seu calçado preto na direção precisa de um botão vermelho na parede.
O sinal de largada é dado pelo alarme estrondoso que soa por toda a instituição. Nenhum dos jovens sobreviventes ousa demorar ali. A mente parece esquecer tudo que não seja o simples comando para que as pernas corram com a maior velocidade possível. A vida deles depende disto.
O alarme se torna a coisa mais audível em toda a cena eufórica, pois contém até o som da chuva, ou esta pode ter parado sem ser notada sua cessão. Os sonoros passos rápidos também são abafados, permitindo a ligeira fuga dos jovens que seguem na direção do corredor. A balbúrdia que perdura contra o alarme é aquela que os zublyes protagonizam. Atordoados pela elevada emissão acústica, parecem agonizar enquanto buscam a origem dela.
Howard averigua, em um relance, a chance de serem avistados em sua evasão, não se permite, todavia, dar tanta atenção à ameaça aglomerada na cozinha. Possivelmente, os estudantes transformados logo descobririam de onde soa o alarme, em seguida, voltariam à busca. Por isto, o trio acelera cada vez mais, com as mãos dadas, até que deixam o refeitório, saindo do possível campo de visão dos infectados.
— Vamos conseguir! — declara a mais velha como uma maneira de apoio motivacional.
As luzes totalmente acesas fazem o cenário assustador se tornar menos preferível que a escuridão total na qual jazia antes. O corredor lívido apresenta ainda mais tinta vermelha, a qual flui cada vez menos dos corpos estraçalhados e espalhados por ali. O intenso odor ferroso se alastra e toma todo o ambiente, dificultando as respirações já ofegantes.
Embora nenhuma ameaça os aborde neste momento, continuam correndo com o mesmo vigor. O alarme faz o favor de servir como trilha sonora e estímulo à pressa.
Finalmente, chegam à encruzilhada do térreo. Seguindo em frente, o auditório; no lado esquerdo, a escadaria ao primeiro andar; e o corredor que os induziria a saída principal no curso direito. É possível ouvir os gritos que emanam do andar de cima, exaltados e violentos, assim como os da cozinha, os quais ainda ecoam na mente.
— Por aqui! — Mandy os direciona à direita, todavia Howard cessa sua corrida, parando os outros dois, automaticamente, por causa das mãos dadas.
— Um momento! — Ele desvia o olhar à escadaria ensanguentada.
“Numa encruzilhada de possibilidades, como saber qual é o caminho correto? Há como saber? Existe apenas um? Existe algum? Talvez não haja forma de descobrir senão tentando.”
A questão na mente do Williams não é qual rota de fuga tomar, porém questiona-se se seria imprudência subir aqueles degraus e recusar o destino de seu amado. Entre tantas probabilidades, salvar Stephan Golding não aparenta mais ser uma delas. Então substitui em seu pensamento a palavra “desistir” por “aceitar”. Uma lágrima se esvai.
— Vamos sair daqui — pronuncia o mais novo, por fim, segurando com mais força a mão de seu amigo, o qual sorri para ele de modo fraternal e acolhedor, da mesma maneira que faz a moça.
Aceleram mais uma vez, agora, na direção da porta dupla no final do corredor à direita. Mesmo em meio à pressa, não tardam em constatar duas figuras robustas que permanecem estáticas próximas à saída.
— Quem são aqueles? — indaga a Morrissette enquanto diminuem um pouco da velocidade. A visão desfoca os armários vermelhos embutidos nas paredes e focaliza no fim do caminho a alguns metros.
— Parecem os Olímpicos... que estavam junto com a gente. — Brian informa cerrando os olhos, assim como o de cabelo preto.
— Será que voltaram pra nos ajudar? — O mais novo interroga retoricamente. Graças ao tamanho da escola, ainda há muita distância os separando, por isso as incertezas os consomem.
— Não quero parecer ingrata, mas nos esperar na porta não era bem o tipo de ajuda que precisávamos. — Tornam a acelerar após serem notados pelos rapazes que continuam inertes.
— Ao menos não estão querendo nos matar. — Ainda avaliando o perigo que pode ser apresentado, Howard comenta.
— Os olhos! — O Lewis estaciona na encruzilhada de corredores mais próxima da entrada principal, detendo os outros também. — Olhos azuis...
Só então distinguem dos outros barulhos os rosnados que os dois emitem, confirmando a impressão do moço com cabelo platinado. As dúvidas são trocadas por somente uma: por que os zublyes continuam parados? Aguardando o primeiro movimento, os cinco jovens se entreolham com atenção, buscando prever o que acontecerá. Para inundar o instante em mais suspense, o estrondoso alarme cessa.
Repentinamente, um brado se destaca entre todos os demais no prédio, e, se a percepção auditiva do menor não falha, intui que ele se origina no andar de cima. O grito aparenta despertar os sentidos a cada segundo mais tensos, então os infectados finalmente exibem agressividade no olhar e nos dentes à mostra. Hora de agir.
— Vamos por aqui! — A senhorita com câncer conduz seus amigos ao corredor do lado esquerdo assim que constatam os primeiros sinais de agitação na quietude dos estudantes transformados.
— Eles vão nos alcançar — declara aquele com sobrepeso, percebendo os primeiros passos na direção deles.
— Sala de informática. — Howard aponta a primeira porta do corredor bem iluminado, e é por ela que passam rapidamente, em seguida, fecham a entrada com cuidado para não atrair atenção.
Tentam controlar a respiração ofegante ao mesmo tempo em que não descansam os músculos firmes contra a porta. Os pisares pesados fora dali dobram a esquina da encruzilhada e seguem em linha reta com menos velocidade, quem sabe, incertos quanto ao paradeiro súbito de suas vítimas.
— Vamos sair antes que voltem — cochicha Mandy na intenção de abrir a passagem, no entanto é interrompida pelo menor de olhos pretos.
— Apenas um nos seguiu, o outro continua lá — informa o Williams, aguçando sua audição. É possível ouvir o rosnado daquele que permanece na saída.
— Por que eles não nos atacaram como os outros? — Brian pronuncia em tom baixo a interrogação que parece ecoar na mente do trio.
— Chamamos de zublyes e não de zumbis por um motivo: não sabemos quase nada sobre eles. — Afastando-se da porta, Howard reflete.
— Considerando que parecem mais inteligentes, talvez estejam criando uma base de operações, em vez de sair por aí atacando como nos filmes, o que nem sempre dá certo. — O Lewis parece misturar medo, surpresa e certa empolgação no tom da fala baixa.
— É... — A moça careca toma os olhares para o seu franzido. — Não compreendi nada do que disse, mas, pelo que entendi, acha que estão criando um hotel Transilvânia? — Sua indagação recebe apenas a incerta confirmação no aceno de cabeça dele. — Então nossa escola vai cumprir perfeitamente seu papel.
Ela indica as janelas altas do recinto repleto de computadores. Vidros à prova de bala e grades de ferro. Assim como em muitas outras partes da instituição que busca zelar pela segurança de seus adolescentes. Medidas contra possíveis ataques violentos. Entretanto, o que impede a entrada, também não permite a saída.
“Não há como estar seguro e livre ao mesmo tempo, pois a proteção é também uma prisão.”
— Acho que ele está voltando. — Após murmurar, Howard põe o dedo na frente dos lábios, sugerindo o silêncio.
Dentre o caos que toma maior proporção fora dali, distinguem os passos que cruzam o corredor em direção à saída, estes acompanhados pelo rosnado característico. Enquanto aguardam alguns instantes com propósito de ter a certeza que não serão descobertos, o moreno verifica seu celular. Ainda sem sinal algum.
— Alguém vai ter que sair pra ver qual nossa situação — sussurra o de íris verdes.
— Eu vou. — Entendendo-se como a mais audaciosa dos Zumbis, assume a de vestido escuro.
— Pode deixar comigo — para surpresa de seus amigos, o mais novo toma a frente —, sou menos chamativo porque pareço mais um morto-vivo.
Após confirmar ter certeza da decisão e agradecer a sorte desejada pelos outros dois, o pequeno Williams abre, cuidadosamente, a porta. Na pequena fresta inicial, põe um dos olhos pretos e examina todo o cenário. Nenhuma iminência detectada. Abre um pouco mais a passagem enquanto sente seus músculos formigarem de tensão. Coloca a cabeça para fora a fim de ter uma maior noção do possível perigo.
O ambiente estaria completamente mergulhado no silêncio se não fosse o tumulto de gritos e rosnados ecoantes, os quais aparentam tomar maiores proporções, expressando a carência de tempo oferecida ao trio.
Howard sai de uma vez por todas e, com um chamado de mão, convoca aqueles às suas costas. Ali, sinalizam uns aos outros a dúvida: o que irão fazer agora? Tão tolo quanto enfrentar os dois Olímpicos de guarda seria meramente verificar se ainda continuam lá, pois os dois feitos poriam em risco sua fuga silenciosa.
O barulho dos zublyes distantes alteia consideravelmente, confirmando a descida deles ao térreo e também a falta de tempo. Entre tantas opções que existiam no princípio, resta somente uma aos sobreviventes: a saída pela secretaria, a qual, milagrosamente, se situa no extremo daquele mesmo corredor.
Uma nova inquietação parece surgir na mente da senhorita quando, sem usar a voz, determinam aquela direção como a rota de fuga. Por motivos particulares, foram poucas as vezes que a Morrissette cruzou aquele caminho. Contudo, literalmente, não há outra escapatória.
Com passos rápidos, porém cautelosos, seguem no sentido contrário do corredor no qual se encontra a saída principal, cursando, então, no sentido da secretaria. Cruzam com considerável velocidade o caminho bem iluminado e decorado com portas vermelhas dos dois lados, todavia desaceleram um pouco antes do destino final.
Os três continuam de mãos dadas, mas, desta vez, é a moça quem se mostra entre os outros. As palmas se firmam com mais vontade e aconchego assim que encontram uma parte daquelas paredes designada a servir como mural para algumas memórias. Troféus diversos, certificados emoldurados, e, embaixo do brasão da escola, jazem as fotografias de alguns dos alunos que se destacaram durante toda a existência daquela instituição.
“Sempre haverá alguém em uma condição melhor que a nossa (felizes os que decidiram não vir à festa), e também em uma pior... Isto não muda em nada nossa situação, no entanto modifica totalmente o jeito como a enxergamos e encaramos.”
Howard sempre se viu como azarado por não ter conhecido o amor de uma mãe, senão aquele que via Branca Lewis sentir por seu filho Brian. A carência materna pareceu se tornar ainda maior quando o preconceito lhe separou do pai. Entretanto, neste exato momento, entende como sua situação poderia ser pior.
Segue a visão da amiga e constata a foto de uma moça negra de sorriso encantador, Heather, a mãe de Mandy. Destacou-se em seu tempo de escola por ter sido a capitã das líderes de torcida. Segundo o que ouviu falar, o cabelo dela sempre foi seu maior motivo de vaidade e autoestima..., até o dia em que foi diagnosticada com câncer. Coincidentemente, descobriu estar gravida, por isso decidiu não dar início ao tratamento, pois poderia pôr em risco a gestação.
Heather não pôde amamentar sua filha, contudo viu a criança crescer saudável como ela era em sua infância. Já a senhorita, cujos olhos cinza marejam instantaneamente, perdeu a mãe quando tinha apenas nove anos. Todas suas lembranças com ela são de momentos felizes, pois, mesmo que não entendesse o porquê na época, a senhora Morrissette sempre se esforçava em vivê-los da melhor maneira e ao máximo possível. Nunca a deixou esquecer:
“Viva intensamente, pois a vida é uma oportunidade, porém somente uma. Se precisar gritar, grite; se precisar lutar ou fugir, faça. Abrace, ame, caia, chore, erga-se e transforme-se. Não importa como, viva.”
Possivelmente, esta frase é o que reverbera como um mantra no pensamento de Mandy. A coragem lhe enche, inflando seus pulmões num suspiro de vontade e força. As mãos que apertam afetivamente as suas recebem uma resposta na mesma medida.
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