TRANSFORME-SE

— Estou pronta... — Sua fala baixa é seguida por barulhos que ressoam às suas costas, revelando a aproximação dos infectados. Além destes, constatam mais rosnados e batidos sendo originados a partir da direção que devem seguir. — Talvez seja alguém precisando de ajuda.

Ainda de mãos dadas, continuam o percurso com pressa e cautela até que chegam ao final do corredor. As paredes possuem grandes janelas de vidro ali, por isso não é necessário atravessar as portas se a finalidade for inspecionar o interior dos âmbitos. A entrada mais próxima é a da diretoria; a segunda, da secretaria. Existe uma terceira porta, a da sala dos professores, porém as paredes desta não possuem vidraças.

De onde estão já conseguem notar a saída, inexplicavelmente aberta, logo após o balcão que há na secretaria. O cômodo se apresenta em completo caos, totalmente revirado e destruído. Contudo, estas são as últimas coisas contempladas pelo trio estagnado, pois um duelo se desenvolve entre gemidos de dor e rosnados. Dois rapazes franzinos se jogam de um lado ao outro como em uma valsa mortal. Ambos possuem vários ferimentos e sangram muito. A memória turbulenta não permite saber a qual República pertencem.

Somente quando um deles consegue pôr o outro contra o balcão e começa sufocá-lo, é que os Zumbis parecem finalmente despertar do espanto ocasionado pela cena. Mandy, imediatamente, prontifica-se em fervor, talvez com intuito de tentar apartá-los e ajudar aquele que precisa, todavia é detida por Brian, o qual segura firme em seu pulso.

Ele indica seus próprios olhos verdes, em seguida, sugere os dois adolescentes eufóricos, os quais, por falta de azar, ainda não os perceberam ali fora. Com um pouco mais de atenção, a senhorita, assim como o Williams, constata que os alunos ensanguentados possuem seus globos oculares intensamente azuis.

Cedendo ao impulso da autopreservação, o trio se abaixa em uma súbita velocidade, permanecendo onde o campo de visão dos infectados não pode cobrir.

— O que eles estão fazendo? — A indagação murmurada da moça careca não ganha nenhuma resposta, sendo esta um tanto óbvia. Outro motivo para isso é o empenho do trio em conter o descontrole da respiração. — Digo, por quê?

— Parecem cada vez mais difíceis de entender... — Howard analisa a diferença, gradativamente maior, entre aqueles zublyes e os clássicos zumbis, os quais não costumam afrontar entre si.

— Esta se tornou a saída menos arriscada, então... — O Lewis sussurra enquanto os três erguem a cabeça lentamente, com intuito de compreender a situação. De maneira furtiva, visualizam a cena através do espaço vazio onde deveria haver uma vidraça, contudo ela jaz espatifada em pedaços no chão. — Vamos esperar eles acabarem ou...?

Seu comentário é interrompido pela brusca mudança de posição em que os rapazes violentos se encontram. Aquele que jugulava o outro comete algum descuido em sua força e acaba permitindo a evasão de sua vítima, a qual tem como primeiro instinto: lançar-se com a mão estirada na direção de um painel aberto na parede. No entanto, sua tentativa fracassa quando é acometido por um mata-leão do zublye dominante no duelo.

Um brado rouco reverbera de alguma parte próxima às escadas que levam ao primeiro andar. O barulho ecoante requisita, instantaneamente, a atenção do jovem infectado, levando-o a olhar na direção dos Zumbis, os quais se abaixam na mesma velocidade, garantindo sua sobrevivência. De alguma forma, o mais novo de cabelo preto emaranhado poderia jurar ter entendido o seu nome sendo chamado, sente isto em sua essência incerta.

Alguns segundos depois, o silêncio vigilante é substituído pelo desenrolar da peleja caracterizada com rosnados e grunhidos.

— Estão brigando por causa do painel que controla as luzes. — O pequeno Williams se assegura, em tom baixo, que seus amigos entendam a circunstância igualmente a ele.

— Isto explica por que elas ficavam apagando e acedendo — explana o moço pálido com hipoglicemia.

— Então só precisamos que sejam desligadas mais uma vez, aí teremos mais chance de passar despercebidos. — Mandy formula a possibilidade em que passam a depender totalmente da força de vontade de um zublye. Assim como dependeram da Kathy infectada para abrir a porta do auditório.

“O destino é realmente satírico em seus feitos. Fazendo o sonho ser sujeito à realidade; a segurança, à exclusão de liberdade; o amor depender do ódio; a felicidade, da tristeza... E a vida, da morte.”

Outro urro singular ressoa, um pouco mais distante que o último. Considerando a apurada audição de Howard, é possível afirmar que os adolescentes impetuosos pausam mais uma vez a peleja violenta, com propósito de dar atenção ao grito longe dali.

— Não podemos ficar esperando... — Brian sussurra decidido e começa a se desfazer de um dos seus tênis pretos.

— O que vai fazer? — indaga a senhorita de pele rica em melanina.

— O inimigo do meu inimigo é meu amigo — responde segurando firme o calçado. — Eu sei que os dois querem nos matar, mas... Enfim...

O Lewis se levanta de maneira repentina e lança seu tênis através da janela sem vidro, usando a força necessária para que o barulho da batida torne inquestionável o acerto em um dos zublyes. Abaixa-se na mesma velocidade em que levantou, arfando por causa do movimento brusco. Os rosnados dos rapazes dentro do recinto se aglomeram de modo indescritível. Golpes, batidas e grunhidos tomam o ambiente. O duelo parece ter esquentado ao ser atiçado.

Entretanto, a consequência seguinte é a assustadora aparição de um dos dois Olímpicos na encruzilhada de corredores, assim, podendo enxergar os Zumbis agachados. O primeiro a avistá-lo é Howard; percebe-o no exato instante que volta o olhar para seu amigo corajoso. O mais novo indica aos outros o moço musculoso, o qual inicia sua investida como um touro feroz, todavia, antes mesmo que pensem em alguma possível solução, todas as luzes são desligadas.

A audição se torna, outra vez, o sentido mais eficaz. A pressa do zublye no corredor, igualmente sua aproximação, é assinalada pelo retumbar de passos pesados. Os estudantes na secretaria continuam na disputa sem aparentar importar-se com o recente breu intenso. Não há outra oportunidade melhor senão esta.

O trio, escondido na penumbra e no silêncio, apressa-se em seguir no rumo da fuga. Descalça, Mandy considera a janela quebrada uma passagem perigosa para ser atravessada no escuro, por causa dos vidros estilhaçados pelo chão. Por isto, a moça guia seus amigos até a entrada da secretaria. Um ranger mínimo pode ser ouvido quando ela abre a porta, contudo nada comparado aos brados brutais do duelo.

Imediatamente após o pequeno Williams cruzar a abertura, sendo o último dos três, eles se encostam ao balcão alto, sempre se mantendo abaixados. O ambiente não jaz na sombra total, uma vez sendo invadido pela luminosidade exterior à escola, a qual adentra pela saída escancarada. A superfície de tudo ali parece ser coberta por uma espectral mortalha prateada.

A cada segundo, o tempo se esvai, e a chance junto com ele. No entanto é imprescindível a coragem que acumulam, dada a situação. Esgueiram-se, próximos ao balcão, e avistam a saída a poucos metros, talvez menos que cinco. Distinguem também, usando a audição, que os zublyes violentos duelam ainda mais próximos deles que da saída. Separados somente pela pequena divisória. Correr rápido garantiria a fuga, ou andar furtivamente?

A forma silenciosa dar ares de ser a menos arriscada, todavia é desconsiderada como alternativa no instante em que os sons característicos do Medalha de Papelão indicam sua presença não muito longe. É agora ou nunca. Os amigos Zumbis se preparam e correm numa fila enquanto ainda agachados.

No momento em que deixam o refúgio do balcão e se voltam no sentido da saída, um brado reverbera de algum lugar do prédio, porém isto não importa mais. Confirmando o azar do trio fugitivo, o grito rouco cessa ligeiramente a peleja dos rapazes infectados, os quais constatam, de imediato, a presença furtiva dos sobreviventes a míseros metros.

A adrenalina reforça os movimentos e permite que o desfecho ocorra de maneira rápida o suficiente para que os detalhes sejam totalmente ignorados. Mandy Morrissette atravessa a saída com êxito, mas sem seus saltos pretos. Brian Lewis, sendo o segundo da fila, consegue escapar com somente um de seus tênis. Howard Williams (com seus dois sapatos) não apresenta a mesma sorte.

— Me ajudem! — A exclamação estridente requisita a atenção dos dois que já se encontram do lado externo do colégio. Ao virarem, avistam o amigo caído no chão. Sua parte superior logo após a abertura, e as pernas ainda dentro. — Rápido!

Em segundos, aparentam entender que o motivo do tombo foi a intercessão dos zublyes franzinos, os quais abdicaram de suas contendas para arrastar o rapaz contra a vontade dele. Aqueles que um dia o salvaram retornam com o mesmo propósito. No momento seguinte, o moço de olhos escuros se vê entre os amigos lhe puxando pelas mãos e os adolescentes ensanguentados agarrados em suas pernas.

Não há nada que possa fazer, a não ser espernear freneticamente. Então, neste meio tempo, considera-se como a tênue corda de um cabo de guerra, sendo disputada entre a vida e a morte.

— Vamos sair todos desta! — declara a moça de íris cinza.

— Usem a parede para dar mais impulso! — Howard sugere com a voz oscilante em meio ao desespero.

Deste modo, acatam os dois, usam uma das pernas com propósito de impelir a parede em volta da porta, desejando aumentar a resistência e também a força. Tal estratégia não demora em apresentar resultado. O pequeno Williams consegue repelir um dos zublyes ao chutá-lo com força graças à eufórica agitação. Por um instante, a esperança os abraça e garante o triunfo.

“Após tantas crises, o que nos faz querer viver? Mesmo já tendo aceitado a ruína, qual o motivo da nossa persistência? O que nos prende a este mundo em colapso?”

“Esgotados por dentro, massacrados por fora. A morte já foi a única opção. Sentimos ela definhar nossa essência aos poucos. No entanto, encarar seus olhos azuis nesta noite nos fez, finalmente, entender o valor da vida. E resistir por ela.”

O zublye que havia sido chutado para longe retorna de forma hostil e morde agressivamente sua vítima em alguma parte da perna esquerda, a qual parece arder e queimar por completo. A esperança se torna turva e fantasiosa quando um grito estridente escapa da boca de Howard depois de rasgar sua garganta. O trio perde a força e o ânimo, porém não desiste.

— Segura ele! — Mandy ordena ao moço de cabelo platinado, então avança contra os rapazes infectados. Tomando cuidado, ela desfere socos rápidos e potentes, contudo, mesmo sendo acertados, eles persistem agarrados às pernas do jovem que sangra. — Nos deixem, seus desgraçados!

Quando as chances parecem mínimas, e o desfecho, incerto, a pavorosa presença do Olímpico musculoso se faz ser notada a poucos metros deles. Então as escassas expectativas se esvaem junto das penosas lágrimas.

— Fujam daqui! — Howard exclama sem permitir que sua voz hesite mais que o normal. Não daria a si mesmo o perdão se fosse a causa da morte de algum de seus amigos.

— Você não vai se tornar um zublye, vamos todos sair daqui vivos! — Brian retruca sem ousar fraquejar ao usar o peso do próprio corpo em seu favor. A senhorita continua tentando derrubar algum dos dois rapazes ensanguentados que rosnam.

O mais novo sente todo seu corpo arder, então desfalece aos poucos. Em seguida, uma terceira força contrária é somada na disputa violenta. O Medalha de Papelão segura com firmeza os pés do pequeno Williams e o puxa com tanta vontade que obriga os sobreviventes a retornarem para dentro da secretaria.

— Fujam e vivam! — ordena em prantos, por fim, usando o restante da capacidade para empurrar seus salvadores fiéis. Após tanto pedir por uma melhora de vida, não pode exigir uma morte melhor, sacrificando-se por aqueles que ama.

“É possível sentir a morte, despistá-la, presenciá-la, desejá-la, esperá-la, e até causá-la, porém nunca cronometrá-la.”

O trio de Zumbis se entreolha com nostalgia e pesar. Míseros segundos parecem instantes infindáveis, nos quais eles dão as mãos e se despedem com o olhar. O Lewis e a Morrissette soltam as palmas do amigo enquanto permanecem com as suas entrelaçadas. Desta forma, retiram-se dali o mais rápido possível.

O moreno aceita o desfecho de seu destino. Com os olhos forçadamente fechados, no intuito de sofrer menos a futura dor prevista, Howard sente somente sua caixa torácica queimar ao se chocar, sem delicadeza, contra o chão. Antes de receber o juízo final da sina, esta lhe apresenta outros planos de modo surpreendente. Ao gemer de agonia e arfar, aguarda um instante, todavia não demora em abrir as pálpebras quando percebe os rosnados se afastando de seu corpo.

— Não! — exclama instantaneamente ao testemunhar, ainda de bruços, os três zublyes perseguindo os adolescentes apressados em se distanciar.

O Williams tenta se arrastar para fora da escola enquanto seus ossos e pele parecem incendiar. Os outros não vão muito longe, ainda se encontram no estacionamento ligeiramente inundado pela chuva fraca que ocorreu.

— Pa-parem... — Ódio e fúria o preenchem de maneira a dilatar seus pulmões e arrefecer a dor que lhe castiga. O temor esvaece. Levanta-se sentindo que poderia fazer qualquer coisa. — Parem agora!

Seu brado reverbera como um rugido feroz, tão rouco e assombroso quanto os escutados nesta noite. Por um minuto, pensa ter parado o tempo, pois aqueles em seu campo de visão estacionam como esculturas obedientes. O próprio jovem com cabelo preto emaranhado se assusta com tal evento, contudo não se admite continuar na surpresa e retorna a aversão de antes.

— Deixem-nos! — Com o comando altivo, os três zublyes giram nos calcanhares e voltam seus olhares mortíferos ao menor. Do mesmo jeito, Mandy e Brian buscam entender a cena quando se volvem no sentido do brado. A surpresa jaz no semblante extasiado dos cinco. — Deixem-nos agora!

Dá um imponente passo à frente ao exigir autoritariamente. Ainda estáticos, os dois sobreviventes assustados observam seu amigo mais novo se aproximar mancando enquanto os rapazes infectados vão na direção da entrada, como submissos.

— Vocês estão bem? — indaga o Williams quando menos de dois metros os separam, todavia sua resposta é o cauteloso passo para trás que os outros dão em sincronia.

Você e-está bem? — A moça sem cabelo devolve a questão, mantendo o seguro contato físico com o Lewis.

— Fisicamente, estou bem, na verdade, me sentindo ótimo. — Resolve não invadir o espaço deles ao perceber o receio que apresentam e entende o medo por ele ter sido mordido. Mira sua própria perna ensanguentada e a indica. — Só isto aqui que está me incomodando, mas não dói muito. Sorte minha que não vou me transformar num deles...

— Você está bem mesmo? — A Morrissette insiste na pergunta, assim como o temor persiste em afastá-los.

Sim... — declara com menos paciência. Tenta mostrar empatia, porém acaba os metralhando com interrogações. — O que aconteceu com vocês? Estão com medo por causa do que acabou de acontecer? Espera! Estão com medo de mim? Se quiserem saber, nem eu sei como fiz aquilo. Tive tanto ódio, senti que poderia fazer qualquer coisa. Ainda me sinto assim, na verdade...

— Howard. — Quem toma sua atenção é o pálido Brian, o qual aponta com o dedo indicador os seus próprios orbes esverdeados. — Os seus olhos... Eles...

— Meus olhos? — Retira o celular do bolso, então contempla a tela escura como se fosse um espelho. — Não pode ser...

Azuis. Íris tão azuis e brilhantes quanto o oceano refletindo o sol. Repetidamente, o moço pisca suas pálpebras com algum intuito incerto. A confiança que o estimula se dilui em total confusão. Aproxima o aparelho do rosto enquanto acaricia sua face, desconhecendo os próprios olhos. Por fim, seguindo o gatilho, estranha o corpo que não sente dor, a voz diferente, as emoções, os pensamentos, seu jeito, os sentidos, e todo o resto de tudo.

“Querido Diário, então é assim que é ser igual a todos os outros?”

— Posso mudar a minha resposta? — Howard inquere ao direcionar sua visão lamentosa aos amigos atentos. No entanto, antes que haja outra fala, o celular vibra em sua mão e a tela se acende instantaneamente, exibindo a notificação recebida.

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