ROMPEM A INCERTEZA
“O mundo seria um lugar melhor se procurássemos entender os outros. O mundo seria um lugar melhor se buscássemos mostrar quem somos aos outros... Entre muitos que fingem não ver, tantos mais simulam a invisibilidade.”
— Vamos ficar juntos o tempo todo. Se nos separarmos e alguém tiver alguma emergência, usem o idlaH. — Mandy Morrissette enuncia enquanto o trio segue pelo corredor que leva ao ginásio esportivo no primeiro andar, onde seria a festa, pelo menos, o centro da comemoração.
— Vamos ficar bem. Nos filmes, quem foram os únicos a causarem um apocalipse? — Com humor e mastigando a goma de mascar, questiona o platinado. Sua indagação soa como uma (questionável) motivação.
— Os zumbis. — O sorriso e a convicção dos dois que respondem se perdem em um mero sussurro uníssono. Ocupam-se em contemplar a grande celebração se formando no recinto adentrado.
Uma calma música eletrônica, manipulada pelo DJ, soa pelas caixas de som, fazendo o ambiente mergulhar no ritmo convidativo para o começo de uma festa. De um lado jazem algumas mesas e cadeiras, e do outro se vê duas grandes mesas servidas com muita comida e bebida. Tudo decorado em tons vermelhos, a cor temática da escola. No centro de tudo isto, adolescentes transitam, conversam e dançam lentamente.
— Apenas sorriam e andem — cochicha a moça entre os dois rapazes. Em seguida, estende os cotovelos para os lados, e eles entrelaçam os braços nos dela. Como cavalheiros e uma dama.
Poucos olhares se voltam instantaneamente aos três. No entanto, seguindo estes, mais os fitam, claramente surpresos com uma visão inovadora. Bem vestidos, os que não se valorizavam; com um sorriso, os que se lamentavam; mostrando confiança, aqueles que não a possuíam; e sem olhar para baixo como faziam. Como pessoas totalmente diferentes, caminham em direção ao centro do salão.
Não são vistos mais como animais do zoológico, todavia apreciados como obras de arte em exposição. Enquanto em casa, refletiram muito sobre como reagiriam em diversas situações, agora, contudo, não sabem o que fazer diante de vários olhares admirados. Então sorriem e continuam andando.
— Vamos comer.
— Vamos sentar.
Brian e Howard enunciam ao mesmo tempo. Dado o impasse, põem-se a puxar, levemente e de maneira não tão despercebida, os braços de Mandy, a qual vira um cabo de guerra. Rompendo a disputa para impedir maior constrangimento, a moça soma sua força a do Williams, assim, seguem até as mesas redondas.
— Achei que o plano fosse nos misturar e agir como jovens normais. — O rapaz com hipoglicemia sussurra um grito interno quando se sentam.
— Jovens “normais” não são assim. — Após arrumar sua longa peruca e controlar a respiração ofegante, a senhorita aponta as mãos trêmulas do amigo pálido.
Neste momento, ele também percebe o descontrole de suas palmas, as quais se tornam o foco do trio que permanece em silêncio.
— Aquilo foi... — Howard não encontra palavras para definir a simples entrada deles naquele local.
— Eletrizante — completa o Lewis, indicando as próprias mãos vacilantes, o que os faz sorrir.
— Foi como voltar à vida. — O mais novo conclui tentando não dar atenção aos poucos que ainda os analisam.
— Sinceramente, não me senti como uma pessoa comum — Mandy toma a palavra, observando a festa se encher de jovens barulhentos —, ninguém recebe os olhares surpreendidos que recebemos ao entrar.
O argumento dela os leva a olhar a entrada, pela qual aparecem cada vez mais adolescentes. Entretanto, sua fala é refutada com a chegada dos irmãos Golding.
O esbelto corpo de Skya é adornado por um curto vestido azul-claro como suas íris, e o cabelo dourado permanece em um coque enfeitado. Stephan usa o que parece um terno, porém mais descolado e apertado contra seus músculos, poucos tons mais escuro que o vestido de sua irmã.
A atenção se volta toda aos sorrisos que possuem, pois o carisma mostrado age como um ímã para os admirares. Os irmãos cumprimentam a todos, iguais políticos em época de eleição.
— Isso quer dizer que agora estamos no mesmo nível deles? — A interrogação parte de Mandy.
— Sempre estivemos. Só precisávamos confirmar isso para nós mesmos e mostrar — garante o moço com sobrepeso. — Agora eles conseguem ver também.
— Espero que não tenha sido uma má ideia...
— Desejam beber algo? — interrompe um homem segurando uma bandeja repleta de copos cheios de um líquido vermelho.
O garçom baixa pouco mais a prataria. Seja o que for aquilo, com certeza foi feito de álcool, por isso ele recebe acenos negativos em resposta. O trio de Zumbis ergue as sobrancelhas uns para os outros e sorriem quando o indivíduo bem vestido se retira em direção as outras mesas. Sinal de que seriam tratados como qualquer um ali.
— Bem, acho que agora preciso comer pra acalmar os ânimos. — Brian se levanta com cautela, assim fazem as suas companhias também.
Caminham com cuidado entre a agitação cada vez maior no centro do recinto, seguindo o ritmo da música. Em certo instante, Howard nota o que semelha ser um rapaz acenando com a cabeça na direção dele. Leva alguns segundos até entender o cumprimento, com o qual não tem costume. Mesmo assim repete o gesto em resposta e segue andando atrás de seus amigos.
Mais pessoas os saúdam da mesma forma, outras ainda falam com cortesia e apertos de mão. Enquanto o salão aparenta se estender por quilômetros, eles andam da maneira que acham disfarçar melhor os fogos de artifício explodindo em seu interior. Pelo menos, é desse modo que o moço com HIV descreve mentalmente suas emoções.
— Vou procurar algo sem álcool pra bebermos — alega a mais velha, separando-se quando se aproximam das grandes mesas.
— E eu vou ver se acho algo doce o suficiente para me abastecer. — Com um sorriso, Brian dá sua deixa e se distancia.
— Então tá... — O terceiro aborda a mesa farta com atenção. Percebe comidas que nem sabe o nome.
Sua atenção é tomada pelos destoantes cupcakes azuis empilhados graciosamente em uma das dezenas de bandejas. Isso porque toda a decoração se faz a partir da cor vermelha, mas eles não. São diferentes de tudo, por mais que dividam o mesmo espaço.
“Filosofando sobre a cor de bolinhos... É isso que os jovens normais fazem em uma festa?”
Pega seu celular do bolso e busca o contato titulado de Olhos Azuis. Todas as mensagens haviam sido apagadas pelo moço que agora digita rapidamente:
Eu: Em que momento vamos estar a sós? Preciso de motivação para encarar esta noite...
— Ouvi dizer que foi o Josh Gray quem os encomendou...
Howard consegue disfarçar o susto que toma, quando um jovem de óculos se posiciona ao seu lado de modo súbito.
— O que disse? — interroga a quem constata ser Victor, o líder da República Einsteins.
— Os bolinhos... — Indica os pequenos bolos azuis. — Dizem que foi o Josh quem os trouxe e que ele colocou algo a mais na farinha... digamos assim.
— Droga?
— Não, uma poção do Harry Potter — satiriza transitando seus olhos entre as opções de aperitivos. — Estamos falando do Josh, o que mais esperava?
— É... Realmente — concorda acanhado. Vistoria a tela do celular em sua mão. Nenhuma resposta.
— Até que você é engraçado. — O adolescente ruivo e ligeiramente alto gargalha ao ver a cara constrangida do pequeno Williams.
— E então... — retoma a fala em proveito do outro não chamar tanta atenção com sua risada —, que droga ele pôs nos cupcakes?
— Relaxa, isso é só um boato. — Com um sorriso, põe a mão no ombro caído do moreno. — Por que essa curiosidade?
— Nada — desvia o olhar e afasta-se um pouco para romper o contato físico com Victor —, é só que... O tráfico e o contrabando de drogas aumentaram — repete a mesma informação que ouviu mais cedo.
— Oh, então você também assiste os jornais?
“E então, querido Diário? Enturmar-se ou ser sincero? Bem, não careço de mais amigos, preciso apenas ter certeza de que as amizades que já possuo são sinceras.”
— Não assisto, porém meu pai assiste. — Espera a desaprovação, contudo o que ganha é o oposto.
— Perfeito, então temos mais em comum do que eu imaginava. — O sorriso em seu rosto completa a surpresa do Zumbi. — Sempre digo ao meu pai que todos esses jornais aumentam as histórias. Sempre sensacionalistas e...
Na opinião de Howard: drogas, jornais e pais não estão na lista de assuntos mais interessantes para se conversar, por isto sua atenção se volta involuntariamente no sentido de Skya e Mandy. As duas senhoritas formam um círculo com outras, o que o rapaz de cabelo preto observa de esguelha pelo lado do tagarela Victor.
A Morrissette se diverte e gargalha junto das estridentes Loiras e de outras moças Patrícias; uma República formada por aquelas que gostariam de fazer parte das líderes de torcida, mas não possuem talento ou oportunidade. Por isso os Zumbis as chamam de Loiras Falsificadas. Sua amiga parece ineditamente feliz..., como qualquer outra jovem.
Pedindo ao universo para que o moço próximo não perceba sua falta de atenção, o Williams continua analisando as damas. Dezenas de vídeos e fotos diferenciadas são postadas em redes sociais, principalmente no Instagram. Em certo momento, Skya Golding deixa de tirar fotografias e foca em algo no seu celular. No mesmo instante, uma notificação faz o aparelho telefônico vibrar na mão do adolescente bem maquiado.
Olhos Azuis: Não podemos sumir agora e de repente, todos vão notar. Mas prometo que não vai demorar em estarmos a sós...
Howard revira os orbes pretos, desliga o celular e finge mais um pouco ainda dar atenção ao que Victor monologa. Recordando da colega se divertindo, procura entre a folia barulhenta onde possa estar seu amigo. Transita os olhos por perto das mesas de comida e encontra Brian no que aparenta ser uma conversa bem animada com Bersekers e Olímpicos.
Seja qual for o assunto, faz o adolescente sorrir bastante, seu bom humor contagia aqueles próximos a ele, os quais gargalham exageradamente. Entre eles também se encontram Stephan e Josh. O segundo capta o olhar de Howard e o encara com um semblante indecifrável, porém disfarça-o utilizando um sorriso.
Não demora muito para que uma música frenética tome conta do som ambiente, e seu ritmo conduza os movimentos agitados dos corpos. A grande maioria se espreme na pista central e dança como se este fosse o último dia de suas vidas.
Alguns membros dos Einsteins se juntam ao seu líder, e o Williams enxerga a deixa perfeita em benefício de sair de tal situação sem ser percebido. Segue contornando os adolescentes inquietos que se balançam e alcança a mesa onde os Zumbis se acomodaram antes. Não muito depois, seus dois amigos se juntam a ele sem conter a alegria radiante em seus rostos.
— A Skya me marcou nos storys dela! — Mandy se pronuncia em determinado instante. Seu corpo sentado se move no ritmo da música, enquanto observa os outros dançando. — Ela e mais algumas.
— Os meninos me disseram que queriam ter conversado comigo antes. Não paravam de rir com minhas piadas. — Bri faz o mesmo, contudo sem dominar a risada e o suor que faz sua cara brilhar.
— O Victor me contou sobre drogas e outras coisas que não lembro mais... — Howard recebe os olhares deles. Toma um gole do refrigerante levado à mesa pela senhorita.
— Por que não mudou o assunto pra esses lances de pessoas inteligentes? Sei lá, jogos e animes... — O rapaz de cabelo platinado indaga disfarçando a empatia com humor.
— Eu não estava conversando, apenas ouvindo — explica balançando o copo já vazio. — Acho que ser uma pessoa normal é mais difícil pra mim...
— Você só tem que encontrar uma forma de se enturmar — alega a moça que ajusta os longos fios de cabelo trançado. Levanta de repente, requisitando a atenção. — Vamos, vem dançar.
— Nem pensar! Eu não sei dançar — cochicha a segunda parte após exclamar a primeira.
— Ninguém sabe dançar música eletrônica, essa é a questão. É só se mexer do jeito que seu corpo quiser. — O Lewis também se ergue e puxa a mão do amigo, o qual usa o próprio peso como âncora e resiste.
— Meu corpo quer ficar sentado, viu?
Como bons amigos, aqueles que se encontram em pé não cogitam deixar o Williams sozinho mais uma vez, por isso resolvem sentar-se novamente.
— Esperem. — Ele os interrompe antes que se acomodem. — Podem ir, não precisam ficar aqui comigo. Prometo que, se me sentir a vontade, vou dançar um pouco.
— Tem certeza?
— Promete?
O mais novo confirma as duas questões com um sorriso forçado. Jamais seria a causa de uma noite mal aproveitada. Em sua opinião, aqueles dois merecem toda diversão do mundo. Isso basta para que eles se retirem dali, mas continuem bem próximos enquanto curtem a música frenética. Assim que matuta em seu íntimo, o adolescente busca o celular no bolso e liberta seus pensamentos.
“Tudo era incerto... Queríamos nos sentir normais, mesmo que já acreditássemos ser. Eles nem nos conheciam, mas nos abominavam. Até a escola era dividida... Entretanto, tudo mudou nesta noite. Não existem mais Repúblicas para nos segregar.”
Sem Bersekers, nem Patroas, ou Patrícias, sem Einsteins, Olímpicos e Brilhe. Sem Zumbis... A última frase que a consciência de Howard formula faz o seu coração batucar fortemente contra o peito. Contudo a angústia e amargura não o alcançam, então ele regressa ao teclado do telefone.
“Zumbis não é um grupo comum... Este pode ter sido nosso último ano aqui, mas nunca precisaremos nos despedir desta República enquanto estivermos unidos.”
— Olá — uma voz furta a audição do moço que levanta sua vista rapidamente —, queria conversar com você.
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