OLHOS AZUIS (parte 2)
Um beijo sedento sela seus lábios desidratados. Um beijo não muito bom, visto que se encontram cansados, bagunçados, suados e sujos de sangue, contudo ainda é um beijo. Entretanto, este é logo interrompido pelo comentário de Stephan:
— Agora podemos resolver nossos problemas...
— Sabe como reverter esta transformação? — indaga o pequeno Williams, voltando sua atenção aos zublyes que os rodeiam como servos ferozes e assassinos.
— Na verdade... — paralisa, parecendo buscar as melhores palavras para expressar suas ideias —, pensei neles como a solução dos problemas.
— Como assim? — Involuntariamente, recua um passo sem conter a mudança de sua expressão à desconfiança.
— Eles nos obedecem por algum motivo. Se transformarmos um bom número de pessoas em zumbis, podemos criar um exército deles — expõe com uma questionável habitualidade. Abre os braços para indicar os zublyes como forma de poder, o que assusta o moço à sua frente. — Não precisaremos mais sofrer...
— Esqueceu-se de todos seus colegas que morreram esta noite? — Howard interroga ao temer a resposta que receberá, deixando de reconhecer seu namorado.
— Não podemos mudar o passado, porém devemos agir no agora para transformar o futuro. É isto que desejo fazer, por mim e por você. — O Golding se aproxima e, amorosamente, segura os ombros do menor, o qual empaca com o próprio conflito interno. — Juntos, vamos modificar a visão de todos que forem contrários a nossa liberdade de sermos quem somos.
O jovem enfrenta diretamente os olhos azuis do jogador quando acha ter entendido o que ele quis dizer com “modificar a visão”. Busca sanidade no olhar do loiro entusiasmado com a própria ideia, todavia não a encontra ali.
— Acho que você não entende... Algumas pessoas reprimem a dor causada, outras apenas a reproduzem. — Pacífico, o Williams declara, mas sem deixar a firmeza ao tirar as mãos sobre seus ombros. — Assim como foi oprimido, quer fazer da mesma forma, mas os que forem oprimidos por você irão reproduzir apenas isto também.
— Engraçado... — Stephan dá dois passos para trás à medida que desfaz seu sorriso esperançoso e o substitui por um aspecto amedrontador. — Tinha certeza que você seria, entre todas, a pessoa que mais me entenderia... Peguem ele!
Sua ordem aos zublyes causa uma agitação neles que toma maiores proporções a cada instante. Trincam os dentes e ameaçam atacar, entretanto não ousam sair de seus lugares ao redor dos rapazes. Entreolham-se e também avaliam os olhares dos dois. Incertos.
— O que está pensando em fazer?! — A voz do pequeno de cabelos pretos se torna rouca e altiva como antes, carregada de decepção e mais sentimentos confusos.
— Agora possuo uma maneira de mudar tudo, não posso permitir que nada fique em meu caminho.
HW: Entre protagonista e antagonista, admito sempre ter apreciado mais o segundo. Isto por que, para mim, é óbvia a obrigatoriedade dele na história, só após seus feitos maléficos é que surge um mocinho, o que torna deste apenas uma mera criação de um verdadeiro vilão ou de uma situação ruim.
No entanto, ao observar os vingativos olhos azuis de Stephan Golding, percebi que estes dois não são tão diferentes um do outro. Vilões não escolhem, simplesmente, serem maus, são criados por outro pior que eles ou por uma circunstância ruim, assim como o herói.
“Se nos tornamos quem somos a partir do mesmo princípio, então o que nos diferencia é somente o propósito, e quem está mais disposto a fazer tudo por ele.”
— Não quero te machucar, então, por favor, não tente me impedir. — O loiro sustenta sua posição autoritária. — Preciso que confie em mim, e tornaremos este mundo melhor...
— Este não é o caminho certo, você não está pensando direito — declara choroso, desacreditando das palavras que ouviu.
— Me desculpe por isto, amor... — pronuncia ao avançar repentinamente.
— Não toque no nosso amigo! — O brado cessa a ação e direciona todos os olhares àqueles que aparecem na encruzilhada de corredores próximo da saída principal. Brian empunha um pé-de-cabra e Mandy segura um extintor de incêndio.
— O que estão fazendo aqui?! — Howard é o primeiro a indagar, temendo por seus colegas.
— Não vamos te deixar sozinho nessa! Zumbis até o fim! — A senhorita exclama com bravura.
— Peguem aqueles dois! — comanda o Berseker apontando as vítimas, as quais se prontificam de modo imediato.
Todos os zublyes acatam a imponência sem hesitar, com isso, correm na direção dos adolescentes que permanecem firmes em seus lugares.
— Parem agora! — Com autoridade, ordena o mais novo. Infelizmente, nem todos atendem seu brado como acreditava que aconteceria. Somente alguns fidelizam sua vontade e empacam poucos metros antes que se aproximem dos alvos, a outra metade, no entanto, continua avançando. — Os protejam!
A consequência da ordem tardia é a realização do comando do Golding. Sem ser impedida pelos infectados controlados pelo Williams, a ameaça chega até seus amigos, o Lewis e a Morrissette, entretanto, mostram a arma que descobriram nesta noite: a coragem para resistir. Com valentia, defendem-se das mordidas usando os objetos em suas mãos, em seguida, recebem a ajuda dos zublyes “aliados”, o que torna a cena em uma batalha sangrenta.
Receando pelo pior desfecho possível, Howard não demora em ponderar a única forma de cessar os ataques de uma vez por todas. Decidido, gira o próprio corpo esguio e enfrenta seu namorado. Olhos nos olhos, ambos azuis. Dá dois passos sem premissa, então se lança contra ele enquanto grita em um misto de raiva e aflição (o segundo causado pelo seu anterior). Os dois caem no chão, um por cima do outro.
— Precisa parar! — exclama o moreno sobre o loiro. Disputam força com as duas mãos. — Este não é você!
— E como sabe? Sempre preocupado com seus problemas e nunca me percebe! — Mesmo possuindo mais músculos, a potência dele parece reduzida pelo peso do mais novo sobre sua barriga. — Se você não faz nada para resolver sua vida ruim e continua se lastimando, o problema é todo seu, mas eu não sou assim!
— Perdoe-me pela minha personalidade, por não ser o melhor namorado do mundo, e por não ter compreendido a sua dor... — Cala-se ao perceber que, mais uma vez, começava a se deplorar por algo, como disse o jogador. Questiona a si mesmo se lhe é impossível conter as lamentações que o rodeiam e permeiam a mente. Os braços fraquejam por um instante, e ele ainda considera milagroso ter conseguido conter o rapaz de porte atlético.
— Não preciso de suas desculpas! — Diante do fraquejar, as posições são invertidas sem muita dificuldade enquanto Stephan toma a palavra. — Preciso fazer com que todos sintam a mesma dor que causam...
— Ódio não se combate com ódio! — exclama ao recuperar-se do impacto contra o chão, tenta manter seus cotovelos apoiados para garantir certa força.
— Você contesta minha violência com violência — contrapõe quando consegue juntar as mãos do pequeno Williams ao piso, forçando seus braços abertos.
— Você não é violento, só está assim por causa da mesma coisa que transformou eles! — O argumento leva o olhar dos dois ao aglomerado de zublyes, onde o embate persiste sem fim. Percebe ter conquistado a prudência do rapaz, o qual esvaece seu ânimo aos poucos. — Da mesma forma como eles são cegos pela raiva, e seus pais, pelo preconceito, você está cego por esta infecção...
— Não... — murmura, tornando o olhar relutante aos orbes marejados do moço sob seu corpo. Em seguida, apresenta convicção. — Isto apenas me concedeu um jeito de mudar nossa realidade e ainda abriu meus olhos à verdade. A dor é a única coisa que atiça nosso senso de justiça, e só então a empatia é alcançada.
“Querido Diário, pergunto-me até que ponto ele pode estar certo ou errado... Alguns fins realmente justificam todos os meios?”
— Quer mesmo conseguir empatia através da dor?
— Esta é a única forma!
— Será? — A indagação assertiva do mais novo faz o outro diminuir a força que tornava a aumentar. — A dor não é o maior vínculo entre os humanos, é o amor. Só através dele podemos compreender o próximo e sentir a verdadeira empatia. Pense em quantos teriam as pessoas que amam transformadas em zumbis sanguinários... Como se sentiria ao saber que se tornou ainda pior que todos os que deseja punir?
Stephan solta os braços de seu namorado automaticamente. O semblante convicto é substituído por incerteza e vergonha. Levanta-se catatônico, como um robô. Olhos azuis vidrados no nada, ou em seus próprios pensamentos. O tumulto à suas costas lhe devolve a razão, porém não toda ela.
— Parem, todos, agora! — Voltando o olhar à batalha de zublyes, ordena com autoridade, mesmo sem tanta energia para isso. Todos eles cessam a disputa e contemplam o comandante. Cobertos com ainda mais sangue e feridas por todo corpo. Brian e Mandy parecem bem, desconsiderando os machucados e a aparente fadiga.
O loiro torna ao moço abatido, o qual, agora, sustenta a parte superior do próprio corpo com os cotovelos. Estende-lhe a mão enquanto expressa arrependimento, e o menor avalia a situação por algum tempo antes de aceitar a ajuda para levantar. Vinte e cinco centímetros é a diferença de altura dos dois e também se torna a distância que separa seus rostos quando os corpos se aproximam.
— Me desculpa, me descu...
— Vai ficar tudo bem. — O pequeno Williams o interrompe com um abraço amoroso. Com a cabeça pousada próxima ao peito dele, ouve seu coração acelerado. Também escuta os indícios de choro produzidos pela narina, a qual logo se contém. — Talvez eu não entenda pelo que está passando, mesmo assim sempre estarei ao seu lado.
— Howard! — A exclamação do Lewis furta a atenção, os dois membros da República dos Zumbis evitam todas as pessoas infectadas e correm na direção do amigo, o qual desfaz o abraço e anda ao encontro. — Você tá bem?
— Estou... — declara sem tanta certeza quando os três formam um abraço de alívio. Com tom de voz ameno, indaga de volta: — E vocês?
— Poderíamos estar em situações piores. — Quem responde é a moça Morrissette enquanto mantêm o gesto afetivo e parecem refletir sobre o que dizer em seguida. — Não sei vocês, mas eu não me senti como uma adolescente normal nesta noite.
— No fim das contas, nos tornamos os mais normais daqui. — O comentário do rapaz de cabelo platinado os faz observar uma vez mais os zublyes, cessando o abraço para isso. Os transformados aparentam aguardar novas ordens e avaliar o momento com seus olhos azuis.
— Vamos sair logo deste lugar. — A falta de ânimo faz com que a voz de Stephan assuste o trio após ter se aproximado despercebido. O sobressalto deles é ignorado assim que entendem a origem do susto.
— Vamos... — O pequeno Williams estende a mão na direção do namorado, então juntam seus corpos em um abraço lateral, assim como fazem Brian e Mandy. Como melhores amigos, os dois rapazes dão as palmas ao se colocaram no centro do quarteto, ombro a ombro. Seguem na direção da saída.
— Preciso me redimir com vocês dois tamb... — começa o loiro de cabeça baixa.
— Não precisa se desculpar — intervém a moça de pele marrom manchada de vermelho. — Se seu desejo era mudar o mundo, então posso dizer que sempre fez isso, pelo menos o nosso mundo. — Indica a si mesma e aos seus amigos. — Você sempre nos defendeu aqui, tornou nossa vida mais suportável, por isto agradecemos.
O olhar do jogador brilha por causa das lágrimas, ergue sua visão e encontra as íris cinza da gentil senhorita no outro extremo do quarteto. Acena com a cabeça somente e sente o toque dos corpos se tornar mais firme com o fervor do acalanto.
— Mas se ousar machucar nosso amigo outra vez, vamos acabar com você. — Todos riem após o comentário do pálido de estética flácida.
As risadas empacam quando se aproximam do aglomerado de jovens ensanguentados que rosnam e ofegam. O olhar do mais novo serve como a deixa fundamental, a qual os zublyes obedecem sem discordar e se afastam. Depois de enfrentado, o receio pelo zublyes não existe mais, por isso caminham entre eles sem temê-los.
— Será que ainda podem ser curados se eu transmitir o HIV pra eles? — A questão do Williams requisita os olhares pensativos, depois tornam a avaliar seus colegas transformados.
— Quer mesmo fazer amor com zumbis? — Em forçado tom cômico, o Golding interroga em reposta. Seu namorado revira os olhos ao mesmo tempo em que ri, assim como os outros dois.
— Aliás, tem muita coisa que você não nos contou, Howard — relata Brian quando ultrapassam os zublyes, os quais se põem a segui-los. — Escondeu o fato de estar namorando e até que não era mais virgem também. Achei que fossemos amigos...
— Vamos deixar os dramas para mais tarde, ok? — O interrompe enquanto gargalham.
Restando menos de dois metros os separando da porta dupla da saída, a cena se transforma em incerteza no instante em que o Berseker estaciona, apresentando um semblante preocupado. Por estar ligado com o trio através do abraço, todos empacam e o olham sem demora alguma.
— O que houv...?
— Vocês, por acaso, sabem onde está minha irmã? — Stephan indaga antes que a jovem termine sua pergunta. A carência de resposta aumenta o nervosismo nas expressões dos sobreviventes, principalmente, no loiro e na moça sem cabelo.
Em sincronia, averiguam uma vez mais todas as pessoas infectadas às suas costas. Muitos adolescentes e alguns poucos adultos. Roupas caras rasgadas e manchadas de sangue. Ferimentos, provavelmente, indolores. Todavia, Skya Golding não está entre eles.
— Talvez ela tenha conseguido fugir... — pronuncia a Morrissette esperançosa.
Após aguardar sua deixa, o destino resolve intervir novamente no decorrer das circunstâncias. O celular de Brian vibra em seu bolso, enquanto isto, os zublyes se agitam quando vários sons distintos se originam dos bolsos de alguns deles, indicando notificações. Da mesma forma, Stephan e Mandy recebem a mesma sinalização de seus aparelhos.
01h56min. O sinal regressa ao normal. O Williams ligeiro verifica se recebeu alguma mensagem. Nenhuma. No celular do moço com hipoglicemia há um áudio de sua mãe mandado há menos de uma hora. Branca Lewis apenas questiona se o filho está bem e se divertindo. Em meio à inquietação dos rosnados, o irmão atribulado ignora todo resto em seu aparelho e não tarda em ouvir o áudio de sua irmã:
— Maninho, estou te procurando faz três séculos, onde você se meteu?! — A fala dela quase não dá para ser ouvida, mesmo que esteja gritando, isso porque uma música alta e agitada ressoa como empecilho. A mensagem é de quando a festa ainda não havia se tornado um caos apocalíptico. — Se estiver com aquela pessoa, me fala pra parar de perturbar vocês dois...
O ânimo em sua voz é palpável no final da mensagem barulhenta. Isso alerta a intuição de Howard, o qual logo supõe que o relacionamento deles não era segredo a Golding. Tem sua confirmação no sorriso furtivo do jovem que se apressa em clicar no próximo áudio:
— Stephan... — Sua fala parece diferente, arrastada. E o som da festa ainda ecoa, porém remotamente. — Se não me encontrar na festa é por que estou indo pra casa com a Karly. Não estou me sentindo muito bem... Deve ser a cólica... — A cada instante cronometrado pelos passos sonoros dos seus saltos, a música se torna mais distante. — Enfim, espero que aproveite muito a festa...
— Então ela saiu antes de tudo começar? — Mandy questiona ao se aproximar mais do loiro com o celular em mãos. Suas reações à situação geram certa curiosidade, mas são ignoradas.
— Tem mais um áudio... — declara o Williams, indicando a curta mensagem na tela, na qual clica seu namorado. Por fim, ouvem:
— Maninho... — Não há mais música no ambiente, somente uma voz dolorosa de escutar. — Já estou em casa, mas acho que não é cólica... Se estiver ouvindo isto em tempo, então não coma aqueles cupcakes azuis... O Josh realmente colocou alguma droga neles... — Os quatro se olham em sincronia quando a moça para de falar. Nos semblantes deles surge a aflição. — Vou acabar com a raça dele quando o encontrar... Enquanto isso, espero que o efeito dessa droga passe rápido, porque senão...
O grito dela e um baque alto antecedem o fim do áudio. Howard pousa a palma sobre o ombro do rapaz que tem seus olhos azuis marejados. Mandy abraça Brian como se procurasse conforto. Com isto, o mais novo envolve seu namorado com os braços com intuito de lhe fornecer consolação. Enquanto a dor não consegue ser mensurada ou aliviada, é somente sentida.
No entanto, a sina não lhes fornece tempo suficiente para lamúrias. Toda a tristeza é perdida quando um susto os alcança. Uma enorme explosão fora daquele prédio sobressalta seus sentidos. O som chega a fazer seus ouvidos doerem e seus corpos temerem algum impacto que não ocorre. Entreolham-se assustados e verificam o bem-estar uns dos outros. Os zublyes não mostram receio diante do ocorrido, embora se agitem com o barulho.
Os dois rapazes Zumbis se prontificam em abrir a porta dupla da saída. Desta forma, Howard, Brian, Mandy e Stephan finalmente atravessam a passagem, deixando a escola. Todos totalmente diferentes da forma como entraram ali nesta noite. Transformados não só por fora, mas principalmente por dentro.
“A vida é bem mais difícil que a morte... Porém, ninguém se torna um jogador profissional no modo fácil.”
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