OCULTOS

“Ação e reação; lei do retorno; carma... Muitas definições da certeza que para tudo que fazemos há uma consequência. Todas as escolhas possuem, em algum momento, seu resultado... mesmo não sendo aquele que esperamos.”

— O que aconteceu?! — A indagação do Berseker musculoso se sobrepõe entre as demais exclamações dos jovens.

— A Kathy, ela, e-ela despertou do desmaio, começou a passar mal e ficou igual aos outros! — alega escorando suas costas na porta trancada. O corpo perceptivelmente trêmulo.

— Isso já tá indo longe demais, precisamos pôr um fim...

— Mas nem sabemos o que está acontecendo! — Uma das Patroas interrompe a fala do atleta ligeiramente alterado, assim como todos ali.

— Eles são como zumbis! — Brian alteia a fala. Sua expressão mostra que a afirmação serve apenas para ter certeza de que todos já haviam compreendido tal fato. Surpreendo-o, os adolescentes se apresentam intrigados quanto à revelação. — Estamos chamando de zublyes por causa dos...

O Lewis cessa sua falação ao assustar-se com a batida violenta e barulhenta que a porta recebe. A senhorita escorada nela se sobressalta subitamente, então logo se afasta com alarme e cautela. A saída é, uma vez mais, interditada.

— A Kathy tinha sido atacada ou comeu um daqueles cupcakes azuis? — Howard busca em sua memória algum ferimento que pudesse ter visto no corpo da menina desfalecida.

— Pode ter sido mordida enquanto estávamos todos correndo, não sei direito — presume assustada e ainda, possivelmente, incrédula.

— Espera! Isso tudo tem a ver com os cupcakes do Josh? — O Berseker tem sua resposta no assentir do pequeno adolescente de cabelo preto. — É óbvio. Aquele imbecil tinha que estar envolvido nessa merda toda!

— Acho melhor focarmos em sair daqui. — Um dos Olímpicos pronuncia, fazendo menção aos rosnados que aparentam ganhar um maior volume, próximos à entrada principal do recinto. Esmurrando a porta que os separa, Kathy não demoraria em atrair a atenção dos zublyes fora do auditório.

— Podemos conter ela e usar esta saída, somos seis contra uma — calcula a Patroa menos embriagada.

— Somos oito, na verdade. — Ao revirar os olhos, corrige a senhorita que antes dava assistência a desmaiada.

— Não contei com nós duas! — Indica sua amiga ao exclamar. — Não podemos correr o risco de virarmos zumbis.

Zublyes. — A correção de Brian é ignorada.

— Então por que disse “somos”? — A moça continua e ergue a mão para intervir na fala da Loira indignada. — De qualquer maneira, não poderíamos sair por esta porta, a maçaneta não funciona, ela só abre com a chave... A mesma que deixei lá dentro quando corri.

— Isto talvez não seja um problema. A Kathy vai abrir pra nós. — Howard declara com convicção. — Estes zumbis são mais espertos que os dos filmes. Só precisamos esperar ela usar a inteligência em vez da força.

Na escuridão, a audição se torna cada vez mais apurada. O grupo de adolescentes nota que o som de rosnados se aglomera após a entrada principal. Em seguida, trombadas começam incidir a porta dupla, ameaçando derrubá-la.

A respiração parece cessar junto com os movimentos, com intento de não haver nenhum ruído sonoro além das imparáveis e estrondosas batidas de seus corações. Não adianta de nada, uma vez que a atenção está completamente voltada para dentro do auditório por causa do alvoroço da zublye no cômodo ao lado.

— Rápido, afastem-se da porta! — O jovem portador de HIV ordena aos outros, os quais não tardam em acatar. Todos retrocedem alguns passos, iluminando o ambiente com a lanterna de seus celulares, sem saber onde devem depositar a vigilância. — Vamos, Kathy, use a bendita chave. Abra esta maldita passagem.

— Isto é loucura... — cochicha uma das Patroas.

— Desliguem as luzes! — A única senhorita morena exclama. Então acabam com a luminosidade ali para que não sejam mais o primeiro alvo visível.

Quanto tempo a garota infectada demorará em perceber que basta usar uma chave? A astúcia dela é cronometrada pelo Williams enquanto avalia da mesma forma a resistência da madeira e a força dos zublyes que tentam ultrapassá-la. Qual a probabilidade de escaparem com vida?

“Compreensão dos familiares; ajuda dos amigos; realização dos sonhos; Kathy destrancar a rota de fuga... São possibilidades e nada mais que isto. Então, como dizem: na vida, temos apenas uma única certeza...”

Quando a porta dupla começa emitir um barulho diferente ao ser atingida, Howard se questiona: quanto tempo lhes resta? Então a resposta é dada de imediato. A entrada principal é aberta por uma onda de adolescentes ferozes que são jogados para frente pela força que usavam.

Em meio ao desespero, e tendo a visão de dezenas de zublyes avançando entre as cadeiras vermelhas em direção ao palco, os sobreviventes só conseguem executar passos no destino contrário. Buscam a maior distância em relação ao perigo.

A jovem morena toma um rumo diferente dos outros, dirigindo-se a algumas cordas entrelaçadas ao lado do tablado alto. Quando a ameaça se encontra já no centro do auditório, duas cortinas gigantescas se projetam como um muro que separa o palco dos assentos. Assim, fica claro o fato da moça ser da República Brilhe, uma artista. Por isto conhece o defeito na maçaneta da porta, e também qual das cordas usar no intuito de fechar os acortinados vermelhos.

— Sigam-me. — Ela convoca os outros, talvez na esperança de que eles consigam acompanhá-la usando o som de seus pés como guia, uma vez que o breu se torna ainda maior devido às cortinas.

Não importa o quão escuro esteja o recinto, os estudantes transformados continuam seguindo o barulho que Kathy persiste em emitir ao tentar atravessar a passagem que lhe barra. Seguindo as golpeadas dela, todos vão em direção ao lado esquerdo do palco, isto para quem se encontra em cima do mesmo. Por esse motivo, o grupo de oito sobreviventes anda rápido no sentido direito, permanecendo atrás do tecido rubro. Ocultos.

O aglomerado de zublyes atravessa a cortina enorme e toma a porta que uma vez foi a única esperança de fuga. A algazarra dos próprios contaminados eufóricos e a ausência de iluminação se tornam as únicas coisas que mantêm despercebidos os alunos logo ali. Cada vez mais deles invadem o cenário usando a entrada principal que, incontestavelmente, torna-se a inusitada opção de escapatória.

— Se formos discretos, sairemos ilesos — cochicha um dos Medalhas de Papelão quando estão no extremo lado oposto ao perigo.

— E se der errado? — indaga o Músculo Ambulante.

— Essa merda deu errado faz tempo... — Uma Loira contesta com murmúrio.

— Agora me escutem. — A Artista Desocupada reivindica os olhares cegos dentre ao breu total. — Tentem fazer o mesmo barulho que eles e andem como se sentissem dor no corpo. Não olhem os olhos deles, senão perceberão que os de vocês não são azuis...

— Os meus são...

— Que legal. — Ela debocha da constatação da líder de torcida. — Vamos separadamente para não chamar tanta atenção. Por último: corram o mais rápido que puderem na direção da saída da escola.

— Tem certeza que isso vai funcionar? — interroga o outro atleta desconfiado.

— Bem... — A moça respira fundo e desfaz o coque em sua cabeça, o qual havia sido feito em algum momento oportuno. — Vamos descobrir.

Antes que pensem em impedi-la, a garota da República Brilhe abre uma brecha na cortina e deixa o palco. Seu movimento toma os olhares de boa parte dos infectados que adentram o ambiente. Pelo menos, isto parece ser o mais provável de estar acontecendo, já que, no blecaute, podem ser vistas somente as silhuetas desfocadas. No entanto, ela começa agir igual qualquer outro ali, atuando como se estivesse diante de uma plateia.

Acelera os passos descuidados subindo os degraus enquanto rosna furiosamente. Desta maneira, é ignorada pela ameaça e dá continuidade ao plano. Apenas quando se aproxima da saída pode ser declarado o sucesso de sua estratégia.

Assim, paira entre os sobreviventes restantes a questão interna: quem se atreverá a ser o próximo? Para a primeira deve ter sido como uma desafiadora encenação, mas nenhum outro ali fazia parte do grupo de aspirantes à atuação.

Howard Williams dá um passo, assumindo o encargo. Em sua mente parece não ser tão difícil fazer isto, basta imitar os jovens e tudo ficará bem. Então lembra que, nesta mesma noite, ele já havia tentado ser como os outros, e o resultado não foi dos melhores. Entretanto, desta vez, não precisa se igualar aos "adolescentes normais”, mas agir como os zumbis.

Desce do palco tomando a mesma atenção que a moça. Respira intensamente enquanto balança seu corpo de forma desordenada e caminha na direção da entrada. O fôlego lhe relaxa ligeiro, assim, dá início aos rosnados que o tornam oficialmente um zublye.

O rapaz de cabelo preto ouve o som do próximo deixando o tablado alto, porém não se atreve a olhar para trás e arruinar o “disfarce”. Até por que, de qualquer forma, não veria quem o segue por causa da intensa penumbra. Marcha rumo à saída do auditório enquanto tenta não ficar no caminho dos olhos azuis. Ao atravessar a passagem, algo surge na mente do moço, algo que escreveria em seu diário se saísse dali com vida:

“Tudo seria mais fácil se não enxergássemos nossas diferenças, seriamos todos iguais... A verdadeira utopia, no entanto uma utopia cega e falsa.”

A cada passo, o alívio se mistura a incerteza. Abrandado por não ter sido agredido, todavia duvidoso pelo fato de não saber até que momento isso continuará dessa maneira. A intuição lhe diz que todos os outros jovens andam rapidamente logo atrás dele, e seus olhos não conseguem mais captar a moça atriz que cursava à frente, talvez ela já tenha cruzado o corredor que leva a saída. Contudo, nada disso importa para Howard, seu plano não é fugir.

É impossível não notar os vultos que correm na direção oposta, atraídos pelo barulho no auditório. É difícil não ouvir o grito agudo que ecoa no andar de cima, ou no segundo andar. É complicado dar atenção aos sentidos primitivos enquanto rosna com a garganta começando a doer e agita seu corpo cansado só para não ser distinguido.

“Segredos, por menores que sejam, fazem-nos esconder uma parte nossa nas sombras. E por mais que acreditemos no personagem que criamos, ainda sentimos a certeza do que somos oculta na escuridão do nosso interior. [...]”

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