MOTIVAÇÕES ESTÚPIDAS

— O que disse? — Howard indaga, mesmo tendo escutado perfeitamente bem.

— Gostaria de conversar mais um pouco com você. — Victor declara, ajeita os óculos em sua face e finda um pouco mais a distância que os separa, contudo logo recua seu corpo para trás e indica a saída. — A sós...

— Bem...

— Não vai demorar, só quero bater um papo em um lugar com menos... adolescentes enlouquecidos. — Seu humor é suficiente em favor de abrandar o receio que impede as decisões do jovem ainda sentado.

— Tudo bem, eu acho...

Assim, os dois saem do salão festivo e se põem a cruzar os extensos corredores e escadarias. Determinadas vezes, encontram outros estudantes perambulando em dupla ou em grupo.

— E então...?

— Não sei como dizer isto, mas... — Volta sua face à do jovem que se mostra atento a qualquer coisa suspeita, então segura os ombros dele para cessar a caminhada. Veem-se de frente em um corredor mal iluminado. — Estou tão arrependido quanto o Thanos ao enfrentar os Vingadores...

— Não sei se entendi. Do que se arrepende? — Tenta esconder o constrangimento ao demonstrar empatia.

— Você me parece bem inteligente, como qualquer outro Einstein. Então me arrependo de não ter o convidado para fazer parte de nossa República. — Seus olhos castanho-claros perfuram os orbes escuros daquele que tenta mascarar a euforia interior.

“Palavras póstumas não ressuscitam o defunto. Remorso não regenera as feridas. Desculpas não desfazem o erro... E quando os Vingadores voltaram no tempo, o Thanos fez ainda pior.”

— Tudo bem, agora não importa mais... — Howard se livra das palmas tremulantes sobre seus ombros e torna a caminhar, deixando um Victor surpreso para trás, entretanto é ligeiramente acompanhado pelo mesmo. — Eu compreendo suas escolhas...

— E-eu quero que você me perdoe por isso... — De repente, o adolescente de óculos parece apresentar mais pesar que o esperado em um pedido de desculpas. Sua voz falha e as íris vibram iguais suas mãos.

Assim que o Williams torna seu corpo em direção a ele, entende o arrependimento sentido pelo líder dos Professores Desempregados. Às costas deles, dois rapazes fortes se aproximam calmamente, contudo com um semblante malicioso.

Seu rosto paralisa quase por completo, deixando os olhos se arregalarem. O cérebro o obriga a se afastar com um mero passo para trás, sendo o que consegue executar em meio ao estado catatônico. No entanto as costas esbarram em algo que faz um choque eletrizar seus músculos estáticos enquanto um calafrio percorre a espinha.

— Vejam o que encontramos, rapazes... — Quando gira seu corpo novamente, Howard localiza um peitoral bem definido vestido em terno acinzentado. Ao afastar-se e erguer a visão, ele constata Josh Gray e um Olímpico. — Obrigado, Victor, pode ir agora.

A saída do jovem toma a atenção do pequeno acanhado, o qual, ao se virar, a fim de vê-lo se afastar com uma expressão arrependida, percebe os outros dois já bem ali. Rodeado pelo quarteto que se mostra ameaçador, o moço não consegue decidir para quem deve olhar, então sua visão transita por todos freneticamente.

— Está gostando da festa, zumbi? — O jovem de cabelo marrom se pronuncia com imponência outra vez, requisitando as íris escuras do acuado e atormentado pelas zombarias iniciadas. — Eu poderia jurar que não veria nenhuma aberração hoje.

— Então não deve ter se olhado no espelho o dia todo... — As emoções embaralham sua mente. Sua consciência não consegue conter o pensamento, o qual acaba sendo pronunciado.

A surpresa atinge a todos ali, inclusive ao próprio dono da fala. Os três espectadores lançam sua vigilância de Howard para Josh, depois tornam e repetem, tentando adivinhar a próxima ação e de quem virá.

— O que você disse? — A maneira como indaga, compassada e pausada, expressa raiva. Dá um passo em direção ao menor estático, porém este não se move, não há para onde correr.

— Eu quis dizer... que estou adorando a festa...

— Peguem ele!

“Não corro mais rápido que eles; meu corpo não é super-resistente; não possuo força para me defender... O que me resta é aceitar a sina.”

Com o comando de Josh, os dois estudantes às costas da vítima agarram os braços da mesma. O Williams não resiste, afinal, considera-se incapaz de se libertar das mãos fortes, mesmo se tentar ao máximo. Percebem bastar apenas um deles para mobilizá-lo, então seguem na direção de uma das portas do corredor, a qual é aberta pelos rapazes.

— Achou mesmo que poderia vir na nossa festa e curtir como se fosse um de nós? — A voz do Gray invade seu pensamento enquanto os adolescentes invadem, pela entrada traseira, o que parece ser o laboratório científico. Um âmbito conhecido por Howard como a palma de sua mão. — Você nunca vai ser igual a nós, seu viadinho!

O jovem recluso é levado ao centro do recinto cheio de bancadas brancas e objetos acadêmicos enquanto a luz é acesa. Os outros se espalham pela sala como se fossem turistas ali. Riem e trocam termos pejorativos, semelhantes crianças malcriadas, cercam o Zumbi aparentando desejar devorá-lo. Reparando bem, os dois Olímpicos do quarteto aparentam certo desconforto, quem sabe estejam sendo forçados a tal situação.

— Aliás, você nunca descobriu quem fez aquelas montagens suas, não foi? — O questionamento de Josh obriga o menor a erguer sua visão, antes baixa. Não consegue definir qual expressão marca sua face neste momento, surpresa, decepção ou raiva? — Eu soube que seu pai ficou arrasado...

— Foi você... — Os mesmos pensamentos dele parecem perambular pela cabeça dos outros presentes, talvez não soubessem, até então, de tal informação.

— Impressionado? — Realmente não deveria ser surpresa nenhuma ao Howard. O que esperar de alguém que sempre o desprezou?

— Por quê? — Com seus pulsos presos atrás do corpo pelo Berseker, não é capaz de altear o tom de sua voz. Já havia sofrido tanto por causa daquela mentira que não consegue mais mostrar sua aflição. — Por que fez aquilo?

— Bem, é o que bichinhas aidéticas como você merecem! — Josh se aproxima rapidamente. — Esta noite será muito especial. Lembrará dela todos os dias de sua vida. Novas imagens suas serão espalhadas, mas dessa vez não serão montagem.

Ao terminar sua fala, mostra o celular que tira do bolso. Howard, entretanto, não compreende até ver os outros dois rapazes, um de cada lado seu, desafivelando o cinto e desabotoando a calça.

“Quão longe as pessoas podem ir objetivando conseguir o desejado? Quão forte alguém pode se tornar para conseguir lutar contra o indesejado? Motivações e seus efeitos...”

Adrenalina pura preenche o organismo do Williams, fazendo ele se sentir tão forte quanto qualquer um naquele recinto. Com isso, de modo súbito, o jovem maquiado puxa seus braços com violência suficiente para se libertar do Berseker que o aprisiona. Gritos alarmados o insultam, Howard, contudo, não os ouve enquanto usa a recente agilidade com finalidade de desviar das mãos do que o mantinha cativo.

— Peguem ele, seus idiotas! — Josh se sobressalta, assim como todos os que correm. O menor à frente, e os três rapazes logo atrás, indo na direção da bancada principal, destinada ao docente. — Não há para onde fugir!

Em consonância à redução da adrenalina, seu corpo magro e cansado perde a velocidade significativamente. Enxerga a porta logo mais a frente, porém sabe que não poderia escapar desta forma. Por isso recorre a sua inabalável inteligência, a qual desnecessita de adrenalina.

Não muitos passos apressados após o início da corrida, Howard constata algo que pode ajudá-lo sobre uma das bancadas. Pega para si tal objeto e gira em seus calcanhares de maneira abrupta, apontando-o aos jovens que estacionam, provavelmente, curiosos em saber o que ele possui em mente.

— Não deem mais nenhum passo — ameaça com convicção, empunhando a pequena faca que se assemelha a um bisturi.

— O que acha que vai fazer com essa faquinha, boiola de merda? — Josh alcança seus comparsas que riem ao ver a figura assustada desafiando seu medo interno. — Não consegue nem se manter vivo normalmente, como vai lutar contra todos nós?

Então a resposta surge de onde menos esperam. Howard arrocha seus dedos em volta do cabo do objeto cortante e respira fundo, como se absorvesse a coragem necessária. Sem pensar duas vezes, pousa a lâmina em sua mão esquerda, a qual se fecha em torno da mesma, e puxa a faca com a direita.

— Talvez eu não seja tão forte e rápido como vocês, mas posso tornar das suas vidas um inferno — declara deixando o sangue escorrer entre os dedos finos da canhota. Busca não apresentar a dor aguda sentida na palma, a qual, possivelmente, não sentiria se ainda estivesse sob efeito da adrenalina.

A surpresa choca os que o assistem sangrar. Bersekers e Olímpicos observam sem conseguir executar ações em resposta. Mostrar covardia ou enfrentar o medo? Insistir na travessura ou zelar por sua saúde?

— Uma mera gota do meu sangue e irão perder peso enquanto dores os farão querer morrer, sem falar na horrível fadiga e no sistema imunológico que ficará todo desgraçado... — Um passo seu à frente faz com que os rapazes musculosos deem dois para trás. Sua mão fielmente estirada na direção deles. — E o pior de tudo: as pessoas irão fazer das suas vidas um inferno. Preconceito e discriminação. Irão tratá-los como se fossem a pior espécie do mundo... Como vocês fizeram comigo.

A verdade, com toda certeza, dói mais no Howard do que causa remorso nos jovens. Talvez não haja mais nada a ser dito, dada à situação. Alguns dos malfeitores não aparentam estar arrependidos por seus atos, todavia genuinamente tocados pelas palavras singelas. Decidem não continuar com o planejado ao executar mais um passo receoso para trás, no entanto não pronunciam nenhum pesar.

Qualquer coisa dita pelo Williams será possivelmente ignorada, então decide não se pronunciar ao vê-los se afastar à medida que aceleram cada vez mais na retirada. Contudo, quando próximos à porta, algo enche a mente do que ainda sangra:

— E para sua informação, Josh... — Toma a atenção do último, o qual torna seu corpo antes de sair. — Em relação a mim, não faz diferença se você pensa que sou uma bichinha ou boiola, mas o que não sou é um aidético, pois eu trato da minha doença. Devia tratar da sua também. Este seu caráter não pode ser normal...

O Gray fecha os punhos de forma agressiva, entretanto, antes que sua raiva seja descarregada ao realizar o que seus pensamentos perniciosos provavelmente sugerem, mãos rápidas o puxam para fora do recinto. A porta é bruscamente fechada em seguida.

Um longo suspiro relembra o moço de que precisa respirar, o que parecia ter se esquecido de fazer. A dor na mão cortada e o cheiro do sangue tomam seus sentidos. Rapidamente, pressiona a ferida da palma esquerda após soltar a lâmina usada para fazê-la. Seus olhos vasculham o laboratório e pousam em uma das prateleiras laterais.

— Querido Diário, eu poderia estar em casa, zerando algum jogo ou só existindo, mas aqui estou... — pronuncia enquanto caminha entre as mesas. — Sangrando no laboratório de uma escola em festa. E o engraçado é que se eu tivesse apontado uma arma na direção deles ao invés de meu sangue, talvez tivessem tentado tirá-la de mim. Não recuariam como fizeram...

Na pia, lava as mãos e boa parte dos braços para amenizar o suor que havia tomado seu corpo alguns momentos antes. Posteriormente, pega as gazes na prateleira e tenta enfaixar sua mão da melhor maneira que consegue, usando apenas a direita.

Dados os últimos acontecimentos, conclui que não há mais nada o mantendo naquela instituição por mais tempo, então segue até a porta dianteira. Trancada. Corre com esperança até a outra saída do recinto. Trancada.

Como primeiro impulso resolutivo, Howard pega seu celular no bolso e manda mensagem aos seus amigos. É quando percebe que não há sinal. A mensagem nunca chegaria. Após vagar um pouco por ali, em busca de sinal, resolve recorrer ao seu programa de rastreamento.

“Falei que um dia ele seria útil.”

Em seu aparelho, Howard abre um aplicativo cujo logotipo é um olho azul rodeado de preto. Na tela surge apenas um solitário botão azulado com os seguintes dígitos: idlaH. Ao clicar nele, o interruptor tecnológico desaparece e em seu lugar surge a mensagem: aguarde.

— Pronto, agora é só esperar... — enuncia direcionado a si mesmo, objetivando buscar alívio. Senta em uma das bancadas do laboratório e acessa seu diário digital pelo celular.

“Ignorar o problema nunca o fará desaparecer... Agora percebo que eu não estava me afastando da aflição, apenas me aconchegando em seu enganador abraço.”

Enquanto digita, o Williams conclui mentalmente não haver nada que justifique as ações dos outros colegiais para com ele e seus amigos, todavia passa a considerar os três Zumbis como também responsáveis pela forma que eram tratados. Deviam/precisavam ter exposto quem eram; apresentado suas verdadeiras personalidades; e mostrado que são iguais a qualquer outro jovem. Agora seria tudo diferente se não tivessem se escondido e ignorado o problema.

Ainda escrevendo, o adolescente de cabelo preto reflete esses mesmos pensamentos, porém matutando, desta vez, sua relação com o pai. Ronald talvez já estivesse tão amoroso quanto sempre foi, antes de se desgostar pelo filho, se este não houvesse tomado ainda mais distância do homem.

“Era doloroso contemplar sua amarga decepção estampada no rosto todas as vezes que o olhava. No entanto, é ainda mais doloroso, agora, entender que tudo podia ser resolvido se eu tivesse insistido mais.”

Ocupar sua mente com qual rumo sua vida poderia ter tomado não a faria se resolver, e se culpar por tais fatos traria o mesmo efeito inútil. É a conclusão em que chega após alguns minutos, antes de decidir abrir o seu jogo favorito: Zombie Tsunami. Todavia, antes que isso ocorra, ele consegue ouvir passos apressados ecoando pelo corredor.

Corre até perto da porta trancada, então solta a voz:

— Oi! Preciso de ajuda! — exclama com esperança de que seja uma pessoa de bom coração o ouvindo, isso se realmente for ouvido.

Não há resposta alguma, apenas o tilintar nervoso do que Howard deduz serem chaves. Em poucos segundos, a porta é aberta de maneira súbita, quase acertando o jovem cativo, o qual se lança para trás.

O suor surge em sua pele à medida que começa o formigamento, como um corpo morto ao ser reanimado por meio de choques de alta voltagem. O coração bate frenético, sem negar a possibilidade de manifestar-se pela boca e lembrar um zumbi ao ascender de sua cova. O estomago se desinquieta, atormentado como uma caverna é pelos morcegos.

Tudo isso pelo simples fato de seus orbes pretos encontrarem os inconfundíveis olhos azuis.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top