FILHO DE UM ASSASSINO
“Por que os humanos perdem tempo planejando o futuro, mesmo sem saber se estarão vivos na hora seguinte? Eu poderia dar o famoso conselho: viva o presente. Entretanto, eu também não faço isto, então...”
Este é o último dia de aula, que diferença fará se os estudantes prestarem, ou não, atenção? É a sexta-feira mais difícil para os professores da High School, no entanto logo chega ao fim.
Depois que as horas se passam imperceptíveis, Howard, Mandy e Brian amaldiçoam de todos os modos possíveis o destino. O mesmo que os juntou um dia, agora os separa.
— Nunca se esqueçam de mandar mensagem, hein! — A senhorita de 19 anos fala de maneira fofa e ameaçadora.
Assim como muitos outros alunos se despedem no estacionamento ao lado do colégio, o trio forma um triângulo com suas mãos dadas e seguram, a todo custo, as lágrimas.
— Quê isso, gente? — O moço de cabelo platinado é o que aparenta estar mais perto de ceder ao choro, mesmo que use seu semblante humorado a fim de maquiar isso. — Só concluímos o ensino médio, não vamos mudar de continente.
— Exatamente, vamos marcar de sair para festas e essas coisas que os jovens fazem. — O mais novo não perdoaria a si mesmo se deixasse as lágrimas arruinarem a base que esconde suas olheiras.
— Isso não faz o nosso estilo, vamos a uma sorveteira. — A Morrissette contrapõe fazendo as primeiras gotas que saem de seus olhos claros desviarem do caminho ao encontrar o seu sorriso meigo.
— Eu topo!
— Eu tenho uma coisa pra vocês... — O Williams desfaz o laço com as palmas deles e pousa sua bolsa no chão. Enquanto seu amigo descongestiona as narinas, ele busca freneticamente algo que jaz entre a bagunça dentro da mochila preta. — É apenas um humilde presente...
O que ele mostra são três chaveiros, todos com um pequeno boneco cabeçudo pintado de tons verdes, olhos esbugalhados e alguns arranhões escuros.
— Miniaturas de Hulk da deepweb?
— Zumbis... — Brian corrige a senhorita de sobrancelhas erguidas, mesmo tendo a certeza que ela já sabe.
— Zumbis! — repete com mais animação aquele com os bonecos na mão direita, a qual ele estende para frente.
Os outros dois pousam suas palmas sobre a dele, e os três reproduzem o nome de sua República, recebendo alguns olhares dos alunos que ainda se despedem. Em seguida, um forte abraço excede os minutos de qualquer outro recebido antes. Howard começa a cronometrar o gesto de afeto, contudo a emoção não o permite continuar, deixando que as batidas sonoras de seu coração contem os segundos.
O abraço se desfaz quando Mandy é convocada por um homem com a pele ainda mais rica em melanina que a dela, seu pai. O sujeito careca abre cordialmente a porta do carro para que a moça entre, e, assim, ela deixa a escola. Após poucos minutos, uma mulher loira com um corpo volumoso buzina, objetivando atrair a atenção de seu filho. Bri se despede do amigo uma vez mais e vai com sua mãe.
À medida que o tempo passa, Howard confirma a si mesmo cada vez mais as chances de seu pai não se lembrar de buscá-lo ali. Observa alguns ônibus partirem e outros alunos serem levados pelos parentes.
“Pois é, Diário, isto não é mais surpresa nem para você... Claro que ele esqueceria seu filho corrompido pra variar. Bem, caminhar por cinquenta minutos nunca fez mal a ninguém.”
— Howard! — O jovem escuta seu nome e torna o corpo magro ao que nota serem alguns jogadores despedindo-se e indo em direção aos seus carros, provavelmente, dados pelos respectivos pais. Deviam ainda estar jogando futebol, o último jogo para uns deles, por isso saíram mais tarde.
— Ah, oi... — pronuncia ao ver Stephan Golding à sua frente. Sua irmã já havia ido embora com as amigas. — Posso ajudar?
— Na verdade, percebi que você pode estar precisando de alguma carona, então... — O loiro declara indicando o carro esportivo preto.
Antes de qualquer reação ou resposta, a perspectiva do Williams é tomada polos olhares das poucas pessoas ainda no estacionamento. O que poderiam falar dele que já não falaram antes? No entanto, não permitiria que sua presença atingisse a reputação de terceiros.
— Você não precisa fazer isto — responde ao mesmo tempo em que se arrepende da resposta. Os vinte e cinco centímetros aproximados que o Golding conta a mais em sua estatura que o menor fazem este se sentir pressionado a explicar sua negação. — Você não precisa, porque eu gosto... de andar... muito.
— Tem certeza? — insiste cruzando os braços, cujos músculos enrijecem.
— S-sim... — Autocritica-se, mentalmente, por gaguejar.
— Tudo bem... Até mais. — Acena com a cabeça, assim como o outro faz, e deixa aquele local indo na direção de seu carro.
— É... Parece que vou malhar um pouco as minhas pernas... — resmunga para si mesmo, vendo o veículo preto tomar distância. Não demora em dar início à longa caminhada. Fones de ouvido logo são colocados em suas orelhas, e uma playlist totalmente aleatória desperta seus pensamentos acidentais, os quais, com toda certeza, escreveria mais tarde em seu diário de capa escura.
“Momento filosofia: Meu pai é como o futuro... Se você esperá-lo em vez de tomar as rédeas, pode acabar apodrecendo... no estacionamento de uma escola.”
Ronald Williams, 45 anos, solteiro (até aonde sei), um dos melhores programadores e analistas de sistema da cidade do Oregon...
•••
Em seu tempo de colegial, conheceu uma moça bonita, e os dois logo se apaixonaram. Junto do passar das estações, garantiram uma boa renda com seus empregos, foram morar juntos e casaram-se. Eram felizes, mas sentiam que algo faltava. Quando o homem possuía 27 anos somente, decidiram finalmente ter um filho.
O bebê veio ao mundo com saúde e muita graça, assim, tornou ainda mais feliz a família que se completou. No entanto, seis meses depois, sintomas de uma doença começaram surgir na mãe, a qual foi diagnosticada com HIV. Sendo uma doença sexualmente transmissível, seu esposo desconfiou de uma traição, e além de querer saber se contraiu o vírus, também exigiu um teste de paternidade do filho.
Antes que os dois exames ganhassem um resultado, a mulher sumiu para sempre, deixando sua família. Um teste negou tal doença ao analista, e o outro confirmou a paternidade. Abandonado, o Williams aceitou a criança de bom grado e jurou dar-lhe a melhor vida imaginável. Contudo, isso não seria possível, pois com o simples gesto da mãe tê-lo amamentado, o pequeno Howard adquiriu a doença e teve seu futuro selado...
•••
O adolescente com o cabelo preto bagunçado desvia de algumas pessoas enquanto o anoitecer mostra sua face. Recorda do que seu pai lhe dizia quando questionava sobre sua progenitora. Ronald não dava muitas especificações. Então, Aquela-Que-Não-Deve-Ser-Nomeada é como chama a mãe que nunca conheceu.
Às vezes, pensa em buscar saber mais sobre ela, porém sempre lembra que a mulher o rejeitou quando ainda recém-nascido. Conhecê-la, possivelmente, seria só mais um de seus traumáticos arrependimentos. Desta maneira, não há outra escolha senão tentar sobreviver ao lado de seu pai (ou nem tão ao lado dele assim).
Uma hora após o início da caminhada, esta tem um fim quando o cansaço faz o moço agarrar com alívio a maçaneta da grande porta alva. A casa dos Williams se apresenta entre muitas outras tão luxuosas quanto à deles.
O jovem esperava que seu pai não tivesse ido buscá-lo apenas por falta de memória, essa ideia, entretanto, mostra-se irreal assim que ele fecha a entrada e encontra o corpo do homem, inconsciente. Ronald jaz jogado no sofá, bêbado, como sempre acontece nas sextas, sábados e domingos.
— Ah, finalmente chegou! Pensei que tivesse sido sequestrado... — O ébrio de olhos azuis avermelhados balbucia em alto volume quando desperta com a batida da porta. Seu curto cabelo preto dá sinais de calvície.
— Meu sequestro seria um conforto pra você... — resmunga baixo, mirando a garrafa de uísque que se mantém magicamente na mão do sujeito com pouca coordenação.
— O que disse?! Bem, não importa... Não tem o que comer, então, se quiser jantar, pode pedir alguma entrega. — Troca o canal da televisão à sua frente ao mesmo tempo em que dá mais um gole na bebida quente.
Howard ignora os últimos minutos e segue pelas escadas que o levam ao seu quarto. A cama age como um ímã a favor da fadiga. Permanece ali deitado, refletindo sua relação com o pai.
Se isolar o fato de Ronald ser um programador de sucesso e ter o acolhido amorosamente, podem ser bons motivos para existir orgulho do pai. Entretanto, levando em conta o resto de sua personalidade, é lamentável...
“Uma dádiva dos humanos é que eles estão em constante mudança, todavia este também pode ser um de seus maiores defeitos.”
HW: Nem sempre ele foi desinteressado em mim, ou arrogante. Até poucos meses atrás, tínhamos uma convivência bastante harmoniosa. Contudo, todo o mar de rosas se tornou um oceano de espinhos quando fizeram questão de espalhar o falso boato de eu ser gay.
Eu conseguia compreender que meu pai era... intolerante, porém só entendi o nível disso quando o rumor chegou até seus ouvidos. Ele ficou irreconhecível. Nunca tinha alteado a voz comigo até aquele dia. Primeiro busquei acalmá-lo para podermos conversar, então expliquei o fato de eu não ser homossexual e que tudo não passava de uma fofoca mal-intencionada. Por confiança ou preferência, o analista de sistemas acreditou em mim, seu querido filho.
O que eu jamais poderia imaginar é que alguém me desprezava o suficiente a ponto de sentir a necessidade de manipular fotos minhas e criar imagens nas quais eu beijava outro jovem que nunca sequer conheci. Não poderia culpá-lo se acreditasse em seus olhos ao invés de em mim, até eu duvidava dos meus vendo a habilidade maldosa.
Bastou-lhe ver as montagens para confirmar o que sua mente negava. As íris dele ganharam uma cor rubra como sangue quando apresentou todo seu desprezo por uma versão inventada de mim. Sem nenhum histórico de alcoolismo, Ronald começou se embriagar nos finais de semana em que os estudantes deixavam o colégio para visitar suas casas. Desde então, nunca mais recebi abraços reconfortantes ou sorrisos seus, apenas o total abandono, como minha mãe fez um dia.
Na realidade, se quer saber, aquele dia foi como morrer, achei realmente que ele fosse tirar a minha vida. Agradeci ao universo por isso não ter acontecido. Logo em seguida, percebi que falecer poderia ter sido o melhor dos destinos. Viver sentindo-se morto provou ser bem pior...
Agora não há mais conversas aleatórias e engraçadas, preocupação com a condição de saúde do filho, idas a sorveteria ou passeios. Não jogam mais e nem conversam sobre garotas.
Howard Williams decide levantar para tomar um banho e lavar o suor que cobre o corpo depois de ter carregado todos seus pertences por uma hora a fio. Entretanto resolve escrever algo a mais em seu caderno de anotações, antes que a mente esqueça as palavras.
“Desculpa a dramaticidade, Diário... É que minha mãe pode ter me renegado totalmente e me transmitido um vírus mortal, porém é meu pai quem me mata aos poucos e cada vez mais.”
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