ENCARAM AS REPÚBLICAS

Poucos alunos percorrem os corredores logo pelo alvorecer. Em meio a eles, peregrina o trio que caminha silencioso. Exercitam suas pernas e aquietam a mente enquanto contemplam os vários encantos do campus. Após transitarem próximos ao laboratório, teatro e os ginásios de esportes, vão ao pátio, onde os jardins apresentam flores coloridas, os arbustos são altos e as árvores sombreiam os bancos vermelhos.

“Um pedaço do paraíso neste inferno.”

— Já decidiu o que vai fazer a partir de agora, Howard? — O moço pálido questiona ao seu amigo. Descansam o corpo em um dos bancos.

— A partir de amanhã, você quer dizer, né?

— Você entendeu!

— Eu ainda não sei... — Respira fundo, voltando o olhar às nuvens vagantes. Desde criança, nunca faz parte de seus planos viver um dia a mais. Jamais planeja um futuro, pois a morte é a única coisa que não conseguiria cronometrar.

Ouvem um sino irritante que ecoa por toda a instituição.

— Acho que hoje deveríamos tomar o café da manhã junto com os outros... — Mandy reivindica a atenção, sentada entre os dois, os quais a olham com curioso semblante. — É o último dia, não vai fazer mal quebrar a rotina.

— Não sei não...

— Eu aprovo. — Com um sorriso encorajador, Brian intervém na fala do Williams. — O que pode dar errado?

— Na nossa vida? Tudo. — Sua resposta desperta os sorrisos que surgem somente quando o trio se encontra unido.

— E então...?

Depois de o convencerem com insistência, trilham os corredores que levam ao refeitório. É perceptível que boa parte do colégio já havia despertado. Muitos dos discentes cursam o mesmo caminho que eles. A cada segundo, o ambiente repleto de mesas retangulares se mostra mais cheio, e a fila para buscar o desjejum cresce em consonância.

Enquanto repetem o habitual, os três jovens não recebem o olhar de ninguém. Nenhum dos que os rodeiam se atreve ao menos a notá-los. Como se fossem fantasmas invisíveis. Não reclamam. Tal fato está longe de incomodá-los, na realidade, preferem deste jeito.

Escolhem apenas os alimentos que lhes aparentam serem os mais saudáveis para pousar na bandeja que carregam até uma das mesas ainda vazias. Assim que tomam seus inéditos lugares ali, quase toda a atenção se volta magicamente no sentido deles. Não são mais fantasmas, entretanto são observados como assombrações.

— Alguém mais acabou de se arrepender por estar aqui? — Howard cochicha com um falso humor, transitando seus orbes escuros pelas faces que não escondem a estranheza misturada com receio.

— Não vejo problema em estarem nos olhando, o que é bonito é para ser apreciado — contrapõe o rapaz com sobrepeso. Finge não perceber que muitos os encaram degustando os carboidratos dos alimentos.

— No julgamento deles, não somos obras de arte em exposição, nos veem como animais num zoológico. — Focando totalmente em seu café da manhã, a senhorita comenta.

— Em poucos segundos, eles irão tirar os olhos de nós... — O adolescente bem maquiado enuncia o que os outros não entendem a priori.

Os alunos do colégio particular se autodividem entre os grupos que lhes parecem convidativos, sendo chamados de Repúblicas. As mais acolhedoras dessas são: Brilhe e Olímpicos. A primeira é a mistura de todos os estudantes que praticam alguma arte, seja música, teatro, dança, entre outras... Olímpicos junta todos os esportistas da escola.

Howard um dia já quis entrar para os Einsteins, o grupo com os educandos mais inteligentes, porém sua personalidade antissocial não o permitiu fazer mais amigos.

Os três adolescentes decidiram que não precisavam entrar em nenhuma República, pois tinham uns aos outros. Em uma de suas ácidas conversas aleatórias, apelidaram cada uma delas. Chamaram os Brilhe de Artistas Desocupados. Titularam os Olímpicos como Medalhas de Papelão. Professores Desempregados foi como nomearam os Einsteins...

A previsão cronometrada do Williams se mostra verdadeira quando a atenção se direciona ao barulho feito por aqueles que se aproximam em um grande grupo. São as duas Repúblicas mais reconhecidas e almejadas. Bersekers é formado pelo time de futebol da escola, o qual carrega o mesmo nome, todavia os três amigos os chamam de Músculos Ambulantes. Patroas nomeia o grupo de líderes de torcida, as quais são chamadas de Loiras pelo trio, mesmo havendo algumas poucas que não possuem tal tom de cabelo.

“Ah! Eu poderia me afogar naqueles olhos azuis... Olhar para eles e não poder demonstrar afeto por quem os possui é igualmente sufocante.”

O sorriso cristalino da capitã das Patroas é encantador, seus cabelos loiros lembram ouro, seu corpo esbelto é como o estereótipo de uma deusa, e os olhos azuis, uma joia rara. Ela caminha ao lado do capitão do time, o qual mostra o mesmo esplendor, ou ainda mais. Poderiam formar um casal incrível se não fossem irmãos.

— Último dia, galera! — grita um dos jogadores, e todos os presentes no refeitório fazem reverberar a animação que sentem. O mesmo rapaz com topete escuro e uma imponente arrogância se direciona a mesa ocupada apenas por três alunos. — Acho que deixaram alguma tumba aberta.

Sua fala direcionada ao trio faz muitos rirem, e as vítimas apenas baixam a cabeça.

— Josh, Josh! — O que intervém nas risadas é o capitão dos Bersekers, o qual se aproxima junto de mais integrantes de sua República. — O que tá fazendo, imbecil?

— Estes três tomaram nossos lugares. E o gordo ocupou quase toda a mesa. — Cada riso que se inicia começa a causar tremores no Brian Lewis, sendo obrigado a retirar alguns doces de seu bolso e comer com intuito de aliviar a tensão.

— Podemos, muito bem, achar outra mesa para nós. — O loiro contrapõe, buscando não olhar em direção aos ainda sentados.

— Mas esta mesa é nossa!

— A mesa pertence à escola, ela é de todos os alunos. — Quem retruca é a dona das íris anis que se aproxima com as líderes de torcida. Skya Golding é o nome da comandante das Loiras, a qual traz consigo duas bandejas. Ela entrega uma ao irmão agradecido.

— Vão mesmo deixar estes esquisitos ficarem com nosso lugar? — Josh Gray ignora o fato de sua namorada lhe direcionar o desjejum que havia trazido para ele.

— Eles não costumam comer no refeitório, por isso não sabem que costumamos sentar aqui...

— Então que voltem pra tumba de onde saíram! — A exclamação interrompe a senhorita. — Não quero pegar algum vírus e, sei lá, perder todo meu cabelo.

 Aquilo se projeta de maneira tão afiada que Mandy prende suas unhas nos próprios joelhos para substituir a dor. O moço com cabelo preto próximo aos ombros ergue sua visão até aquele que os incomoda, sua face apresenta descrença e raiva. Se Howard não calculasse as consequências, poderia já estar partindo violentamente contra o jogador.

No entanto, antes que pense em fazer algo, quem toma os próximos movimentos são os irmãos Golding. Stephan senta ao lado de Brian, e Skya se acomoda perto da Morrissette. Uma onda de surpresa choca a todos que observam.

— O que eles têm não é contagioso, mas talvez sua burrice seja. — A moça declara ao envolver o pescoço da outra por trás com seu braço.

— O que deu em vocês, hoje? — Josh questiona realmente surpreso. — Por que estão agindo assim?

“Ok, Diário, entendo que estes dois são conhecidos por serem lindos e acolhedores, mas nunca os vi mostrar tamanha persistência e ainda ir contra um dos seus com tanto fervor. Sinceramente, será que não possuem nenhum defeito?”

— Estamos ótimos, meu amigo. — O capitão requisita a palavra dando atenção à sua comida. — Vão se juntar a nós ou não?

— Não! — Quem responde é o Howard Williams levantando de súbito. O susto aparenta quase fazer o coração de seus amigos parar, igualmente como cessaram algumas respirações. — Agradeço a hospitalidade, mas já terminamos... Vamos, gente!

Somente com a exclamação, seus colegas despertam do que pareceu um delírio compartilhado que foi a fala do adolescente. Desta forma, os dois levantam também, deixando suas bandejas ali mesmo.

— Muito bem, escutem a intuição feminina. — Josh direciona sua zombaria ao jovem maquiado. Os que assistem nem mais expressam nada além dos cochichos poluindo sonoramente o refeitório.

Não há mais o que discutir. Saem dali com a cabeça baixa e fingem não perceber os olhares os seguindo até a saída.

“O que pode dar errado?” Você disse... — Howard é o primeiro a se pronunciar enquanto caminham de volta ao dormitório.

— Roubando sua mania de cronometrar, acho que será mais um mês de terapia pra conta. — Mandy esconde as unhas cruzando os braços.

— Fala sério! Os irmãos Golding sentaram com a gente, a própria Skya te abraçou! — Brian furta as lamúrias de seus pensamentos usando um sarcástico humor. — Foi uma experiência única e incrív...

— Traumatizante! — Os outros dois o interrompem em uníssono. Poderiam rir de muitas situações ruins em suas vidas, entretanto aquela ainda não é um destes casos.

Poucos minutos mais tarde, outro badalar frenético anuncia o início da primeira aula. O trio já havia pegado os materiais em seus armários, então caminham em direção à mesma sala.

Na cabeça dramática do jovem Howard, ele analisa o nível de testosterona e progesterona em tão alto que, a qualquer momento, pode morrer asfixiado naquele corredor cheio de adolescentes.

Fingem não notar, por onde quer que passem, todos lhes dando espaço a fim de não haver nenhum contato físico. Estão acostumados a serem tratados como se possuíssem algum vírus mortal que transforma as pessoas em zumbis e pode contagiar com o mero toque.

“Não é tão ruim quanto pode parecer... Isso, com certeza, foi o que me livrou das surras levadas por muitos outros, os que não tiveram tanta sorte assim.”

Morrissette, Williams e Lewis sentam respectivamente em uma única fileira de cadeiras, próximos a janela da sala de aula. O do meio ignora a presença do professor que lhe deu B- e mira seu olhar sorrateiramente nos orbes azuis da pessoa sentada não muito longe dele. Ali se encontra a terceira melhor coisa de sua vida. Quando os mesmos olhos o fitam também, ele desvia rapidamente o rosto. Observa, através da vidraça, as árvores sacolejando as folhagens tingidas pelo verão.

HW: Prezado ledor, talvez você tenha se perguntado: “Quando os três amigos brindaram, o que havia no copo do Howard?” Bem, o que tinha no meu copo era apenas água... A qual ingeri junto do comprimido que pus na boca.

Devo ter me esquecido de mencionar, todavia sou eu o narrador desta história, assim como sou uma das milhares de pessoas no mundo que convivem com HIV e, acima de tudo isto, sou o terceiro membro da República mais abominada da minha escola: Os Zumbis.

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