31/10/2014 - 00:00
Uma lenda, uma história, um desfecho inesperado..
Dukian os levou até a clareira no meio da floresta, onde ficava a estátua do Sacerdote. A moradia do velho ficava abaixo de um túmulo, escondida no subterrâneo. Desceram a escada em espiral. Somente o som de seus passos nos degraus de pedra. Os três sabiam o que encontrariam. Os três sabiam o que os aguardava. Ninguém ousou falar quando fitaram o corpo do Sacerdote estendido sobre uma tábua de mármore. Deitado, sobre uma mesa encostada na parede de pedra.
Dukian conhecia a fama do Sacerdote Lafrève. A história do homem rodou os oceanos.
Um padre francês, praticamente nascido na igreja, aclamado por sua pureza e bondade, era o primeiro a ser chamado sempre que precisavam de um exorcista. Até o dia em que o encontraram possuído, e ele foi excomungado, expulso da igreja.
As histórias cresceram, ganharam força. Uma das lendas dizia, que o homem era tão bom no que fazia, que exorcizou a si próprio em seu quarto. Pois ninguém mais conseguiu expurgar a presença de dentro dele, naquela noite de Halloween.
Mas isso havia acontecido muitos e muitos anos atrás. Dukian talvez fosse um bebê na epóca. E agora, ali estava o homem.
Sozinho, sem vida, deitado inerte com sua batina de padre, sobre a tábua de mármore da mesa.
Uma das histórias a respeito do Sacerdote Lafrève, contava que o homem, escolheu viver recluso, para proteger as pessoas dos demônios dentro de si. Alguns diziam que Lafrève, para exorcizar os fiéis, os acolhia para sua própria alma.
Verdade ou não, Dukian precisava dele. Seu irmão, mais do que nunca, Lucian precisava de ajuda. E Hannah corria perigo. Mas o Sacerdote, obviamente, não poderia fazer nada.
Chegaram tarde.
Dukian olhou seu irmão. Lucian apertava a própria cabeça entre as mãos, encolhido aos pés da escada. Dukian buscou uma saída, alguma salvação dentro daquele recinto circular de pedra. O lar do Sacerdote. Não havia nada ali, além de uma lareira, um sofá e uma mesa.
Hannah afagava os ombros de Lucian. Dukian viu que ele tremia. Suava. Espasmos convulsionados fizeram o corpo dele cair no chão.
Dukian se aproximou do irmão. As pernas e os braços dele se agitavam. Hannah gritava deseperada. O segurava pelo rosto, dizia palavras de conforto, mas Dukian sabia. A hora havia chegado. Era tarde e eles não podiam continuar ali. Ele sabia que Hannah relutaria. Sabia que ela não compreenderia o quanto a escolha, doeria nele próprio.
Hannah soava cada vez mais estridente, ajoelhada ao lado de Lucian que tremia de um jeito grotesco:
- Lucian, por favor Lucian! Volte! Eu estou aqui! Ouça minha voz Lucian! Volte! Volte!
- Hannah, precisamos ir embora – Dukian não acreditou no que ele mesmo dizia.
- Não! Seu monstro! Ele é seu irmão! Precisamos ajudá-lo, tem que haver alguma saída! Tem que haver uma maneira de trazê-lo de volta!
- Os olhos dele Hannah, estão consumidos pelo fogo, veja.
Hannah cobriu a boca e fitou Dukian. O peito dela subia e descia com a respiração acelerada.
- Que horas são Dukian?
- Cinco para a meia noite.
Hannah deixou-se cair ao lado de Lucian e deitou a cabeça no corpo dele que tremia incessantemente.
Dukian estava sem forças. Seus braços tentaram puxá-la escada acima, mas falharam. Ele não podia abandonar o irmão.
- Precisamos ir Hannah – insistiu sem nenhuma convicção. – O fantasma profano vai chegar.
- Não posso sair daqui, Dukian. Não podemos deixá-lo assim.
Dukian massageou a têmpora. Se Hannah era mesmo a Genuína, talvez aquele fosse o momento em que ela mostraria seus poderes. Talvez o desespero, trouxesse à tona uma das primeiras potências. Talvez Hannah, pudesse salvá-los.
O relógio do Sacerdote Lafréve sob a lareira, reverberou pelo pequeno espaço circular. E soou a primeira badalada da meia noite.
Dukian pesou a sua decisão. Em onze badaladas, tudo se perderia eternamente. Se ficasse, se arriscasse, talvez nenhum deles jamais fosse encontrado. E Hannah era inocente. Lucian iria querer salvá-la.
O relógio badalou pela segunda vez. O corpo de Lucian começava a ser consumido pelo fogo. Dukian viu as chamas circularem em torno da pele do irmão. A primeira sombra do fantasma profano surgia por trás do fogo. Dessa vez, ainda mais forte do que viu no ritual quando estava no terraço da mansão.
Hannah recuou e Dukian passou os braços em volta dela.
Ouviu o terceiro badalar.
O príncipe. Ele estava chegando. Acássia e o coven deviam estar por perto. A presença do fantasma profano fez suas pernas vacilarem. A obscuridade dos pensamentos dele já lutavam para se apoderar não só de Lucian, mas de dominar, cada um ali presente. A imundície daquele ser, se colava a sua pele como partículas de suor em uma noite quente. Dukian tinha medo do que o príncipe seria capaz se chegasse na Terra.
Hannah cobriu os ouvidos.
Lucian gritou em agonia. Seu gemido feriu cada partícula de Dukian. Ver ser irmão sofrendo, foi uma visão que o atormentaria pela eternidade.
O relógio badalou pela quarta vez. Hannah tremia ao seu lado. Esticava os braços para Lucian como se ele pudesse ouvi-la:
- Lucian, volte! Volte!
Dukian varreu o ambiente circular com os olhos. Sofá, mesa, lareira. Sofá, mesa, lareira. Até um livro aberto sobre um pedestal de madeira, abaixo da cruz na parede de pedra, prender sua atenção.
Se aquilo fosse mesmo um Rituale Romanum, talvez ele conseguisse salvar seu irmão.
Escutou o quinto badalar do relógio e se transportou para o lado oposto do corpo do Sacerdote. A angústia fazia o sangue martelar forte em sua têmpora.
Dukian segurou o livro litúrgico, ali, ele encontraria todos os rituais normalmente administrados por um padre, incluindo o único ritual formal para exorcismo sancionado pela Igreja. E somente ele, poderia se aproximar de Lucian o suficiente, sem se queimar.
Desesperou-se ao escutar o sexto badalar. Seus olhos e dedos devoravam as páginas, mas Dukian não localizava a resposta que necessitava.
Girou a cabeça e arriscou espiar por sobre os ombros. Mal pôde enxegar Lucian. O recinto de pedras cinzas, tornava-se vermelho. As sombras aumentavam por trás das chamas e Hannah, estava perigosamente perto.
Dukian colocou o livro debaixo do braço, foi até ela, e se espantou.
Hannah murmurava palavras desconexas com os olhos revirados. Tinha as duas mãos erguidas à frente. E se a esperança, não o estivesse fazendo ver coisas, as sombras pareciam estar se afastando.
Suspirou ao notar que ela manifestava a primeira potência da Genuína. Descendum. O poder de enviar de volta os espíritos poluídos, ao seu lugar no submundo.
O sétimo badalar reverberou. As chamas voltaram a crescer em volta de Lucian. A sombra ganhou forma.
- Hannah! Não vai dar tempo! Vamos!
Dukian a puxou, ela não se moveu. Manteve os braços esticados, as mãos espalmadas e murmurou mais alto. Uma chama atingiu as pernas de Hannah, o fogo chamuscou a barra do tecido e ela continuou parada.
Oitava badalar do relógio. Dukian jogou o livro no chão, tirou a camisa e usou o tecido para abafar o fogo no vestido de Hannah. No tato, sentiu uma espécie de bolsa de couro. Ele ergueu a barra do vestido e viu a adaga. Reconheceu o objeto. A adaga abençoada. O mesmo objeto que buscou por anos, que tantas vezes quis usar em si mesmo. Respirou com força. Não sabia mais o que fazer.
Escutou o nono badalar e puxou a cinta de couro das pernas de Hannah. Segurou a adaga. Se não conseguiria salvar seu irmão, ao menos o salvaria daquela tormenta. O libertaria para sempre da maldição. Não o deixaria ser o portador da parte dois do ritual, o portador da desesperança.
Décimo badalar. Dukian se aproximou do fogo em volta do irmão e ergueu a adaga acima da cabeça. Contou até três.
- Um. Dois. Três.
Suas mãos desceram, intencionadas a perfurar o peito de seu irmão se retorcendo no chão. A lâmina encostou na pele e algo o puxou com uma força descomunal para trás.
Dukian bateu com as costas na parede e caiu sentado dentro da lareira. Quando sua vista ganhou foco novamente, sua voz se perdeu na descrença.
No entanto, não havia dúvida. A expressão séria. Os cabelos e o bigode pretos. A cruz de madeira no pescoço. A batina preta até os pés vestindo sandálias trançadas...
O Sacerdote Lefrève, estava vivo.
Dukian ouviu o décimo primeiro badalar do relógio.
_____________________________________________________________________________
Olááá, que momento tenso, não? =O
Não esqueçam de votar e comentar!
bjossss
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top