5. Um telhado
Escorada no parapeito do telhado, Isabela apreciava os navios serem levados pelas águas turvas do rio. Vince, por outro lado, não conseguia desviar o olhar do rosto dela.
Sua mente o indagava sem compreensão do porquê aquela talentosa cantora quisera passar um tempo com ele. Como Isabela podia emanar tanta tranquilidade diante de alguém com segredos horripilantes como ele?
— Aqui é mesmo lindo! — Ela lançou-lhe um sorriso agradecido.
Vince quis ter algo especial como resposta. Algo poético e romântico, ou apenas algo que fizesse outros assuntos se desenrolarem. Contudo, a luta travada dentro dele entre o jovem esperançoso e o monstro fugitivo, o deixara sem ideias.
O silêncio da noite foi substituído por um cantarolar baixo. Isabela movimentava as mãos acompanhando o balançar da água como um maestro regendo uma sinfonia, enquanto a melodia era carregada pelo vento.
Contemplativo, Vince sorriu ao fechar os olhos. Sentia cada nota musical murmurada atravessá-lo como um arrepio.
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Quando anoiteceu
Acreditei que não veria mais
Nenhum luar
Nem o sol se levantar enfim...
Naquele telhado, sem sons intrometidos de bebuns, a canção Vagalume, de Pato Fu, sussurrada a cappella, apresentava o ritmo certo para que a voz de Isabela ganhasse um aspecto quase sobrenatural.
— Vejo que gosta dessa música. — Isabela interrompeu a canção. Confuso, ele abriu os olhos, ela sorria de modo gentil.
— Qualquer música em sua voz fica perfeita. — Constrangido, ele desviou o olhar daqueles olhos caramelos.
— Gosto dessa música. — Ela sorriu animada, ignorando o elogio. — O porto ao longe me lembra de um tempo onde tudo era calmo, e acho que essa música me remete a mesma coisa.
Demonstrando que não desejava explicar quais coisas do passado ela se referia, Isabela se concentrou nos navios ao longe.
— Por que canta naquele bar? — Vince soltou sem pensar. — Você é talentosa, poderia cantar em qualquer lugar.
— O importante é cantar. Onde canto tanto faz. Bares podem não ser glamorosos, mas pagam minhas contas. — Ela deu de ombros novamente, e sorriu ao dar um peteleco no parapeito para afastar um inseto que ali pousou. — E você? Não parece o típico frequentador de bares. O que te faz ir lá?
— O show. — A resposta sincera escapuliu, mas ele não desviou o olhar desta vez, recuperara um pouco da confiança do Vince paquerador adolescente sem noção de anos atrás.
Ela apenas acenou e voltou-se para os enormes navios.
Uma pitada de frustração passou por Vince. Esperava causar uma boa impressão com a confidência, mas era provável que Isabela ouvisse elogios sobre seu talento com frequência e isso não a impressionasse. Ela conhecia seu dom.
— Se meu show alivia seu coração, eu me sinto lisonjeada. — Por fim, ela quebrou o constrangimento anterior e fixou o olhar no dele.
Surpreso com a fala dela, ele entregou-se ao momento. Isabela estava ao alcance de suas mãos. Movido pelo desejo, ele pegou uma das mechas roxas. Ela desviou o olhar, e ele voltou a se afastar colocando as mãos nos bolsos e fingiu interesse pelo horizonte. Ele devia parar de se enganar.
— Obrigada, Vince. Você fez minha noite perfeita — ela disse. E o surpreendeu ao dar-lhe um rápido beijo na bochecha. Antes que ele pudesse responder, a cantora correu até a escada de saída. — Você me mostrou seu lugar preferido. Me pegue lá em casa, às quatorze horas, amanhã. Será a minha vez de te mostrar o meu. — Acenou e desapareceu escada abaixo.
Vince sorriu bobo ao apoiar os braços no parapeito do telhado. Sabia que não deveria aceitar o novo encontro, pois revê-la só aumentaria o sofrimento quando precisasse ir embora. O problema era que a vontade da companhia de Isabela era maior do que o medo das consequências.
Fazia algum tempo que conseguia ser bem-sucedido em manter seus carrascos longes. Talvez ele pudesse permanecer ali mais alguns dias sem levantar suspeitas. O quanto se enganava? Homens o rastreavam em busca de vingança. Tapou o rosto com as mãos, sabia o quão necessário era partir.
— Mais um dia! — gritou para a sua consciência com teimosia. — Apenas mais um dia.
Daria a seu coração um último presente, um último encontro. Depois retomaria a vida de fugitivo, o castigo merecido pelo que ele fizera. As estrelas cintilavam majestosas no céu límpido em conjunto com a lua crescente. Ele sorriu, iria se permitir ser feliz ao menos um dia.
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Abraços, S. G. Conzatti
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