31 - Voltando no tempo

Fechei os olhos, tentando me concentrar no que acontecera no dia anterior. Então voltei no tempo em minha cabeça. 

Summer retirou meu gorro quando o sol voltou a nos agraciar. Seu cabelo voou com o vento e seu sorriso brilhou com os raios solares. O tom de seu cabelo modificou pela incidência da luz, adquirindo um tom nunca visto por mim antes. O sorriso no rosto dela era mais do que iluminado pelo sou, ele parecia o sol. Ela deu uma voltinha com minha jaqueta, parecendo animada com tudo ao seu redor. Posso ser o único com TDA por aqui, mas ela não parecia muito diferente de mim naquele momento. Ela retirou minha jaqueta, dando-me para eu amarrar na cintura. Ela usava um vestido azul, bem verão. 

Começamos a andar.


***


Summer sorriu ao pisar sobre aquela terra arenosa e com pedras. Eu não sabia em qual praia estávamos, nem podia estimar quanto tempo ficamos andando pelas extensas ruas de Vancouver. Apenas posso dizer que andei muito. Parece que ela não tem uma noção muito boa de tempo e espaço, ou simplesmente não se cansa rápido. Fiquei com um pouco de caimbra, mas ainda assim não tive do que reclamar. A vista era reconfortante e transpirava bons momentos. Talvez seja pela trilha sonora insistente do momento, já que Summer insistia em cantarolar a mesma música. E ela me fez ver um mundo onde fogo e gelo colidem, como na canção. Vancouver é um lugar assim. Com montanhas que apresentam neve em seu topo e praias agraciadas pelo sol, mesmo que sem aquele calor intenso da Austrália. Acho mais gostoso até.

Imagino como deve ser difícil viver em um lugar com tudo: cidade grande, praias, montanhas, cenário selvagem... Sim, estou carregando o tom de ironia nesse ponto em particular.

O sol estava quase se pondo, fator não responsável por arruinar minha visita. Summer puxava minha mão pela extensão da praia, sem dar grandes explicações sobre o local escolhido para me estatizar. Seria bom ficar estático, ainda mais com as pernas bambeando. Precisava de um descanso físico, o qual veio logo quando a vancouverite me fez sentar no chão, o corpo direcionado ao horizonte. Ela não disse nada, apenas apontou em determinada direção.

Tudo que eu via era a linha tênue e marcada entre o mar e o infinito, marcado pelo horizonte.

Era um bom momento para refletir.

O sol se punha aos pouquinhos, o cabelo de Summer voava e fazia cócegas em meu pescoço. Vi-a se arrastar mais para frente, colocando seus delicados pés na areia. Nem a vira tirar os sapatos, pois estava hipnotizado pela exatidão da natureza. Tive a louca iniciativa de tirar meus próprios calçados para introduzir meus tortos dedos dos pés naquela água gélida e responsável por arrepiar a alma. Apesar de toda a beleza da cena, eu sentia que algo estava faltando. Olhei para a garota em meu lado, determinado a descobrir se ela sentia o mesmo, mas acabei sendo levado a outra direção. Ela não sentia nada faltando como pude perceber. Apenas olhava para mim com um sorriso adocicado, claramente tentando entender como eu me encaixava naquela situação. Bem, acho que demorou mais do que eu para descobrir a resposta.

A resposta era simples para quem pudesse ver a sentir a cena. Havia um céu ficando rosado. Um sol se despedindo no horizonte. Uma brisa gostosa de verão. Areia misturada com pedras. Uma garota com a personalidade toda refletida na paisagem. Um sorriso. Ou melhor, dois sorrisos. Era a cena mais perfeita no quesito imagem. Era a cena mais idealizada no quesito enredo. Era a cena mais real de minha vida até aquele ponto.

E pela primeira vez o silêncio não me incomodou.


***


Quando o sol finalmente nos abandonou, Summer se levantou e estendeu a mãozinha para que eu pegasse. Não hesitei, pois se sua intenção fosse me mostrar mais cenas como aquela, eu iria de olhos fechados, o que é raro considerando minha curiosidade e desconfiança.

— Acho que nossa aventura está nos devendo justamente isso, aventura. — Summer deu uma risada e me conduziu pela praia.

— E o que tivemos antes foi...? — Sabia bem a resposta para tal pergunta, mas não me atrevi a ser o primeiro a dizer.

— Descanso depois de uma caminhada e tanto. — Olhou-me com um desafio. Eu devia saber que ela diria algo mais leve do que de fato era. — Imagino que você deve estar cansado.

— Eu? — Ela só poderia estar tentando me zoar. — E você? Não está cansada não?

Ela fez que não com a cabeça e logo completou com palavras:

— Não me canso com facilidade.

— Falou a atleta. — Zombei com carinho. No fundo eu sabia que ela não se cansava mesmo, afinal tudo que fazemos envolve um pouco de esforço físico e nunca a vi reclamar.

— Não tenho nada de atleta, apenas gosto de andar.

— Certo. E qual a sua missão atual, garota que caminha?

— Fazer a primeira coisa que vier à sua cabeça.

Pisquei porque a frase me soou sugestiva demais. Por se tratar de Summer decidi que ela não tivera intenção de criar um segundo sentido, por isso ignorei qualquer ambiguidade e me pus a pensar no que poderíamos fazer em seguida. Não tive que pensar tanto quando esperava.

— Quero subir naquelas pedras. — Revelei meu desejo recém adquirido, esperando que ela não se negasse a realizá-lo.

— No escuro? — Ela pareceu insegura.

— Quer mais aventura que isso?

— Tudo bem. — Deu de ombros e caminhou até as enormes pedras que eu indicara. Estranhei sua rápida aceitação, mas não me atrevi a contestar. Eu queria muito chegar até a pedra mais alta que conseguíssemos. — Quer explorar a paisagem noturna somada com a altura?

— Só se você quiser.

— O que você está esperando? — Disse ela, logo escalando a primeira pedra no caminho. Fiz careta para ela e segui seus passos. — O que é isso? — Perguntou ao apontar para uma parte esverdeada da pedra.

— É limo, cuidado que isso é escorregadio! — Avisei, preocupado com um possível acidente que pudesse acabar com o passeio.

— Escorrega mesmo. — Comentou ao pisar sobre o limo, obviamente me contrariando. Isso não vai prestar!

No segundo seguinte a vi cair, em câmera lenta, fato que deixou tudo mais angustiante. Quando todo seu corpo estava sobre a rocha, Summer deu uma leve soluçada.

— Você está bem? — Perguntei, auxiliando para que ficasse em pé novamente. Ela fez que sim com a cabeça e olhou para seus joelhos, os quais estavam agora com arranhões e algumas gotas de sangue escorrendo. Summer deu uma risadinha e, após alguns segundos parada, voltou a andar, rumo à próxima pedra. — Você é diferente das garotas que conheço

— O que quer dizer com isso? — Sua voz soou estranha, como se odiasse ouvir frases assim.

— A maior parte delas teria feito um escândalo e pedido para voltar para casa, pois cair foi doloroso, além de muito constrangedor. Você me surpreendeu muito por simplesmente levantar e continuar.

Summer deu um daquele seus sorrisos característicos e continuou.

Foi então que eu percebi que era eu quem estava caindo por ela.

***

A próxima parada foi o metrô. Não tive coragem de deixar Summer seguir pelas pedras, pelo menos não por muito tempo. Estava morrendo de medo que ela caísse de novo e que acabássemos no hospital. Usei a noite como desculpa e ela não contestou. Pelo menos não muito. Já deve saber que Summer não é muito fácil de se manipular. Ou melhor, dobrar. Summer nunca seria manipulada.

Mas ela poderia ser conduzida. Principalmente tendo um sorriso no rosto. E que sorriso! Quando uma vontade súbita de dançar me atingiu... Bem, digamos apenas que eu não fui contra. Nem um pouco. Nem tive pensamentos negativos sobre isso, mesmo que odeie dançar. Talvez eu não viesse a odiar tanto o ato de dançar se continuasse andando com Summer.

Enlacei a cintura de Summer, no meio da plataforma do metrô. Poucas pessoas estavam por perto. A canadense arregalou os olhos, parecendo não associar como eu era capaz de ter pensamentos românticos e ações impulsivas. Provavelmente é porque eu fiz muita besteira com ela. Não fui o melhor de mim com ela, mas estava determinado a ser meu eu verdadeiro, se é que ele existe de fato.

Comecei a balançá-la sobre o piso plano do metrô. Seu corpo estava colado ao meu, sua respiração estava em sintonia com a minha, nossos pés estavam combinando os movimentos sem que tivéssemos que pensar duas vezes. Era como se estivéssemos em um daqueles musicais que eu tanto detestava, no qual as pessoas começam a dançar perfeitamente do nada, sem ensaios. E nós não tínhamos ensaiado. Não estava perfeito. Longe disso! Contudo, estava muito bonito. Pelo menos para mim, que estava vivendo aquilo. Meu coração de encheu de alegria ao ouvir a risada dela quando a girei. Ela nem contestou o fato de estarmos dançando sem música; provavelmente faria isso mais tarde. A falta de música não foi um problema. Ficamos com os olhos vidrados, como se nossas vidas dependessem daquela ligação visual. Havia um brilho em seu olhar. Havia um sorriso com dentes em meu rosto, uma raridade para meu ser. Estava com vontade de me aproximar mais, mergulhando meu rosto em seus longos cabelos escuros. Poderia deixar tudo ainda mais romântico. Poderia...

Não.

O metrô chegou.

***

Já estava tarde quando chegamos no apartamento de Summer. Eu já tinha dito para ela que só a deixaria e casa, como o homem educado que sou, e depois voltaria para o Hotel. Só que ela insistiu para que eu entrasse. Uma coisa foi levando a outra e acabamos deitados em seu sofá cama, assistindo Steven Universe. Eu insistira para assistirmos esse desenho maravilhoso porque queria saber quais as interpretações dela sobre as cenas. E antes que vocês pensem besteira, estávamos devidamente vestidos. Vestidos, conversando, assistindo ao seriado, rindo. Parecia que nos conhecíamos há anos, principalmente porque passamos a noite toda criando teorias sobre o desenho. Foi divertido, mas eu acabei me cansando em um determinado ponto. Summer falava comigo. É a última coisa de que me lembro. Provavelmente dormi no meio da conversa.

***

E foi isso que aconteceu, como pude me lembrar depois de muito tempo forçando minha cabeça. Nada de errado. Apenas dois amigos que acabaram dormindo juntos, no sentido literal da palavra e sem malícia, conduzidos pelo sono profundo. Então não havia problema nenhum em acordá-la com leves cutucões. Eu só não esperava que ela fosse tão encantadora e dengosa de manhã, mesmo com o cabelo todo bagunçado. Era a imagem perfeita da mulher real perfeita. Aquilo me tirou dos eixos, principalmente quando ela me deu um abraço preguiçoso e disse com a voz rouca:

— Bom dia, fofinho.

Meu coração deu um salto.

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