2 - Lembra como tudo aconteceu?
As luzes se apagaram. Pisquei, mesmo sabendo que não mudaria muita coisa. Estava um breu e tanto! Consegui ver pela janela uma tempestade que nunca imaginara para um dia quente de verão. Quente. Pelo menos deveria estar quente. Agora estava frio e eu dei graças aos céus por ser a pessoa mais friorenta da Austrália e por ter levado uma jaqueta. Provavelmente eu era também o cara mais friorento do Canadá. Parece que as coisas não mudam muito! Também estava sem paciência para arrumar o cabelo, então estava usando uma toca de lã. Sim, colocara uma toca de lã em um dia quente, mas agora era a única pessoa no restaurante preparada para o frio repentino. Bem feito para os outros!
Bem, de qualquer forma...
Bem, na verdade eu não sei exatamente o que dizer.
Talvez possa apenas dizer isso: A tempestade acabou com a luz de toda a área ao redor. Era quase como se toda a cor de um buraco negro tivesse tomado conta da minha noite estrelada. Se bem que não sei ao certo se havia alguma estrela no céu antes de começar a chover. Olhei para a janela, tentando enxergar o que fosse. Vento. Muito vento. Era só o que eu via. Até conseguia ver alguma fumacinha branca indicando frio, mas não sei se foi tudo fruto de minha mente criativa e repleta de déficit de atenção. Cores me chamam muito a atenção e acho que minha personalidade artística intensifica isso. Imagina colocar um desenho animado diante de meus olhos e conversar comigo ao mesmo tempo! Simplesmente não dá certo! Becky tentou isso e não deu muito certo. Ela queria conversar sobre qual a intensidade que eu conseguia perceber em seus personagens enquanto ela assistia Scooby-Doo e me ouvia. Para ela isso era muito normal, afinal, faz trezentas coisas ao mesmo tempo. Mas não era tão simples para mim. Então ela não ficou satisfeita com minha aparente falta de interesse e, bem, acho que sabem como reagiu. Creio que alguns de vocês a conhecem. Ela deve estar decepcionada comigo até hoje, pois não retomou o assunto. Talvez seja porque eu não achei um bom momento para contar sobre minhas limitações.
Minha atenção foi voltada para uma nova cor. A cor laranja avermelhada sendo quase confundida com a linha tênue azul. Os garçons tinham acabado de colocar uma vela em minha mesa. Ouvi um deles lamentar o imprevisto com a luz e apenas sorri, tentando ser educado. Continuei a encarar o fogo. As cores viviam perfeitamente juntas, o calor era extremamente convidativo. Não sei por quanto tempo fiquei fazendo isso, ou qual era a careta que tinha em meu rosto. Realmente não faço ideia. Só sei o que aconteceu depois. Senti uma mão em meu ombro e me virei, tentando não demonstrar quão assustado estava. Era a garota do vídeo.
— Você está bem, garoto? — Só conseguia ver parte do seu rosto, devido a pouca iluminação do ambiente recém atingido por uma catástrofe - pelo menos deve ser uma catástrofe para o dono do restaurante - e ainda assim posso afirmar que ela tinha um quê de preocupação. Fiz que sim com a cabeça, desejando que ela fosse embora naquele exato minuto. Eu estava pensando demais em Rebeca para conseguir sequer começar a falar com outra garota. Sempre haverá a comparação. — Tem medo de fogo? — Neguei e ela continuou ao meu lado. Por que não estava saindo de perto de mim? Eu sempre fui o esquisito da sala, o cara calado, que fala coisas fora de contexto só para informar coisas novas. Eu tinha boas intenções, mas ninguém compreendia de fato. Eu queria, pela primeira vez, que ela me considerasse esquisito. Queria um pouco de paz, apenas isso. Era a primeira noite em que podia de fato pensar no que sentia por Rebeca. Não podia ser interrompido. — Vou ficar aqui até que se sinta melhor, okay? — Sorriu e sentou ao meu lado, fazendo-me ficar simplesmente sem reação. — Melhor assim? — Não consegui responder e ela continuou, colocando sua mão novamente em meu ombro. — Qual seu nome?
— Digo se me contar qual o nome de seu canal. — Não sei de onde isso saiu, por isso me encolhi após dizer a frase.
— Você não sabe? — Mesmo com pouca luz, pude ver suas sobrancelhas se erguerem. Eu vejo isso como um sinal claro de confusão. Becky faz algo semelhante.
— Não. Deveria saber? — Perguntei e ela fez que sim com a cabeça. — Nossa, desculpa então, garota hollywoodiana. — Revirei os olhos da mesma forma que Becky fazia.
— Não chega a tanto. — Balançou a cabeça, como se estivesse deletando minha fala. Ao mesmo tempo, pude vê-la sorrir, o que era contrastante com sua reação anterior. Qual era a dela? — Não ria de mim, okay? — Fez beicinho e eu não entendi porque isso me fez ter vontade de rir. — Olá, Summer. — Murmurou e eu segurei, segurei, segurei bastante, mas não consegui. Juro que tentei, mas tive que rir. — Eu pedi para não rir! — Posso jurar que suas bochechas coraram, mesmo que não pudesse ver com a luz daquela única vela. Ela parece mais solitária que eu. A vela, não a garota. — Pensei que você não riria de mim.
— Desculpe! — Não parei de rir, mesmo que tivesse tentado. — É que esse é um nome estranho para um canal. Por que alguém diria olá para uma estação? É um canal sobre roupas de verão? Praia? Coisas para fazer em Vancouver durante a alta temporada? É para enaltecer a estação com vídeos cheios de cores quentes e pessoas bonitas? — Por que, em nome de da Vinci, eu estava tão tagarela? Só podia estar nervoso. Quando fico muito nervoso, falo sem parar. Era pelo escuro ou pela garota?
— Não é pela estação! Summer é um nome também! — Respondeu com seu sotaque canadense. Sou australiano, então não me pergunte como tenho certeza de que ela é do Canadá. Apenas sei disso. Agora, sobre a reação dela... Estava ofendida pelo que eu disse? E eu sou um completo imbecil. É claro que há o nome Summer. Dã. Por que você é tão tapado, Ethan? Não pode agir como uma pessoa normal que analisa todas as possíveis situações e não se deixa cair na tentação de dizer a primeira groselha que vem na cabeça? — E há uma ótima explicação para esse nome! Uma que seria até fácil de entender se você me deixasse dizer umas poucas frases, sabia? É uma questão de ouvir, entende? Não de sair falando tudo que vem em sua cabeça. — Por sua reação ficava claro que outras pessoas fizeram a mesma brincadeira. Parabéns, Ethan! Você acaba de entrar para o grupo de "como todo mundo". Feliz?
— É o seu nome? — Arrisquei, dessa vez controlando a risada. Fechei os olhos por alguns instantes, desejando poder sumir dali. Já estava pagando mico e só falara três vezes naquela estranha conversa. — Não sei! Não sou adivinha, sabe? E nem leio mentes! — Eu estava frustrado e me sentindo sob pressão. Odeio quando tenho que mostrar para as pessoas que não sou tão lerdo ou idiota como pensam! E, ao mesmo tempo, meu... O que eu estava pensando mesmo? Fugiu muito o pensamento... Voltando. A garota estava apenas tentando conversar normalmente, eu era o único a tornar tudo estranho. Seria mais fácil conversar com um cachorro. Digo, ela, não eu. Fiz careta para meu próprio pensamento. Não, isso ficou ambíguo! Quis dizer que era mais fácil ela conversar com um cachorro do que comigo, não o contrário. Imagine a tragédia que seria se eu tivesse falado isso em voz alta? Já teria espantado a menina de vez.
E enquanto eu pensava, ela falava:
— Sim, mas não é esse o motivo! Há muito mais. Tem toda uma história importante e... — Ela suspirou e balançou as mãos, quase batendo na vela ao centro de mesa. Em seguida ficou parada como pedra, com as mãos no colo. — Não importa. — Levantou-se e posicionou a cadeira em que sentara da maneira que estava antes de ocupá-la. — Estou apenas lhe incomodando e você não pode negar, suas reações demonstram isso. Desculpe-me. — Virou-se para se afastar de mim, mas antes que sumisse de minha vista, pude ouvi-la dizer: — Eu não sei porque ainda faço isso. As pessoas odeiam que estranhos perguntem se está bem. — Foi uma frase dita em um tom extremamente baixo, mas suficiente para me fazer sentir a coisa mais estranha que já sentira: Culpa.
Fiquei encarando a direção em que Summer sumira, mas só conseguia ver pontinhos luminosos de velas em outros cantos do restaurante. Agora eu estava sozinho, mas não me sentia mais confortável. Summer só estava tentando me ajudar. Por que eu tinha que ser tão Neandertal? Você não está mais com o pessoal da faculdade, Pearce. A garota não era obrigada a saber sobre sua falta de habilidade para conversação! Ou sobre sua mania de reagir demais a seus próprios pensamentos! Você tinha que se esforçar um pouco! Sério, cara! Eu só tinha que ter uma conversa educada com Summer. Como uma pessoa normal! Por que minha mãe tinha que estar tão certa ao dizer constantemente que não sou como os outros?
Tentei encontrar Summer novamente, mas a quase completa ausência de cores me impedia. Ela estava na mesa ao meu lado, como eu não conseguia mais vê-la? Espera! Não estou olhando para a direção em que ela estava sentada! Mas eu sou tapado, hein? Estralei os dedos e virei para a direção correta. Sim, eu realmente conseguia ver a mesa, como tinha imaginado. Só que eu não estava olhando para a direção errada à toa. Summer não estava mais sentada no mesmo lugar que antes, muito menos seus amigos. Ela seguiu realmente em outra direção. Ótimo, cheguei em Vancouver sendo babaca com uma garota. Levantei decidido a pelo menos pedir desculpas antes de comer.
Fui andando entre as mesas até encontrar uma cabeleira levemente avermelhada. Eu não sei o que me levou a fazer o que fiz, apenas não consegui controlar. Talvez seja porque parecia certo.
— Olá, Summer! — Sentei-me na cadeira ao seu lado e sorri. — Posso jantar com você como um pedido de desculpas por ser um Neandertal?
Ela sorriu.
As luzes do restaurante acenderam.
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