7 - Reforços.

Mais um ano se passou, e a vila sob o Hostenoist foi cercada por duas gigantescas hordas demoníacas. A batalha ia mal. Öfinnel temia pelo pior. A cena da derrota que sofreram em Umm retornou à sua mente. Temia por todo seu povo. Temia por Devian e também por Eliarta. Ficaria segura no templo?

Ele havia sonhado com um novo ataque. O exército estava prevenido e foram estabelecidas fortes linhas de defesa. As esperanças já se esvaiam quando luzes e estrondos soaram no céu. Uma tropa alada de elfos chegou bem em tempo de salvá-los. Dentre estes, seu amigo Raastad e centenas de poderosos feiticeiros.

Por terra, também veio um exército com o contingente aproximado de dez mil elfos. Aquele foi chamado de Exército da Primeira Aliança. As hordas se acovardaram e se retiraram.

Öfinnel suspirou aliviado e foi cumprimentar seus salvadores. Izguaziir estava entre estes e quando Öfinnel o viu abraçar e beijar Eliarta, seu sangue ferveu. Não era hora de demonstrar maus sentimentos, no entanto. Ao mesmo tempo, se aproximou seu velho amigo, Raasatad.

- Rei Öfinnel, que prazer revê-lo!

Ele forçou os ciúmes para longe, fazendo-os evaporar. Então sorriu para Raastad. - Igualmente, meu caro!

Então foram comer e beber juntos, colocando assuntos em dia. Em dado momento, o holmös indagou - E quanto a Izguaziir?

- Acho que terá de agradecê-lo pessoalmente, majestade. Acredito que não estaríamos aqui não fosse pela insistência do rapaz. Ele o admira com fervor, foi sua fé constante que me fez levar adiante o assunto delicado junto aos imperadores.

- Acho realmente confuso o conceito do governo de vocês. Três imperadores? Um apenas não seria melhor?

- Em alguns momentos, penso que sim, mas muito poder nas mãos de apenas um indivíduo, pode ser perigoso, mesmo quando é bem intencionado.

- Ou mal, como Merrin.

- De certo.

- A política é bem complicada por causa disso. Pode ter certeza. Izguaziir teve muita coragem de erguer a voz e discordar dos imperadores numa audiência pública. Normalmente, tendemos a concordar, ou apenas sugerir, seguimos certo protocolo. Já percebi que se os confrontássemos mais, daríamos a eles mais elementos para refletir.

- Faz sentido.

- Nell Devarsh e Tell Mozeth foram contra a formação de uma aliança oficial com os humanos. Mas o voto à favor, do imperador Bzir Naldiir, foi suficiente para mobilizar tropas de meu reino, Falíssiria.

- Mas porque ser contra uma aliança? Em tempos tão difíceis...

- Concordo, meu amigo, mas ainda são muitos entre nós que guardam fortes ressentimentos em relação à guerra contra a humanidade.

- Humanidade que nada. A guerra foi contra os vetmös, você sabe disso.

- Ah sim, mas a grande maioria dos elfos não faz distinção entre os humanos: vetmös do norte ou os hölmos de Vellistrë, ou qualquer outra estirpe. São todos vistos como: egoístas, irresponsáveis e gananciosos.

- Isso é uma pena.

- Sim, especialmente por que o cerco contra nossos reinos é terrível. Os demônios estão atacando com mais força lá do que em suas terras.

- Ainda assim, conseguiram trazer tantos?

- Novas políticas estão suprindo a demanda por soldados. Quase toda população agora é forçada a alistar-se nos exércitos, até os bem jovens. Mas o pior foi a lei de natalidade.

- Lei de quê?

- Procriação forçada. Nós demoramos a ter filhos. Muitas vezes, menos que um por século, mas agora, as nossas estão engravidando sem parar. Alguns acreditam que isto poderá nos salvar da extinção.

O rei não soube o que dizer, mas arriscou uma piada. - Bem, ao menos vocês estão se divertindo mais, não é?

Raastad falhou em aceitar aquele tipo de humor - Com licença, majestade. Hoje foi um longo dia. E amanhã, quero que conheça Midrakus.

Öfinnel havia escutado aquele nome. Sim, o arquimago de Trinidacs. Achava que estivesse morto. Nenhum emissário enviado à cidadela havia retornado. Até onde sabia, a joia do planalto havia sido destruída. Ele ia perguntar a este respeito, mas antes de ter a chance, Raastad já havia saído de sua barraca. Öfinnel ficou sozinho e começou a remoer os pensamentos. Izaguaziir e Eliarta estariam juntos?

Junto às tropas élficas, vieram alguns feiticeiros e templários, em especial do templo de Noosar, especializado em portais e comunicações. Estes iniciaram um plano desesperado para obter reforços contra as hordas, que ano após ano, estavam fortalecidas.

Recebiam orientações do arquimago, Midrakus. Era um sujeito alto, misterioso e tinha uma aparência que lembrava um elfo, de orelhas alongadas, mas havia algo nele diferente. Algo de inumano e inélfico. Era o dia seguinte após a batalhas, mas eles já estavam escavando o monte Hostenoist. Ao mesmo tempo, construíam barreiras contra as erupções. Não havia tempo a perder.

Öfinnel foi levado até o local e Raastad o apresentou ao arquimago. Houve oportunidade para escutar um pouco da discussão entre os magos que recebiam as instruções.

- Então o plano de vocês é usar o poder das torres lunares para buscar ajuda em outros mundos?

- Compreendeu bem, Öfinnel Prístimos. Teremos que recorrer aos mesmos métodos usados pelos sacerdotes de Triox-lón. Visto que a torre dos vetmös já rompeu as barreiras dimensionais, apesar dos altos riscos, vem a oportunidade para seguirmos curso semelhante.

- Valerá tal esforço? Em cem anos poderemos estar todos mortos. - Öfinnel referia-se ao tempo que levaria para que os anões de Àstrades viajassem entre os planos.

- Este conflito ainda irá muito mais longe, rei de Vellistrë.

- E quanto a Deusa? Quanto tempo até que ela retorne?

- Esta guerra já dura setenta anos. Foi logo em seu início que as mensagens foram enviadas através do portal para Brás-Niairia, em Fandall. Desde então, temos mensagens de apoio, mas o aporte físico leva mais tempo.

- Não compreendo. Diz que podem conversar entre os planos com velocidade, mas para enviar reforços, o tempo varia. Dias, meses ou séculos?

- O tempo de viagem de Fandall até o orbe de Nove Luas é de setenta anos, rei dos homens. Ou seja, o tempo de seu retorno é eminente.

- Mas o viajante não envelhece? Como pode ser?

- Gostaria de ter o tempo de lhe instruir, mas o melhor jeito é apenas aceitar tais fatos como mistérios da magia extra-planar.

Öfinnel deu uma risada sarcástica. - Muito bem então.

O rei sentiu que eles tinham muito trabalho a fazer e que ele estava ali apenas atrapalhando. Saiu da caverna e pouco depois encontrou-se com Izguaziir na vila.

- Rei Öfinnel! - ele tinha um sorriso estampado no rosto. O rei pressionou os lábios. Ele havia traído o rapaz...

- Izguaziir. Devo agradecê-lo! Raastad contou-me sobre seu empenho.

- O general Raastad é bondoso demais, isto sim. Eu apenas insisti para que ele enviasse algum auxílio, mas foi ele quem fez todo o trabalho de verdade.

- Ainda assim, obrigado! - cumprimentou-o com um aperto de mãos bastante firme.

- Eliarta me falou muito de você, disse que ficaram muito amigos.

Öfinnel coçou a barba - Ah, sim, é verdade. Ela sempre tem palavras de consolo nestes tempos tão difíceis.

- Não se preocupe, agora que a aliança está começando, temos tudo para expulsar os demônios de uma vez por todas!

- Queria ter seu entusiasmo, meu rapaz, como eu queria!

Então Eliarta surgiu envolvendo o elfo num abraço. Ela o beijou e olhou o rei nos olhos por um instante. No último ano, o rei sempre se aproximava dela, ficavam juntos, mas depois, a repelia. Dizia que não podiam ser vistos juntos. Que sempre teriam de se encontrar às escondidas. Eliarta queria convencê-lo do contrário, mas sempre que tentava, ele ficava irado e se afastava por um tempo, até seu desejo trazê-lo de volta.

"Ela está se vingando. Me mostrando que eu errei. Que deveria ter assumido o relacionamento". Öfinnel pensou sentindo uma revolta interna.

- Com licença, tenho assuntos... - sequer conseguiu terminar de dizer o que queria e saiu em passos rápidos, remoendo-se de ciúmes.

Eliarta sorriu. Era divertido vê-lo assim.

- O que deu nele? - Izguaziir indagou, na maior inocência.

- Ora, nada querido, o rei é sempre muito ocupado. São muitas responsabilidades, um grande fardo, sabe?

Havia muito trabalho a ser feito, mas também não faltou oportunidade para que o arquimago fornecesse maiores informações sobre o que ocorria. A aliança também favoreceu a troca de informações e assim, começaram a obter um entendimento razoável sobre quem eram os inimigos, sua natureza e o que desejavam.

Era um dia de descanso. Raastad, Midrakus, Öfinnel e alguns sábios estavam reunidos discutindo os rumos da guerra. Raastad observava quieto enquanto o rei e o arquimago discutiam.

- Enfim - explicava Midrakus - Os abissais vieram dos infernos. O senhor dessas dimensões, o Deus caído, Arcanael deseja vingança contra o pai da Deusa Ectarlissè. Isso vem de longa data, antes mesmo do advento das civilizações no Orbe das Nove Luas. E Fandall, protegida do alcance de seres malignos, passou a ter um ponto fraco.

- Qual? - Öfinnel indagou, curioso.

- Quando Ectarlissè veio para este Orbe juntar-se a Forlagon, o pai dela criou uma ligação entre os orbes. E foi através desta que os elfos vieram, há centenas de gerações. Os abissais, portanto, não objetivam subjugar ou destruir os elfos, mas sim, tomar controle do portal para Fandall e invadi-la.

Öfinnel estava fascinado por aquela história. Jamais suspeitava que o que ali ocorria tivesse tais motivos. - Mas não bastaria selar o portal?

- Um portal, de pequeno uso e curta duração, pode ser selado, mas um, usado durante um longo tempo e para transportes extensos, não pode.

- Ainda há tempo de selar definitivamente o portal para o inferno?

- Infelizmente, Merrin e seus súditos foram guiados por Arcanael e seus subordinados no sentido de abrir, não um, mas quatro portais entre este orbe e quatro de suas dimensões abissais.

- O maldito!

- São tolos sedentos por poder e foram ludibriados. Então agora, não nos resta alternativa senão buscar ajuda. Já encontramos alguns orbes próximos sofrendo ataque dos abissais. Os anões de Àstrades concordaram em enviar ajuda. Os felinos de Helix, não tem escolha senão se refugiarem em neste mundo. O Duque Zimbros conquistou quase todo o mundo deles e os poucos que restam concordaram com nossa proposta. Há outros contatos em andamento...

- Mas como poderemos expulsá-los?

- Isto ainda não está claro. No momento, precisamos de reforços e ganhar tempo para examinar melhor as opções.

- Então, são quatro portais.

- Sim, cada um levando ao domínio de um duques infernal. Duque Zimbros, senhor do caos, Vetzla, o destruidor de mundos, Marlak, soberano dos céus e Drenzult, senhor das ninhadas. Estes abismos combinados estão fortemente unidos por alianças. E quatro tornou-se um número significativo para estes demônios e sua hierarquia. A cada um dos quatro duques, servem quatro lordes, cada qual com quatro generais e assim por diante. Heis o tipo de exército que estamos enfrentando.

- Qual nosso próximo passo?

- Tirar proveito da aliança e retomar algum território.

- É o que eu queria ouvir.

- Mas devemos estar atentos. As essências originais dos demônios, ou matrizes, ficam nas dimensões de origem, de forma que quando destruídos os corpos na terra, sua essência retorna ao abismo para, mais tarde, reintegrar-se às hordas. É por isso que muitas vezes, os demônios preferem capturar, no lugar de matar. Assim podem corromper os corpos para usá-los. Um destino pior que ser possuído é ter as almas levadas para as dimensões do abismo. Lá, sob tortura, são convertidas em demônios.

- Nada disso soa nada animador.

- É verdade. E não é mesmo.

Agora depositavam esperanças nas alianças extra-planares e na chegada dos anões, felinos e outros tantos. Porém, muitas décadas ainda eram necessárias para os exércitos extra-planares chegarem à Terra das Nove Luas. Chegariam em hora certa? A capacidade de resistência em torno do Hostenoist e em Nelfária já estavam no fim.

Mais alguns dias se passaram. Öfinnel mandou um de seus serviçais dar um recado a Eliarta. Ele queria vê-la naquela noite. Quando ela entrou em sua barraca foi assaltada por Öfinnel. Ela correspondeu e permitiu ser possuída. Eliarta gostava de Izguaziir, mas sentia uma atração física mais forte por Öfinnel. Depois do coito, estavam deitados com os corpos entrelaçados.

- Você me ama? - ela perguntou.

Ele ficou em silêncio por alguns instantes. Aquela questão era incômoda. Mas sabia que ela não aceitaria seu silêncio sem insistir.

- Não é nada assim. Eu a desejo, mas não poderia amar uma mulher vetmös.

As orelhas da sacerdotisa se esquentaram.

- E quanto a seu neto?

- Neto? De que neto fala? Tenho muitos.

- O filho de Nöl. Você o ama?

- Ora sim!

- Mas ele tem sangue de vetmös, sua mãe, Chira...

- Ele é só uma criança, não tem culpa.

- E eu, de que tenho culpa?

- Não sei de que, mas posso ver em seus olhos. Olhe bem para mim e diga que está livre de culpa?

Ela virou para o outro lado. Lágrimas escorreram de seus olhos. Formou-se uma expressão amarga.

- É melhor eu ir.

- Sim.

Eliarta enxugou as lágrimas e foi buscar consolo junto a Izguaziir. Ele a compreendia como ninguém.

Ele estava sentado, com uma pequena luneta observando as estrelas. Mesmo de costas, ele disse.

- Você esteve com o rei. - não foi uma pergunta.

- Ah sim, ele queria...

- Sei o que ele queria.

Lágrimas brotaram nos olhos de Eliarta. Não queria perder Izguaziir.

- Não se preocupe com isso, não tem problema.

- Como assim, não tem problema? - sua voz estava embargada.

- Já há muitas tristezas devido a esta guerra, minha amada. Deixe seu coração ficar leve. Não tem problema por que eu não me apego. Muitos de nós, na verdade, conseguimos viver o amor sem possessividade.

- O que quer dizer? Não compreendo.

- Se sente desejos pelo rei, ou qualquer pessoa. Siga seu coração e seja feliz. Não se preocupe com o que eu vou pensar.

- Como pode dizer uma coisa dessas, Iz? Eu traí você!

- Ora, você queria que eu ficasse furioso com você? Que deixasse de amá-la? Será que seu entendimento do amor é tão pequeno assim?

Eliarta apertou os pulsos. Queria socar aquela cara bondosa do elfo. Como ele podia ser tão...

- Está errada, Eli. Você não me traiu. Você traiu a si mesma. Mas este é um problema com o qual você precisa apender a lidar, não eu.

O choro finalmente desabou sobre ela. Ele olhou-a. Sabia que não podia consolá-la naquele instante. Os humanos precisavam de mais tempo para temperar seus sentimentos. Ele já havia aprendido aquela lição. Ela saiu correndo e chorando. Ele simplesmente sorriu e voltou a observar as estrelas. Sabia dar tempo ao tempo.



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