7 - Os Três Elfos Viciosos


– Olhe, Öfinnel, o eclipse!

A noite estava calma e o céu estrelado. Todas nove luas marchavam no céu de azul profundo. Lá estava a lua Soene, sua tonalidade cinza claro gradualmente colocando-se à frente da grande e amarela Teona.

Voavam alto, montados em grifos acima das nuvens e do nevoeiro leitoso que cobria o grande planalto. Os grifos eram as montarias mais velozes de que puderam dispor.

Raastad estava alarmado – Não sou especialista, mas sei disso... Nunca, nunca mesmo tal sobreposição destas duas luas ocorreu! Isso está errado! Absolutamente errado!

– Tem razão! Veja! – o rei indicou uma deformação atmosférica no horizonte. Havia um brilho azulado naquela direção, saído do solo.

– Aquilo vem da cidadela branca. Isto não deveria ser possível, mas parecem estar usando a energia das nove torres brancas para provocar este eclipse.

– Não pode ser! – Öfinnel estava aturdido, pois seus olhos pareciam lhe enganar. – Soene não está apenas passando diante de Teona, mas sim marchando em sua direção!

Voavam com grande apreensão, observando sem nada poder fazer a pequena lua cinzenta, com um pouco menos que um quarto do tamanho de Teona, aproximar-se, mais e mais daquela grandiosa lua amarela.

Adiante, a deformação atmosférica mostrava-se na forma de um vórtice ao redor da cidadela branca. Mergulharam em sua direção rezando aos deuses para ainda haver tempo de intervir. A cidadela era belíssima e raios de multicores migravam entre as nove pequenas torres que captavam energias, cada qual de uma das nove torres brancas no perímetro do grande planalto. Imediatamente, o corpo de Raastad brilhou com uma aura de energia avermelhada. Seu corpo e o ambiente ao redor estavam tão saturados de magia que chegavam a emitir luz própria.

No centro da cidadela, uma grande torre de abóbada semi-circular com nove grandes janelas emitia sons, bolas de luz de multicores, raios e chamas. O rei sentiu como se afundasse em lodo espesso ao atravessar aquela estranha energia. Um forte enjoo veio em seguida e o tempo parecia não passar. Olhou para o alto, e através de tantas luzes, viu o momento da silenciosa colisão entre as duas luas. Uma forte luz mais radiante que o sol queimou seus olhos. Sua montaria também sentiu e desceu desajeitada. 

Öfinnel sentiu seu corpo rolar pela rocha fria. Estavam dentro da cúpula superior da cidadela branca. Tudo estava muito embaçado e havia vozes falando em élfico, mas nada fazia sentido. Aos poucos tudo parou de girar e estava a encarar os três imperadores e mais uma dezena de elfos, todos vestidos com trajes extravagantes, como os de um rito religioso.

– Mas que surpresa! – disse o imperador Bzir Naldiir, batendo palmas. – E que entrada!

Raastad estava enfurecido – O que pretendem com isso? Destruir o mundo? Acabar com todos?

– Acalme-se general – pediu um dos outros imperadores – Acha que somos loucos? Sabemos bem o que estamos fazendo! Hoje, nós acabamos com os demônios de uma vez por todas.

– É mesmo, Tel Mozeth? E por que o conselho não foi notificado disto?

Enquanto discutiam, o rei observava atentamente todo seu derredor e sentia uma espécie de calmaria dentro de si. Aquele com quem Raastad falava agora, Tel Mozeth, vestia-se com roupas luxuosas, uma enorme coroa de ouro e prata cravejadas de diamantes e outras pedras preciosas.

Bzir Naldiir vestia uma túnica branca com relevo bordado com fios dourados formando temas florais. Tinha os cabelos ruivos bem lisos que desciam até abaixo da cintura. Parecia mesmo uma mulher, até mesmo em seu jeito de falar.

– Veja Tel, como o general lhe aderece... Não está com uma língua afiada? – observou o terceiro, Nell Devarsh, vestido com um roupão florido e muito colorido.

Tel Mozeth que chegava a brilhar envolto em tanto outro e jóias, ignorou o comentário do outro e respondeu a Raastad – O conselho nunca aprovaria nossas ações. Em tempo extremos, apenas medidas extremas podem salvar nosso povo da destruição.

– Podem então me explicar o que isto significa? Colidir as luas certamente irá provocar uma catástrofe irreversível!

– Não com o poder que temos em nossas mãos! – disse Bzir com voz melódica e aguda.  Seus olhos brilhavam reforçando uma expressão que beirava a loucura.

– O que acontecerá então? – Raastad indagou ofegante.

– Observe – Bzir indicou os sacerdotes de Noosar, que de mãos dadas formavam um círculo em torno de uma piscina de águas límpidas que ficava no centro exato da torre. Na sua superfície uma imagem tênue das luas se separando após o choque. – A colisão serviu apenas para retirarmos nosso instrumento.

Na imagem surgiu uma lasca incandescente da grande lua girando no espaço entre as duas luas que agora se afastavam.

Bzir continuou – Observe! A ponta da lança que resgatará a paz! Eis o instrumento que irá por fim nesta maldita guerra!

Aquela estranha sensação de calma persistia. Öfinnel não sabia como, talvez ali, suas visões que procediam nos sonhos estivessem ampliadas. Mesmo desperto pode ver claramente o futuro.

– Mentiras! – disse o rei – O que pretendem não é derrotar os demônios, mas sim acabar com os nossos deuses.

– Cale-se, humano idiota! Não fosse pela tolice de seu povo, nada disso teria acontecido. – retrucou Bzir Naldiir.

– É verdade Raastad. O alvo deles não é um covil de demônios, mas sim o Pico Celestital. O que pretendem é eliminar, ou mesmo incapacitar os deuses.

– Mas por que faríamos tal coisa? Isto não faz o menor sentido! – respondeu Bzir, afetado.

O olhar de Öfinnel atravessava os imperadores. – Ao acabar com os deuses, vocês acreditam que a grande mãe, Ectarlissè, que atualmente está em sua terra natal, não desejará mais voltar para cá. Assim, não haverá mais motivo para os elfos aqui estarem. O que sempre desejaram, que é retornar à sua terra natal, se concretizará. Os elfos baterão em retirada, fecharão a porta que interliga nossos mundos e deixarão este mundo arruinado, à mercê dos demônios.

Nell Devarsh sussurrou – Mas como? Como ele soube?

– Então é verdade?! – espantou-se Raastad, querendo não crer que na traição de seus senhores.

Bzir confirmou com um sorriso de triunfo nos lábio – É verdade, e não há mais nada que possam fazer! Observem.

No espelho d'água, o fragmento da lua caía, penetrando na atmosfera, deixando um rastro luminoso e candente. Öfinnel pode ver o futuro se aproximando. Viu o Pico Celestial sendo atingido. Os deuses destruídos, atingidos desprevenidos em seu estado de hibernação. Os demônios ganhando forças e os imperadores mentindo para seu povo, convencendo-os que a melhor alternativa era retornar à terra natal e selar a passagem de uma vez por todas. Depois disso, a terra seria toda tomada pelos demônios e convertida em mais um de seus infernos. Ele estava certo. Não havia mais o que fazer. O destino estava selado.

Mas não! Não podia ser! Öfinnel sentiu raiva e viu, diante de si, outro futuro. Ele e Raastad lutando contra os imperadores. Sua espada destruindo-os! O mundo envolto em caos, os demônios fortalecidos. Nelfária invadida. O portal maculado. A terra natal dos elfos sendo tomada pelas hordas. A grande mãe prisioneira dos senhores do inferno! Todos destruídos!

"Não posso escolher este futuro!" pensou Öfinnel.

Precisava haver um outro. E ele viu. Com sua espada atingiria os templários que formavam o círculo e mantinham a concentração. O Pico seria poupado, mas as luas, nunca retornariam ao seu curso natural. Chocariam-se novamente, umas contra as outras ao longo de anos. Os pedaços das luas choveriam causando grande destruição. Tempestades e marés enlouquecidas afundariam cidades inteiras. Homens, elfos e demônios seriam vítimas de um cataclismo. Poucos sobreviveriam. O mundo todo ficaria em ruínas.

"Inaceitável! Talvez... Se eu esperar mais... Sim!"

As luas voltam ao seu caminho. Enquanto isso, o fragmento seguiria seu curso. Até que, perto do final... Sim! Ele quebraria o círculo. Os templários perderiam o controle próximo ao último instante. O fragmento não atingiria o pico. Os deuses sobreviveriam e despertariam. Uma grande explosão engoliria todo o vale de Nova Vellistrë. A aliança sobreviveria. Os imperadores seriam aprisionados por Raastad. Uma prisão seria criada pelos deuses. Traidores e malfeitores de todos os povos seriam enviados àquela prisão. Mas a guerra seguiria seu curso. A profecia dos deuses... Ele... Ele...

O tempo passava enquanto Öfinnel permanecia congelado num transe. Somente duas alternativas restavam. Deixar os imperadores se safarem e seu mundo sucumbir, ou destruir Nova Vellistrë e no fim, cumprir seu vaticínio: acabar com toda aquela guerra com suas próprias mãos.

Desembainhou a espada do metal estrelar. Apenas um dos templários precisava morrer. Öfinnel avançou e espetou as costas do sacerdote mais próximo.

"Pronto!"

– Não! – ecoou um coro no alto da torre. Os imperadores e sacerdotes, ligados ao ritual sofreram uma espécie de choque quando ele quebrou o círculo. Caíram no chão zonzos.

— Vamos Raastad, precisamos aproveitar para contê-los.

Öfinnel e Raastad pegaram uma longa corda que traziam em uma das montarias para prender os imperadores e os templários.

Pouco depois, a terra tremeu. O céu se iluminou. Um tempo passou até que vieram os tremores de terra e os resquícios do som do estrondo. A lasca da lua fez uma enorme cratera em Nova Vellistrë. Isto selou o fim do berço dos holmös. O Vale Sagrado estava em chamas e dava lugar ao que seria chamado de Vale Profano.




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