Umbral

Ao entrar no Umbral ao lado de Gabriel, senti uma solidão enorme na alma.
O lugar era escuro o tempo todo e um profundo vazio. Era possível ouvir choros e lamentações ao redor, espíritos vagando no meio do nada, a procura de um motivo para continuar existindo.

- Isso é muito triste. - Comentei
- Sim, são muitas almas perdidas que desencarnaram sem resolver assuntos na terra.
- Você acha que Mary, poderá estar aqui?
- Creio que não, você já fez o que ela pediu. Provavelmente deve ter encontrado a luz.
- Onde vamos achar o diamante?
- Vamos explorar o local primeiro, faz muito tempo que não venho aqui.

O Arcanjo retirou sua espada e começou a caminhar na minha frente, ele era o meu guia naquele submundo.
Meu coração ficou apertado ao me lembrar que o tenente Travis havia morrido em meu lugar. Depois de tantas coisas que passamos, restava apenas eu e Gabriel.

Quanto mais a gente andava, maior era a sensação de estar sendo observado por alguém.

- Aqui também há demônios?!
- Certamente. O Umbral tem se tornado o lar de muitas almas perturbadas, atraindo até mesmo seres das trevas, como Bill!
- Preciso de uma arma branca! Não vou aguentar ver você lutando sozinho contra os espíritos!
- Imaginei que você fosse me dizer isso, Ryan. Por isso lhe trouxe isso...

Ele retirou das suas coisas, uma motosserra com as lâminas sujas de sangue. Antes que eu perguntasse, ele acrescentou:

- É isso mesmo que você está pensando, essa é a mesma arma que Samantha usou para cortar Ricky ao meio!
- Obrigado parceiro! Será uma forma de homenagear minha amiga!
- Apenas tome cuidado, Bill tentará te manipular se puder, afinal este mundo sombrio é a casa dele!
- Eu conheço aquele desgraçado, deixa comigo!

Confesso que eu me sentia seguro ao pegar a motosserra, a minha vontade era de estraçalhar o corpo do Bill, quantas vezes fosse necessário para que ele morresse de uma vez.

Inesperadamente começamos a avistar vultos para todos os lados, passando atrás de umas árvores secas e sem vida.
Gabriel parou e olhando ao redor, segurou bem sua espada e disse:

- Acho que temos companhia! Eu sempre quis dizer isso!
- Qual o seu problema?!
- Esteja pronto, aí vem eles!
- Eles quem?!

Repentinamente surgem milhares de demônios, correndo em nossa direção.
Eram os mesmos monstros que eu havia enfrentado na igreja do padre Michael. Assim que se aproximaram, liguei a motosserra e comecei a serrar aquelas criaturas diabólicas ao meio, jorrando sangue preto por todos os lados.

Gabriel também cortava os demônios, que gritavam desesperados, mas não paravam de nos atacar.
Ter que ver aquelas coisas tentando te agarrar com suas garras afiadas e os olhos negros, me causava arrepios.

Por mais que eles fossem feridos, não pareciam se entregar.

- Esses capetinhas não morrem?!
- Somente as Balas de Deus poderá exterminá-los!
- Agora que você me avisa?!
- As armas brancas pode apenas machucar, se estivessem na terra, armas de fogo seriam úteis, mas no Umbral a resistência deles é maior!
- O que vamos fazer?!
- Eu tenho uma idéia!

O Arcanjo segurou bem firme a sua espada e falando palavras indecifráveis, ele ergueu sua arma para o alto, onde seus olhos ficaram negros como as de um demônio.

No entanto, uma luz branca apareceu na lâmina, afastando todos eles de volta para a escuridão, como se tivessem com medo daquele misterioso poder.

Assim que desapareceram, ele se ajoelhou exausto com o feito.

- Você está bem?!
- Sim, só um pouco cansado!
- Me explique o que foi isso!

Gabriel me olhou preocupado, se levantou e disse:

- A minha espada é extremamente poderosa, tanto que Bill a deseja em prol de Lúcifer.
- Disso eu sei, mas por que seus olhos mudaram de cor?
- Apesar de possuir essa grande arma, eu ainda sou um Arcanjo decaído! Então eu usei os meus poderes místicos para aumentar o poder da espada!
- Então aquela luz não foi exatamente uma manifestação divina, certo?
- Exatamente, foi só um sinal de comando para os demônios se afastarem!
- Entendi.
- Então imagine o que Bill poderá fazer se conseguir essa espada?! Será o fim de tudo!
- Não vou deixar isso acontecer! - Afirmei

Iniciamos novamente a caminhada pelo vale sombrio.
A sensação era que o tempo não existia, estávamos parados entre o presente, passado e futuro.
Quanto mais a gente avançava, maior era a agonia em meu peito.
Ser obrigado a presenciar aquele sofrimento de almas humanas, pedindo socorro ou lamentando por algo que não podiam mudar, era muito doloroso.

Observei que Gabriel não se importava com aqueles espíritos ao nosso lado, onde olhava apenas para frente.

- Que espécie de Arcanjo você é?!
- Como disse?
- Ver essas pessoas chorando ao redor, não lhe causa comoção?!
- Não podemos fazer nada, Ryan!
- Quem falou?!
- É a lei da vida, você tem que entender!
- Pra mim isso é omissão! Vou agora mesmo ajudar um deles!
- Não faça isso, é perigoso!

Aborrecido com a passividade do Arcanjo, me dirigi até um adolescente, sentado em um banco, com a cabeça baixa, olhando fixamente para o chão, feito um zumbi.

Me sentei ao lado dele e perguntei:

- Olá garoto, qual seu nome?

O menino ficou em silêncio, como se eu fosse invisível diante dele.

- Fale comigo rapaz, eu posso te ajudar a combater o que se passa...

Sem que eu terminasse a frase, ele arregalou os olhos pra mim, soltando um grito apavorante, fazendo meu coração quase saltar pela boca.

No meio dos seus gritos, veio flashes de filmes em minha mente. Avistei o garoto sofrendo bullying na escola, sendo espancado por alunos.
Outra hora, vi seu pai chegando bêbado em casa e agredindo uma mulher, que provavelmente seria sua mãe.

Quando me dei conta, ele tentava me enforcar sobre o gramado úmido. Minha respiração estava ficando fraca, eu não conseguia me mexer, era como se tivesse numa paralisia do sono, mas no sentido real.

Felizmente Gabriel apareceu e cravou sua espada no tórax do jovem, fazendo ele me largar e correr ferido para o escuro.

- Você está bem, Ryan?!
- Sim. Obrigado por me salvar.
- Eu te avisei que era arriscado!
- Por que Deus não faz alguma coisa?! Isso é injusto!
- O criador não tem culpa da desobediência do homem! O que você acabou de ver é uma alma perdida, que precisa encontrar a luz ou ficará aqui por todo o sempre!
- Eu tentei conversar com ele, mas não me ouvia!
- E nem vai ouvir. Infelizmente o Umbral recebe muitos espíritos com assuntos pendentes na terra, por isso é tão importante praticar o amor ao próximo enquanto estamos vivos.
- Entendo.

Um sentimento de culpa invadiu o meu coração. Afinal, quantas vezes na vida, nós ignoramos os problemas dos outros achando que é bobagem?
Quantas vezes deixamos nosso orgulho ultrapassar a generosidade com o irmão?

Eu prometia a mim mesmo que seria um homem mais justo e íntegro.
No meio do trajeto, o Arcanjo começou a passar mal, chegando quase a desmaiar.

- O que foi parceiro? Sente-se aqui nesta pedra.

Ao ver que ele estava meio debilitado, perguntei o que estava acontecendo.

- Eu usei muito meus poderes naquela hora contra os demônios, e o Umbral rouba muito as nossas energias.
- Confesso que você tem razão, fica difícil até pra respirar aqui.
- Mas não temos tempo pra descansar, precisamos achar o Diamante de Sangue...

Quando ele se levantou, acabou desmaiando na minha frente.
Imediatamente o segurei em meus braços e o deitei sobre a grama.
Eu não tinha para quem pedir ajuda, era só eu, ele e as almas perdidas.

Antes de mais nada, me certifiquei que ele estava vivo, sentindo os batimentos cardíacos do seu pulso.
Naquela hora desejava que Travis tivesse ao meu lado, ele sempre tinha um plano para me auxiliar.

Mas de qualquer forma, Gabriel precisava de um repouso, afinal ele havia salvado a minha vida.

Porém a tranquilidade durou pouco. Comecei a avistar olhos vermelhos em minha direção, atrás das árvores. E desta vez não eram os mesmos demônios que tinha nos atacado, eram seres diferentes e um tanto familiar.

Peguei a espada do Arcanjo e disse, apontando para a escuridão:

- Sejam lá quem for, apareçam! Eu não tenho medo de vocês!

As criaturas começaram a rir, até surgirem armados com espadas, lanças e flechas.
Eles possuíam tatuagens de tribal e pirâmides, além dos cabelos estilos dreads. Aqueles monstros eram nefilins malignos e não pareciam nem um pouco perdidos.

A diferença entre eles e meu amigo mestiço Keyjah, era que ele não tinha os olhos vermelhos de fogo e os dentes não eram afiados como uma fera.

- Vocês são nefilins!
- E você a nossa encomenda!
- Como assim?! Quem mandou vocês?!
- Em breve, Lúcifer dominará todo o universo, querendo ou não!
- Entendi, vocês são escravos dele!
- Somos súditos, imbecil!
- Podem vir seus malditos, estou preparado!
- Chegou o seu fim Ryan Smith! O senhor Bill ficará feliz!

O grupo partiu pra cima de mim fortemente armados, onde não tive escolha a não ser lutar sozinho naquele lugar sinistro.
Parecia uma batalha medieval, nem eu imaginava que manuseava tão bem uma espada.
O impacto das lâminas era surpreendente entre eu e os nefilins.

Eu desferia golpes certeiros naqueles cretinos, cravava a arma sem piedade como um cavaleiro.
Inesperadamente uma flecha atinge o meu ombro em cheio, me fazendo cair no chão. Neste momento apareceu uma garota mestiça, pronta para me matar com uma lança de ferro.
Ao se aproximar, ela foi cortada ao meio por Gabriel, que usava a motosserra, partindo seu corpo semi-nu em duas partes, jorrando sangue por todos os lados.

Eu retirei o artefato do meu braço e dei a mão para que ele me levantasse.

- Bom dia, bela adormecida! - Comentei
- Não posso tirar uma soneca, que tudo vira um caos!
- Me avise a próxima vez que resolver desmaiar no meio de uma guerra!
- O que são essas coisas?!
- Nefilins.
- Não pode ser...

Eu e o Arcanjo continuamos combatendo os mestiços malignos, até restar somente um, que tentou fugir, mas Gabriel não deixa e o derruba com um mata-leão.
Aproveitei a oportunidade e ligando a motosserra, aproximei a arma do seu rosto, fazendo as lâminas quase encostarem em sua pele.

- Fale quem mandou vocês aqui para me matar!
- Ok, eu digo... Mas não me matem!
- Isso vai depender de você!
- Quem me mandou foi... O nosso mestre Lúcifer!
- Isso é impossível! Ele não está na matéria física entre nós, ele não tem poderes suficientes para fazer isto! - Comentou Gabriel assustado
- A aniquilação da humanidade e dos anjos se aproxima! Adorem ao Diabo enquanto há tempo!
- Resposta errada...

Sem nenhuma misericórdia, serrei a cabeça daquele desgraçado ao meio, onde seus miolos foram espalhados violentamente pelo chão.
Até mesmo Gabriel ficou surpreso com a minha ferocidade e perguntou:

- Você está bem, Ryan?!
- Estou ótimo! Ficarei melhor quando encontrar aquele monstro!
- Umbral está pior do que eu imaginava!
- Por que diz isso?
- Como eu havia te falado antes, aqui tem se tornado o lar de criaturas malignas, devido aos pensamentos negativos dos humanos. Porém o acesso ao Umbral está cada vez mais fácil, sendo invadido até por nefilins!
- O que isso quer dizer?

Ele olhou pra mim com um certo receio e disse:

- Lúcifer sabe que você o deseja matá-lo, e ele está mais vivo do que nunca!

Aquilo me causou um choque na alma, passei a vida toda procurando aquele demônio do inferno e finalmente eu estava cada vez mais próximo de completar meu objetivo.

Porém a sensação de descobrir que Lúcifer sabia da minha existência e ainda saber que eu o caçava, me dava mais prazer ainda em acabar com ele.

- Como você sabe que ele está vivo? - Indaguei ao Arcanjo
- Não tem outra explicação para tantos acessos de demônios ao Umbral! Mas o que me preocupa é outra coisa!
- O que?
- Eu temo por você, Ryan! Agora que ele sabe onde você está, fará de tudo para te matar, isso não te assusta?

Simplesmente encarei Gabriel e disse:

- Quero olhar nos olhos dele e estraçalhar o seu corpo com minhas próprias mãos!
- De onde vem essa coragem, Ryan Smith?!...

A verdade era que eu estava furioso e com medo ao mesmo tempo, mas meu espírito congelou ao ver a alma de Mary caminhando entre os mortos.

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