As lágrimas de um Inocente
Eu pilotava há horas pela estrada, e o sol escaldante cegava os meus olhos. O caminho parecia não ter fim, a paisagem era deserta, de vez em quando tinha que desviar de carcaças de animais selvagens como vacas e cervos em decomposição, sendo devorados por corvos famintos.
Meu estômago roncava de fome, imagino que Gabriel sentia o mesmo, mas não reclamava, ele queria aparentar estar forte, mas eu sei que talvez ele não aguentaria por muito tempo se a gente continuasse naquele ritmo. Por sorte dei de cara com uma pequena lanchonete na beira da estrada, aparentemente vazia, mas possivelmente deveria ter comida em algum lugar.
Estacionei minha estradeira em frente a uma bomba de gasolina, fiquei contente ao ver combustível em fácil acesso, a nossa jornada estava garantida por mais alguns dias.
- Esse estabelecimento parece abandonado! - Comentou Gabriel observando as janelas quebradas
- Vamos entrar e procurar comida, estou louco para comer um hambúrguer! - Falei entusiasmado
- Temos que ter cautela amigo, estamos no fim do mundo, tudo pode acontecer!
Confesso que ri do Arcanjo, pensei que ele já estivesse traumatizado com o que aconteceu, mas resolvi invadir mesmo assim, pois a minha fome era maior. Quando eu abri a porta, fui recebido por um cano de espingarda na minha cara, onde quase caí para trás de tanto susto.
Gabriel veio logo intervir, dizendo para o homem abaixar a arma. Ao olhar melhor, vi que se tratava de um velho barbudo e meio corcunda, usando um suspensório dos anos oitenta. Ele observou bem para nós com ar de desconfiança, e disse:
- Tudo bem, podem entrar! Mas se aprontarem alguma coisa eu meto bala!
- Fica tranquilo senhor...
- George! - Disse ele rispidamente
- Ok senhor George, estamos muito famintos e gostaríamos muito de comer alguma coisa! - Falou Gabriel com certo receio ao usar as palavras
- Minha mulher vai preparar um lanche para os dois. Pela cara de vocês, devem ter passado por poucas e boas!
- O senhor não tem idéia! - Comentei sentando numa cadeira empoeirada
O velho olhou pra mim e disse:
- Você é o Ryan Smith, não é mesmo?
- Sim senhor, provavelmente vieram mercenários atrás de mim!
Era estranho ao ver que pessoas total desconhecidas te reconhecerem de algum lugar, no meu caso a fama não era uma coisa legal, quanto mais a minha imagem se espalhar pelo mundo, maior era a chance de eu morrer. Afinal, Jason Backer estava oferecendo cem milhões pela minha cabeça, onde certamente aquele ancião da segunda guerra mundial estaria de olho em mim e pensando na grana, até que sua resposta me impressionou:
- Não se preocupe que não vou te entregar!
- Por que eu deveria confiar?! - Perguntei meio aborrecido
- Eu não me importo com dinheiro, já estou velho e cansado, aqui só vive eu e minha esposa Beth! Nos isolamos do mundo desde que levaram o nosso único filho!
- Quem os levou?! - Perguntou Gabriel preocupado
- Os mesmos homens que vieram perguntar pelo Ryan! Mas não se engane, não eram mercenários. Eram oficias do exército americano!
- Não pode ser... - Falei sem acreditar
- Sim! Quase todas as noites eles surgem em carros blindados e as vezes com tanques de guerra, afirmando que o chefe deles, Jason Backer está te caçando em toda parte do planeta e quando eu souber de algo, devo avisar imediatamente, ou terei o mesmo destino que o meu filho!
- Eu sinto muito senhor George! - falou o Arcanjo com a mão em seu ombro
- Não tem problema rapaz! Eu não tenho medo dele, depois do que fizeram com o Jonathan, meu filho, nada mais importa!
Eu me levantei furioso e arremessei um copo de vidro na parede, os dois ficaram olhando pra mim abismados, onde pedi desculpas ao velho comerciante. Acabei saindo lá fora para respirar um pouco, só de imaginar que aquele bandido do Jason estava torturando pessoas inocentes por minha causa, dava vontade de ir atrás dele sozinho e acabar com essa história de uma vez. Por outro lado, ainda tinha minha família, que deixei esperando por mim, se alguma coisa acontecesse com eles, jamais poderia me perdoar, e pra justiça acontecer, eu precisava estar vivo.
Retornei para o interior do local e avistei a mulher do senhor George, uma senhora franzina com um vestido desbotado e um enorme sorriso no rosto, trazendo com ela dois x-saladas para nós. Agradeci a generosidade e comi tudo em menos de cinco minutos, parecia um leão esfomeado. Gabriel chegou a rir de mim, enquanto o lanche dele ainda estava pela metade.
- Se você continuar rindo da minha cara, vou comer o resto do seu lanche também!
- Esse é meu, tira o olho! - disse o Arcanjo escondendo o sanduíche
O casal de idosos começou a rir das nossas palhaçadas, por um momento a gente fez eles esquecerem o inferno que estavam vivendo e também a terrível dor de perder o único filho.
Após a refeição, eles ofereceram seus aposentos para que a gente dormisse. Gabriel sem pensar duas vezes, aceitou de imediato e foi logo se deitar no quarto, nunca vi um Arcanjo tão preguiçoso como aquele, mas ainda era meu fiel parceiro. Aproveitei o tempo para dar uma volta pelas redondezas, onde uma escura floresta ficava alguns metros da lanchonete. Há muito tempo que eu não respirava ar puro e as árvores tinham esse poder de nos trazer paz.
Como eu era sempre curioso, adentrei a mata e comecei a caminhar pelas trilhas. Mesmo o mundo estando naquele caos, a mãe natureza ainda preservava a vida de muitas plantas e animais silvestres, nos dando uma sensação de bem estar. Acabei achando um riacho com águas rasas e cristalinas. Não resisti e aproveitei a oportunidade para mergulhar os pés, o alívio foi no mesmo instante, meu corpo simplesmente agradeceu. Eu estava sozinho lá dentro e ainda era possível ouvir o canto dos pássaros. Fechei os olhos por um momento, para sentir aquela sensação única de paz interior.
No entanto, o meu sossego acabou quando ouço um enorme rugido misterioso vindo ao longe, atrás das árvores, e se aproximava cada vez mais. Tentei pegar a minha arma, mas lembrei que tinha deixado na lanchonete sobre o balcão. Sem escolha, comecei a correr para fugir daquela estranha presença, mas quanto mais eu corria, maior era o medo de ser pego por aquela coisa. Quando parecia perdido, surge o senhor George com sua espingarda, e dá um tiro em direção ao rugido, mesmo sem conseguir ver, escutei passos pesados indo embora, como se respeitasse o velho.
O idoso estava de cara feia e me deu um sermão feroz para nunca mais entrar naquela selva sozinho.
- O que era aquilo lá senhor George?!
- Você não precisa saber de tudo Ryan! Nós demos comida e moradia para você e seu amigo, isso não é o suficiente?!
- Sim senhor, me desculpe!
Nós retornamos ao local e ele nem tocou no assunto, mas eu não era idiota, eles tinham algum segredo escondido e eu iria até o fim para descobrir, afinal de boas intenções, o inferno estava cheio.
Gabriel estava acordado e conversava alegremente com a senhora Beth na varanda. Ao me ver, ele disse todo sorridente:
- Ryan, você não vai acreditar no que ela tem mais medo?
- O que seria parceiro? - perguntei sem querer saber a resposta
- A pobre senhora Beth tem medo de borboletas, não é demais?!
- Acho que temos que dar o fora daqui rápido!
- Por que?!
Puxei o Arcanjo para o canto e contei tudo para ele, Gabriel concordou comigo, mas achava que isso tudo tinha uma explicação e ele daria uma chance ao casal. Eu não gostava da idéia, a última vez que confiei em um par de idosos, eles tentaram me matar.
Gabriel prometeu perguntar a noite para desvendar esse mistério. Mesmo não concordando, eu aceitei, qualquer coisa quem ia meter bala era eu.
Aproveitei que eles conversavam, coloquei minha Calibre 12 sobre a mesa e comecei a carregar ela, enquanto encarava o senhor George, que também me olhava desconfiado, como se tivesse escondendo alguma coisa.
O Arcanjo parecia ingênuo, ele continuava sorrindo alegremente ao lado da velha, como se fossem grandes amigos, as vezes a bondade dele me dava raiva. Mais tarde, quando ela preparava o jantar para nós, o senhor George não tirava os olhos da janela, como se esperasse alguém.
- O que o senhor está olhando? - perguntei a ele
- A gente nunca sabe quando eles vão aparecer, preciso estar atento!
- Por que vocês não se mudam daqui?! Tentar fugir e...
- Ir pra onde rapaz?! Ser atacado por demônios no meio da estrada?! Ou ser devorado por Hospedeiros infernais?!
- Sinto muito, sei que não é fácil viver nesse mundo! - falei tentando acalma-lo
- Você não faz idéia rapaz! Eu e minha esposa Beth já fizemos grandes sacrifícios, sair daqui seria nos jogar para a morte!
- Eu posso proteger vocês de qualquer perigo, a minha missão é derrotar Lúcifer de uma vez por todas!
- Quem você pensa que é para ter a coragem de enfrentar o Diabo sozinho?! Isso é insano meu jovem!
- Eu sou Ryan Smith, o único homem corajoso o suficiente para não abaixar a cabeça para o mal!
- Agradeço a sua ousadia em querer nos ajudar, mas certas questões não dependem de você!
- Então me diga, o que há naquela floresta senhor George?! - perguntei novamente
- Já te falei pra ficar longe dessa história rapaz! Você e seu amigo não precisam saber de tudo, é para o seu próprio bem!
Ao dizer isso, escutamos barulho de veículos pesados vindo em direção a lanchonete. Por estar escuro aquele dia, vários lanternas invadiam o estabelecimento. Na mesma hora peguei meu fuzil tático e ia lá fora, mas o senhor George e sua mulher nos impediram de sair, e avisou:
- Deixem comigo, eu converso com esses caras!
- Não podemos permitir que o senhor vá sozinho! - comentou Gabriel segurando sua espada
- Não se preocupem, não é a primeira vez que faço isso! Eles matariam vocês dois sem pensar duas vezes e Jason Backer ganharia essa guerra!
- Mas...
- Escondam-se! Precisamos de vocês vivos pra resolver tudo isso e prometo contar tudo depois!
- Ok senhor George! Mas tenha cuidado! - recomendei
- Fica tranquilo rapaz, meu coração está calejado de tanto lidar com o mal deste mundo!
Confesso que estava impressionado com a coragem daquele velho, senhor George era um verdadeiro guerreiro. Eu e Gabriel ficamos escondidos dentro de um armário apertado, mas eu conseguia olhar pelas frestas da porta quebrada.
Os homens de Jason entraram na lanchonete, fortemente armados e olhavam ao redor, reparando o estabelecimento precário. Meus olhos arregalaram quando avistei o próprio Jason Backer também entrando no local, acompanhado por Rick, seu fiel parceiro de crimes e sua namorada Misha, a mestiça traidora, irmã do meu amigo Keyjah.
Ele caminhava no interior do salão com a mão na cintura, observando tudo, chegando a olhar em minha direção, mas sem suspeitar de nada. Ele encostou no balcão, cruzou os braços e disse:
- Vou perguntar mais uma vez velhote, você viu o Ryan por aqui?
- Não!
- Você sabe muito bem o que acontece com quem desobedece as minhas ordens!
- Eu sei Jason, mas eu e minha mulher não sabemos de nada, estamos sozinhos!
- Se você não quiser o mesmo destino que o seu filho, sugiro que seja fiel a mim!
- O que você ganha com a nossa desgraça?!
- Controle e poder! Ninguém nesse mundo será capaz de me vencer, nem mesmo Ryan!
- Por que esse ódio contra ele?!
- Ele matou minha noiva em Chernobyl! No passado nós éramos parceiros, apesar dele trabalhar para a FBI e eu comandar as ruas. Mas nossa amizade acabou quando ele resolveu me trair, dando um tiro na cabeça dela!
- Por que ele faria isso?! - perguntou a senhora Beth perplexa
Jason sorriu, sacou uma Magnum 44 da cintura e atirou na cabeça de um dos seus homens, explodindo seus miolos na parede. O casal estava em choque e o bandido termina:
- Por que ele sempre teve inveja de mim! Ele gostava da Mary e não suportava ver ela feliz ao meu lado, decidindo acabar com sua vida!
- Ele não é assim... Digo eu acho... - Se embaralha a senhora Beth
O maldito criminoso guardou sua arma e encarando a velha, disse olhando em seus olhos:
- Você sabe de alguma coisa sua velha?!
- Não Jason, eu não sei! - responde ela trêmula de medo
- Acho que você e seu marido estão me escondendo alguma coisa, fala ou te mato aqui mesmo!
- Ela já disse que não sabe de nada! - Afirma o senhor George, defendendo a esposa
- Sua última chance velhote! Ou me dê uma boa informação ou alguém pagará com a vida! - disse Jason sacando sua Magnum novamente
Naquela hora eu me enfureci e ia sair daquele armário e estourar a cabeça dele, mas Gabriel me segura e disse com a voz baixa:
- Não piore as coisas Ryan! Ainda não é a hora certa de enfrentar Jason!
- Não posso deixar que ele atire no senhor George!
- Vamos confiar nele, eles estão em maior número, qualquer movimento seríamos mortos em um piscar de olhos, não podemos fazer nada a não ser observar!
Jason apontou o revólver de cano longo em sua cabeça e disse:
- Qual vai ser velhote?!
- Se você quiser me matar, vá em frente, eu não tenho mais medo de você!
- Foi você quem pediu...
Quando ele ia morrer, a senhora Beth se ajoelha para o monstro e suplica piedade pela vida do marido:
- Não mate o meu George, me levem com vocês, mas não façam nada com ele!
- Não seja burra Beth! - grita o velho desesperado
- Ótima idéia, sua esposa é muito inteligente, a velhota vem comigo e se quiser ela de volta em seus braços, terá que me dar boas informações sobre o paradeiro de Ryan!
- Não faça isso por favor! - implora ele
- A escolha é sua! Vamos pessoal, não temos mais nada pra fazer nessa espelunca!
Os homens de Jason agarraram a pobre senhora Beth e a levaram a força para dentro do veículo blindado, enquanto ela chorava e dizia a todo instante que amava o senhor George, que não pode fazer nada, além de assistir o amor da sua vida ser levada por aqueles criminosos.
Assim que eles foram embora, nós saímos também e ao tentar consola-lo, ele me empurra e pegando sua espingarda , mirou em mim e disse:
- Tudo por sua culpa Ryan! Eu devia acabar com você agora mesmo e entregar seu corpo pra ele!
No entanto, Gabriel estava atrás dele e encostando a lâmina da espada em suas costas, ele disse:
- Largue a arma senhor George!
- Por que eu deveria?! Já disse que não tenho medo de morrer!
- Eu sinto muito que tenham levado sua mulher, mas foi decisão dela para poupar a sua vida, tenha um pouco de gratidão pelo seu nobre ato!
- Eu tenho que matar o Ryan!
- Ryan é meu amigo, já salvou minha vida algumas vezes e estou com ele nessa missão em destruir Lúcifer, mesmo que pareça impossível! Portanto, não vou avisar novamente, abaixe a arma ou eu mesmo serei obrigado a perfurar seu coração com a minha espada e o senhor nunca mais verá sua esposa denovo!
O senhor George me encarava com a espingarda apontada, seus olhos lacrimejavam de raiva, até que desiste e jogando a arma sobre o balcão, sentou-se na cadeira, tirou o chapéu e falou chorando:
- Eu vou contar tudo pra vocês e o que houve com meu filho Jonathan e o seu trágico destino...
... Eu nunca imaginei que aquela história iria mexer tanto comigo, confesso que ao ouvir o seu relato, me despedaçou por dentro....
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