A última Ceia

Ao retornar para meus amigos com uma nova arma e uma potente moto esportiva, acabei recebendo uma notícia que eu jamais esperava.

Travis e Samantha pareciam constrangidos em dizer, curioso como de costume, eu resolvi questionar o mistério:

- Falem de uma vez, estão me deixando preocupado!
- Antes de decidirmos o que fazer com a Judy, precisamos da sua autorização.
- Autorização pra que?!
- É para o próprio bem dela.
- Diga logo tenente, antes que eu me aborreça!

Ambos se olharam seriamente e o militar, desabafou:

- Nós queremos adotá-la!

Nunca pensei que Travis com toda aquela valentia, onde quase sempre criticava por ter a criança por perto, acabasse resolvendo ter Judy como filha, ao lado da futura esposa.

- Tem certeza do que está dizendo?
- Claro que tenho, também não sou um vilão Ryan. Aprendi a gostar muito dela e quero que ela faça parte da nossa família.
- Confesso que estou surpreso, não esperava isso de você, parabéns pela iniciativa.
- Obrigado, você permite ou não?
- Eu não sou o pai dela, quem decide isso é a menina.

Samantha sorriu, contente com a minha aprovação e falou:

- Isso não tenho dúvidas, ela adorou a idéia quando a convidei para morar conosco, quando isso tudo terminar.
- Fico feliz por vocês, mas tem que me prometer que não darão nenhuma arma pra ela atirar!
- Tem minha palavra. - Afirmou Travis cruzando os dedos nas costas

Fingi que acreditei nele e ri da situação, no fundo eu sabia que o militar amava a garotinha, percebi isso desde que a defendeu no bar do Steven.

Gabriel se aproximou de mim e disse na frente de todos:

- Mas me diz como você conseguiu escapar das garras da Mysha.
- É verdade, eu também estou curioso pra saber, quando tive que deixar você sozinho com ela na estrada.

Resolvi contar o que aconteceu comigo desde então para os meus amigos, menos na parte em que eu e a mestiça nos beijamos, poderia parecer suspeito para eles ou me chamarem de safado.

Pra mim, aquilo não passou de um caso isolado, em que eu estava vulnerável e sem defesa alguma, pois a verdade era que eu amava Sherry mais que tudo.

- Cara, que loucura! Nunca imaginei que Jason fosse capaz de matar a própria noiva! - Comentou o Arcanjo
- Vocês não tem idéia do que aqueles dois são capazes de fazer! - Acrescentou Samantha, quase chorando de ódio, ao lembrar do seu passado.

Travis a abraçou, sentando-se na cadeira, e dando-lhe um beijo na testa. O tenente podia ser um idiota, mas era muito afetuoso com quem ele amava.

- Me conte o que houve com você. - Perguntei a ela
- Acho que não gostaria de falar sobre isso Ryan.
- Faz bem desabafar, Samantha. Além disso você pode me dar um motivo a mais para acabar com eles.
- Ok, mas serei breve! Pois ter que recordar esses pesadelos me faz mal.
- Eu te entendo. Mas saiba que a justiça será feita, eu prometo!

A jovem africana bebeu um gole de chocolate quente, numa caneca de barro e nos contou o tormento que viveu nas mãos do Ricky.

Assim que me despedi do tenente com um beijo, percebi que Ricky me olhava maliciosamente.
Porém eu não poderia dizer nada contra ele, pois Travis ainda acreditava que Jason era um bom comandante para governar a humanidade.
Naquele instante, realmente eles eram os imperadores deste mundo pós apocalíptico.

Perto de dormir, entrei em minha tenda improvisada, até que inesperadamente o local é invadido pelos homens de Jason.

Eles me agarraram pelos cabelos com força e me arrastaram violentamente até um barracão abandonado, dentro de um quarto escuro.
Eu não enxergava nada, apenas ouvia risadas ao meu redor, onde me xingaram de todos os palavrões possíveis.

No entanto, o verdadeiro pesadelo estava só começando. Ricky abriu a porta, armado com um facão e um sorriso assustador.
Ele se abaixou perto do meu rosto e cuspiu na minha cara, sem que eu tivesse feito nada.

Ao começar a chorar, ele se aborreceu ainda mais e disse:

- Pare de chorar sua vaca! Ou eu vou cortar o seu pescoço lentamente!
- O que eu fiz pra você?!
- Você nasceu! Sua raça nunca deveria ter saído da escravidão! Ainda bem que Jason vai comandar este mundo agora, e tudo voltará como antes, mas desta vez para pior! Hahahahah

Eu não aguentava todas aquelas ofensas e só me restava chorar desesperadamente, mas ele não se comovia com minhas lágrimas e disse:

- Mas não se preocupe, eu tenho planos pra você, sua vadia!

Eu me sentia um lixo humano, me sentia como a pior das criaturas.

Ricky chamou dois homens de Jason e me acorrentaram numa coluna de pedra, sem que eu pudesse mexer os meus braços.

Enquanto eu gritava desesperadamente, com a esperança de alguém ouvir a minha voz e me ajudasse naquele momento de terror, eles rasgavam minha roupa, me deixando totalmente nua.

Infelizmente por mais que eu implorasse para eles pararem com aquilo, pior ficava a situação. Eles me estupraram várias e várias vezes, incansavelmente.

Não bastasse todo esse pesadelo, Ricky fazia pequenos cortes em meus seios com o facão, me torturando de todas as maneiras.

A partir desse momento, foi que a coisa conseguiu se agravar ainda mais.
Jason entra no quarto e ao me ver naquele estado deprimente, onde eles ejaculavam sobre meu corpo. Ele se aborreceu e falou na maior naturalidade:

- O que você está fazendo Ricky?
- A gente estava apenas se divertindo com ela, chefe.
- Nada disso. Tempo é dinheiro, ofereça essa negra para os mercenários.
- Pede quanto?
- Qualquer valor serve, já que ela não vale muita coisa mesmo.

Desde então começaram a lucrar com meu sofrimento.
Além de ser abusada sexualmente por aqueles bandidos, Ricky cobrava uma taxa extra para quem quisesse me torturar.

Cheguei a ser esfaqueada nas costelas, dentes arrancados com alicates de ferro, beber meu próprio sangue, entre outras coisas.

- Mas naquele dia que você apareceu para me salvar, Ryan! Foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida!
- Travis também teve uma boa participação nisso tudo. - Falei sorrindo para o militar
- Sim, eu amo esse imbecil e ele sabe disso! Mas você foi um herói e o mundo depende de você para acabar com o mal!
- Eu não sou Deus, Samantha! Você sabe que sozinho não podemos fazer nada, mas prometo lutar até o fim.
- Mas não se esqueça do meu pedido, eu quero matar o Ricky com minhas próprias mãos!
- Na hora certa ele será todo seu. Tem minha palavra.

O clima tenso foi interrompido por Judy, que voltou para a cabana toda contente, segurando uma boneca, faltando um dos braços.

- Olha tio Ryan, a boneca que eu ganhei!
- Que linda, princesa. Quem te deu?
- De uma moça lá fora, ela me disse que era sua amiga.

Nessa hora um arrepio percorreu minha espinha, não era possível que aquilo estava acontecendo, não com a Judy.
Me aproximei da criança e perguntei olhando em seus olhos azuis:

- Como era essa mulher?
- Ela usava um vestido preto e longo, tem os cabelos compridos e andava descalça.
- Ela falou o nome dela?
- Não, apenas disse que te conhecia e me pediu um favor em troca do brinquedo.
- Qual?
- Ela falou pra você encontrar a verdade o mais rápido possível, só assim ela poderá ir embora.
- A verdade? Como assim?!
- Eu também não entendi tio Ryan, mas antes de perguntar, ela desapareceu no meio da floresta.

Nesse momento, todos da cabana ouviram o relato da Judy, onde Travis ficou abismado e comentou ao meu lado:

- Me diz que isso é uma brincadeira de vocês dois para me assustar.
- Eu gostaria que fosse, tenente. Eu gostaria que fosse...

Aquilo foi um choque para todos nós, principalmente para mim, pois eu pensava que apenas eu poderia vê-la, mas como a alma dela resolveu aparecer para uma pobre criança.

O que me intrigava era, por que?? Qual motivo Judy também tivesse essa visão sobrenatural, o que ela tem a ver com a história da Mary.

Entretanto, por hora resolvi me calar, e apenas observar aquela inocente menina, brincando com sua boneca, mesmo que tivesse quebrada.

Mais tarde, Samantha preparou a ceia para nós, um belo porco do mato, assado na brasa. O animal devia pesar uns 80kg.
Aproveitei a ocasião para pegar as bebidas que Teddy havia me dado na estrada.
O nosso jantar estava completo, apesar de estar sem minha esposa e minha filha Sara.

Gabriel cortava os pedaços maiores só pra ele, onde eu percebi e disse:

- Estou vendo você pegando a melhor parte pra você.
- Não seja ridículo, Ryan. É que eu não posso comer gordura.
- Você também não vai beber nenhum gole deste vinho. - Comentou o militar brincando de esconder a garrafa

A jovem africana sorriu e trazendo alguns pratos, falou:

- Gabriel pode comer e beber, quanto ele quiser, adoro ele!
- Estão vendo isso? Ouçam a voz da razão. - Disse o Arcanjo convencido
- Puxa-saco. - Falei descontraindo o ambiente

O clima era divertido. Há muito tempo a gente não tinha dado tantas risadas juntos, cheguei a pensar que todo aquele pós apocalipse houvesse acabado.
Mas foi só ver Judy brincando sozinha com a boneca no canto da parede, que a ficha caiu e meu coração apertou.

Preocupado com a menina, me aproximei dela e acariciando seus cabelinhos dourados, perguntei:

- O que você está fazendo aí, princesa?
- Nada tio Ryan.
- Me diz com toda sua sinceridade. O que você acha da idéia de morar com Samantha e Travis?
- Acho legal, ela me disse que terei um quarto só pra mim e o Travis me prometeu a me ensinar a atirar, mas só quando eu fizer dezoito anos.
- Menos mal. Mesmo eu não sendo o seu pai, prezo por sua segurança, Judy.
- Eu sei tio Ryan.
- Você é como se fosse minha filha caçula. O amor que sinto por Sara é o mesmo por você, entendeu?
- Obrigada, eu te amo.
- Também amo você, princesa.

Naquele dia, ela me deu um abraço tão forte e emocionante, que senti uma lágrima escorrer dos meus olhos, a sensação era que estávamos nos despedindo.

Ela parou e ficou me observando com aquele sorriso angelical, que comovia qualquer um.
Judy colocou sua mãozinha em meu rosto, e disse enxugando minhas lágrimas:

- Não chora tio Ryan. Eu não vou embora, sempre estarei com você.
- Eu tenho certeza disso. - Comentei dando um beijo em sua testa

Neste momento, surge Gabriel ao nosso lado, com uma caneca de cerveja e avisou:

- Venham depressa, Travis quer fazer um discurso.
- Essa eu quero ver. - Falei rindo

Porém, o que parecia ser uma de suas brincadeiras, o tenente coronel do exército falou tudo o que seu coração sentia e desabafou:

- Eu gostaria de propor um brinde, pessoal em nome da melhor equipe... Desculpe, da melhor família que um homem poderia ter.
Eu não sou muito bom com palavras, mas quero deixar claro o enorme carinho que sinto por vocês.

Há algum tempo atrás eu era um militar ambicioso e calculista, todos aqui sabem que eu venerava o Jason, enxergava ele como um verdadeiro imperador.
Pra mim, o poder vinha em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, por esse motivo eu não sentia misericórdia por ninguém, na verdade até apoiava os planos bizarros daquele bandido.

No começo dessa jornada, confesso que fingi ser amigo do Ryan e do Arcanjo, tudo para tentar salvar a minha amada Samantha.
O que estou querendo dizer, é que peço perdão para todos vocês, por todo o mal que eu já fiz, principalmente a você... Minha pequena Judy.

Quando eu te vi em perigo naquele bar, meu instinto paternal falou mais alto, eu também deveria te proteger assim como o Ryan.
Se não fosse por ele, eu não estaria vivo. Mesmo sabendo dos meus planos em entregá-lo ao Jason, ele ainda conseguiu me perdoar e me deixou fazer parte desta família.

Hoje eu só tenho que agradecer e me sinto o cara mais sortudo deste mundo.

- Até o fim! - Gritou Gabriel, erguendo a caneca de cerveja para o alto
- Até o fim! - Dissemos todos

Naquela mesma noite de natal, expliquei aos meus amigos que eu havia decorado em minha mente, todos os esconderijos do Jason, por isso não precisávamos do mapa.
O melhor de tudo era que eu sabia onde achar a pólvora pura, onde nada poderia nos deter.

- Amanhã combinaremos melhor onde vamos primeiro. - Afirmei - Agora vamos descansar pessoal, por que a noite foi longa

No entanto, ninguém tinha imaginado, mas aquela foi a última vez que estivemos todos reunidos.

Na manhã seguinte, sinto alguém tentando me acordar, puxando meu braço. Ao abrir meus olhos, avistei Judy eufórica, me dizendo:

- Levanta tio Ryan, eu encontrei os meus pais verdadeiros!

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