Capítulo 8
I
diota, essa era a única palavra que me definia naquele momento tão fielmente quanto meu nome. Meu pai? Estava em uma sala de cirurgia diferente da primeira e eu pensando o pior, como sempre. Resultado da minha consciência pesada, não pude de assimilar com lágrimas de alívio rolando pelo rosto sem que eu pudesse controlá-las. Todo aquele drama era culpa minha, por ter sido tão idiota em enfrentar a máfia da escola e por ter brigado com as únicas pessoas que realmente queriam o melhor para mim.
Depois de me encontrar as lágrimas no andar errado, minha mãe me levou para o quarto andar e esperamos numa pequena sala sem cores chamativas, apenas um quadro com um rapaz pedindo silêncio decorava o ambiente. Havia uma mesinha de madeira num canto, com duas enfermeiras ocupadas com fichas e o computador. Felizmente não passaria mais uma noite sozinho, quando a nova cirurgia do meu pai acabou, os médicos disseram que o pior cenário havia ficado para trás. Um longo caminho de recuperação se iniciava, contudo. Nos abraçados e choramos de alívio quando nos deram a notícia na sala de espera. Uma enfermeira disse que minha mãe precisava descansar ou ficaria doente também. Mamãe foi obrigada a ir para casa comigo de táxi.
Em casa, minha mãe correu tomar um banho enquanto eu decidi fazer um macarrão com linguiça e muçarela para ela. Uma das poucas receitas das quais eu me orgulhava. Eu a ouvi chorando no quarto, quando fui avisar que a janta estava pronta. Não disse nada, meu corpo não tinha reação, encostado na porta. Tudo era letárgico sem meu pai e meu irmãozinho em casa. Estava muito feliz agora que o perigo maior passara, mas o ânimo ainda não voltara.
No outro dia cedo, quinta-feira, minha mãe me obrigou a tomar banho para ir a escola. Como ela somente abriu metade da porta e me chamou com a voz rouca, não discuti. Tomei meu leite com café, ato sagrado, e fiquei debruçado na janela da sala, que dava para a rua. Fiquei lá olhando, e olhando. Vários moleques e gurias passavam a pé, em bikes, um de skate, alguns de carros, mais alunos a pé indo pegar o ônibus. Uma turma grande, mas nem sinal de Maicon. Ele era meu vizinho, mas não queria ir até sua casa. Vai saber o que ele tava fazendo, a última coisa que eu queria era parecer obsessivo. Credo.
Por fim deu a hora e minha mãe me chamou para irmos. Fomos no seu carro. Eu estava receoso de andar na frente do carro pela primeira vez depois do acidente do meu pai. Ontem à noite, no táxi, sentamos atrás e seguramos na mão um do outro. Não era o único. Minha mãe puxou o cinto com violência, para prendê-lo. Quando ele recusou a vir, ela o sacudiu freneticamente, sua respiração alterada. Mordi o lado interno do lábio inferior, pensando se aquilo seria uma boa ideia.
Percebendo que eu estava ficando assustado, minha mãe se recompôs, colocou o cinto calmamente e partimos.
No caminho, minha mãe pediu para que eu ligasse imediatamente caso me sentisse mal na escola. Ela não iria para o trabalho, ia até a casa da minha avó pegar meu irmãozinho e voltar para o hospital. Provavelmente os anestésicos do meu pai deixariam de ter efeito antes do meio dia, ela queria estar lá. Mesmo que ele não a reconhecesse ou respondesse seus chamados.
Me sentia exatamente igual, ansioso para voltar ao hospital. Quando uma pessoa que amamos fica próxima da morte, a gente dá o devido valor a cada momento juntos. Prometi ligar, caso acontecesse qualquer coisa. Dei um beijo em seu rosto e desci do carro.
— Filho, a mãe te ama — ela se despediu, quando eu estava do outro lado da calçada. Senti uma onda de emoção percorrer meus olhos. Droga, não era um moleque chorão, mas perdi a conta de quantas vezes me ocorria chorar sem motivo aparente.
Atravessei a rua, refazendo meu caminho, e dei a volta no carro para me debruçar sobre a janela, beijando o rosto dela. — Te amo, mãe — ela me segurou forte, agarrando meus ombros e tirando o ar dos meus pulmões prendendo meu peito contra o seu.
Acenei para ela, enquanto ia embora.
Suspirei. Olhei em volta. Suspirei de novo.
No dia do acidente do meu pai, não houve tempo para que me pudesse me encontrar com os ditos amigos em nenhum local da escola. Só tive tempo de entregar o bilhete para Maicon e ir para a aula. Hoje seria diferente, teria que encarar aquele povo. Possivelmente Bruno ainda estaria com raiva de mim. Outro suspiro, tudo isso era tão fútil, intrigas de crianças, me enchendo o saco ao mesmo tempo em que minha vida seguia fora da escola, sem que nenhum deles pudesse fazer nada para o bem ou mal. E tinha o caso do professor, isso sim seria uma dor de cabeça danada.
Pelo menos ninguém teve a audácia de vir torrar a paciência com esse último assunto quando cheguei.
Caminhei para a sala de aula e percebi como estava realmente caminhando sozinho. Sem nenhum dos velhos companheiros.
Entrei na sala, busquei um lugar na frente da turma, deixei a mochila sobre a mesa e me sentei, esperando pra ver as novidades naquele dia.
O sinal tocou e para minha surpresa não entrou ninguém menos que o professor de educação física. Trazia a bola nos braços e um apito no pescoço musculoso.
Toda a turma entrou na sala e ficou no mais perfeito silêncio, esperando que o professor fizesse a chamada para irmos para a quadra o mais rápido possível. Interesseiros. O professor explicou que a professora de artes teve um compromisso urgente e a direção pediu para ele substituir a aula.
Enquanto todo mundo aguardava no seu silêncio sagrado, aproveitei que estava na frente, perto do professor, e chamei a atenção dele para mim. Ele sorriu, éramos bons amigos e ele gostava do meu trabalho jogando bola.
— Peter? — disse me encarando.
— O professor Robson já foi embora? Tinha outro professor na quarta... — encarei o caderno, fingindo ter visto algo muito interessante, logo depois da pergunta. Se ele me ignorasse, poderia me fazer de louco.
— O diretor ainda não conseguiu contratar um novo professor fixo por causa da repercussão do caso. Tem uma lista restrita com alguns nomes que podem ignorar o ocorrido com o último ocupante da vaga. Mas, acho que deve saber disso, ele não me deixa a par dos detalhes do seu trabalho na escola — ele esboçou um sorriso amarelo, indicando que não contaria mais mesmo que soubesse. Ainda mais para quem!
O professor Terry passou a língua nos lábios, preparando o folego para dar uma boa assobrada no apito.
— Bom, turma, já podemos ir para a quadra, terminei de fazer a chamada.
Bruno, finalmente o vi, passou por mim sem dar muita atenção. Vi que ele estava indo se encontrar com a Jacqueline. Meus olhos se encontraram com os dela, ela teve a pachorra de acenar para mim, sem vergonha, e deu as costas.
Nunca gostei dessa garota, desde quando fiquei sabendo sobre o seu vídeo pornô na internet. Pessoalmente nunca vi o vídeo, mas diziam que ela transava com três rapazes ao mesmo tempo, um no cu, outro na xota e um na boca. Ela que fizesse sexo com um time de basquete se achasse melhor, não tinha nada com isso. Mas que era uma menina faminta, isto era! Quem sabe que suruba louca ela estaria envolvendo Bruno para que ele esquecesse os problemas de casa.
Seu histórico na internet explicava porque nos flagrou fazendo sexo oral e simplesmente continuou caminhando tratando o assunto com indiferença.
Bruno não poderia ter arrumado um par mais perfeito. Afinal ele buscava apenas aventuras passageiras comigo. Talvez duas transadas no dia, no entanto, nunca seria um romance de verão.
No começo ela pode até ter chantageado o pobre rapaz de olho roxo a ficar com ela. Só que do jeito que ele a abraçou e saíram juntos da sala, mostrava que ele fazia suas escolhas, agora, por livre e espontânea sacanagem.
Deixei de prestar atenção naqueles dois e fui com o professor para a quadra. Lá os moleques já estavam formando os times. Fui até a rodinha. Eles não gostavam de mim? Que se foda! A quadra era tanto minha quanto deles, meu pai pagava a mesma mensalidade. Os incomodados que se mudem.
— Quem tá tirando os times? — perguntei, casualmente.
— O que isso te interessa? Não vai jogar mesmo — rebateu Marlon, passando a mão no nariz catarrento. A pele cheia de acne. Não era o melhor rosto para ficar encarando, fiquei grato por desviar os olhos.
Tá, ele era mais alto/forte/ágil/bom de briga do que eu. Mas não tinha mais coragem, ou idiotice.
— Vai se foder — devolvi para ele. — Comprou esse lugar? Deve ter saído uma nota. Deveria usar o dinheiro comprando um remédio pra esse nariz. Quer um lenço, mademoiselle?
Poucos, entre os moleques, deram risadinhas caçoando o colega. Encarei a turma de peito aberto. Assim como fizera Maicon no banheiro. Se estavam jogando sujo contra mim, deveria enfrentá-los, antes cedo do que nunca.
Marlon fechou a cara ao ver que não recuei diante da sua ofensiva, veio pra cima de mim.
É agora...
— Que caralho, mano. Sossega esse pau no lugar — disse Jonas, o goleiro. — Eu escolho o Bruno — disse ele retomando o assunto da vez.
— Lucas — disse Gregory.
— Vitor — escolheu Jonas.
— Marlon — ao redor de Gregory se formou uma rodinha, com os nomes que dizia.
— Henrique — Jonas completou os seis personagens do seu time depois de tirar mais três nomes da plateia.
Olhei para o Joel, do meu lado. Gregory só poderia escolher um de nós. Dei a batalha por perdida.
— Peter — seus lábios de moveram, com a pronuncia do meu nome.
— Eu? — disse, incrédulo.
— Ele? — Joel me olhou, sem raiva, mas não contente. — Por que ele?
— Porquê sou eu que tô tirando o time. Agora senta no banco ou vai jogar vôlei com as garotas.
Joel deu de ombros e foi se juntar as molecas. Era melhor estar com as garotas, todas delicadas e cheirosas, do que no meio de um bando de moleques fedidos a suor e comportando-se feito babuínos bobocas balbuciando em bando por causa de uma esfera de couro. Credo.
— Nosso time é sem camisa — escolheu Gregory, tirando sua camiseta e exibindo um corpão. Para ele era fácil falar e fazer. Era alto, os músculos do corpo em dia, braços fortes, peito estufado. Um garanhão.
Tirei a camiseta do uniforme e a amarrei na cintura do short com força para ela não cair e se sujar. Depois de dar o nó, levantei os olhos, como é esperado de se fazer, para ver qual lado da quadra tínhamos ficado. O problema foi encontrar os olhos de Marlon nos meus, fixos. Obviamente ele aguardava ansioso esse momento.
— Tá olhando meu corpo é? — indagou ele, irritado e mais alto do que o necessário em uma conversa civilizada. — O que foi, sua bixinha dadeira de cu, quer ver meu pau? Meus ovos cabeludos? Seu dedo duro desgraçado.
Ele caminhou exasperado de encontro a mim. Se fosse outra situação, eu teria tentando sair no braço com ele sem pensar duas vezes, mesmo que apanhasse mais do que batesse no final. Iríamos resolver tudo no chão com mordidas se fosse preciso. Mas eu não esperava aquele tipo de insulto cercado de outros caras. Quando eu fazia parte do grupinho, da maldita máfia, eles nunca me trataram assim. Homofobia era uma novidade. Surpresa, bitch?
Aquela semana estava me trazendo para a realidade de forma brutal.
— Eu o vi secando o meu pau, deve tá querendo meter a boca. Até mordeu os lábios, eu vi. Fiquem ligados que ele vai ficar olhando pra todo mundo agora. Esse chupa rola — explicou Marlon quando os outros se fecharam ao nosso redor, depois dele se jogar sobre mim
— Tá doido pra cair de boca na nossa vara, podem apostar — comentou Diogo de algum lugar da rodinha.
De repente, o círculo ao meu redor começou a se fechar, não tinha muito espaço para tentar fugir. As brechas sumindo rapidamente. De fora da rodinha, tão fechada assim, não daria para saber o que estava acontecendo.
— Deve ser isso que ele quer mesmo — Marlon passou as costas da mão no nariz escorrendo e bateu com ele no meu estômago, o tapa doeu feito um soco de boxeador. Filho da puta, sabia onde bater para deixar sem ar.
Me curvei, implorando para meus pulmões terem algum oxigênio extra para que eu pudesse reagir, mas quanto mais eu forçava mais sem ar eu ficava. Comecei a entrar em pânico. Não via claramente, mas sentia Marlon me segurando pelo pescoço.
— Vamos dar o que esse nojento quer — disse alguém, não estava conseguindo me concentrar para distinguir quem falava. Droga. Era tudo o que faltava, eu ter o ar da graça te perder os sentidos com um encosto no peito.
Senti alguém me segurando mais forte pela cintura, depois meu rosto foi forçado contra alguma coisa. Voltei a respirar com dor e os olhos focando no mundo ao meu redor. Demorei alguns segundos para perceber o que estavam fazendo comigo:
Marlon me segurava pelo pescoço e alguém na cintura, enquanto Diogo havia tirado o short, ficando de cueca e esfregando seu pau na minha cara. O maldito estava duro, sentia o pau tocar meu rosto. Os pentelhos ruivos saindo da cueca com a fricção. Ele estava gostando daquilo. Os outros moleques mantiveram o círculo em volta da gente, como se nada estivesse acontecendo, sem ninguém gritar obscenidades. Precisavam de descrição para continuar o trabalhinho.
Respira... respira... respira porra. O único jeito de sair dali era ter oxigênio em meu cérebro, para que eu pudesse me defender ou pedir por socorro.
Suspirei lentamente, o ar voltou a circular em meus pulmões. Senti meus sentidos voltarem por completo. Mesmo assim, com meu cérebro me pedindo para desembainhar uma katana do ar, eu não tive nenhuma reação física. Meu corpo entrou em uma espécie de choque em que não era mais dono de mim.
Tudo o que pude perceber, assimilando o que passava ao redor, foi a risada contagiante de todos.
Deixei Marlon me esfregar no pau de Diogo por mais um tempo, até que consegui colocar os dentes em volta daquela porcaria. Mordi com força. Senti os dentes perfurando a cueca. Ele deu um grito bestial, rouco.
— Porra, seu animal! — blasfemou Marlon, me soltando com medo de ser o próximo da fila. O que era verdade.
Fiquei de pé, agradecendo por ter forças nos joelhos. Apenas me levantei desconhecendo de onde vinha essa nova onda de energia, aproveitei antes que ficasse apavorado novamente. Encarei Marlon, a raiva queimava meu rosto. Fechei minha mão, o punho tremendo. Diogo tinha a mão na cueca, ficando cada vez mais marcada de sangue, Marlon olhava para o pau do amigo, sem acreditar que eu pudesse reagir depois do meu estupor. Dei um soco no nariz dele, não aguentava mais ver aquele catarro. O soco o deixou no chão, retribuindo o seu favor.
Peguei minha camiseta ao notar que ela caíra no chão e fora pisoteada de propósito por dúzias de tênis sujos. Já estava saindo, quando Gregory me segurou pelo braço.
— Se estivesse no nosso grupo de privilegiados, sabe que isso nunca aconteceria contigo — observou ele, calmo. Como ele poderia continuar frio depois do que eles fizeram comigo? — Sabe que não posso controlar os rapazes o tempo todo. Se peço que eles deixem algumas pessoas em paz, as pessoas certas, eles precisam se divertir com alguém. Essa é a ordem as coisas por aqui, Peter. Espero que não tenha se esquecido quando espalhou os boatos sobre o Bruno e ficou do lado do novato.
A última coisa que faria, naquele momento, seria ouvir aquele discursinho pra sapo dormir. Só que Gregory me manteve preso, e eu queira estar seguro das forças para correr dali o mais rápido assim que possível.
— Ainda bem que não estou no seu grupinho, então. Aquele moleque novo me fez um favor abrindo meus olhos para a qualidade de amigos que eu tinha. E duvido muito, muito mesmo, se isso tem alguma coisa a ver com o Bruno. Estão pouco se fodendo para ele como estão agora para mim. Na primeira oportunidade, vão passar a perna em quem for — tive certeza que conseguiria correr sem cair logo depois.
Me soltei dele, puxando o braço. Ao começar a correr, batendo os calcanhares com força na minha bunda, a paisagem se transformou em um borrão escuro.
Iria para a secretaria, pedir para ligarem para minha mãe. Eu tinha um pai para cuidar, não ficaria ali perdendo tempo com esse povinho preconceituoso. E na verdade sentia vontade de chorar, chorar e chorar. O que eles fizeram comigo era mais do que agressão, era humilhante. Não contaria nada para minha mãe por enquanto, a coitada já estava preocupada demais comigo, mas precisava ir embora.
— Liga pra minha mãe, Rosangela, por favor. Diz pra ela vir me buscar, não estou muito bem — pedi a secretária.
Rosangela já estava na casa dos cinquenta anos, quase sessenta. Tinha óculos fininhos pendurados numa correntinha de ouro, os usava somente quando precisava do computador. Nunca fora adepta a maquiagem durante todos os anos que a conhecia, só batom vermelho. A roupa era bem antiga, cheia de bordado e a gola da camiseta cobrindo até o pescoço.
— Não se sente bem? Quer que eu ligue para um médico ou uma ambulância? — deixou a pasta que estava examinando cair no balcão e me encarou, como uma avó preocupada. — O que é isso no seu peito? Andou brigando foi? Está com o cabelo todo bagunçado, o rosto muito vermelho.
Ela apontava para um grande hematoma no meu peito, cortesia de Marlon. Vesti o uniforme dos avessos para que ninguém me prendesse ali afim de descobrir a verdade.
— Só estou passando mal — menti. Mordi o lábio, se ela entrasse por esse caminho logo eu estaria em prantos. — Minha mãe tá no hospital, se eu precisar de um médico não vai ser problema — acrescentei.
Ela assentiu com a cabeça, e começou a procurar o número do celular da minha mãe em um caderno com os contatos da minha turma. Eu mesmo ligaria, se tivesse carregado o celular na noite passada. Mais um ponto para minha inteligência superior.
Enquanto esperava, procurei o bebedouro mais próximo e tomei três copos de água. Percebi que estava com muita sede ao encher o quarto copo. "Vamos dar o que esse nojento quer". A lembrança ainda estava viva.
Desde quando o mundo era um lugar tão horrível?
— Peter? — chamou uma voz atrás de mim. Joguei o copo cheio no lixo e me virei. — Tá fazendo o que aqui? — perguntou Maicon. Tinha uma pasta em mãos.
— Ah, eu pedi para ligarem para minha mãe. Vou embora — senti a voz afetada pela vontade de chorar. Precisava puxar outro assunto. — O que é isso? — apontei para sua pasta.
— É uns documentos que eu trouxe. Coisa que faltava na minha matrícula. Você tá bem mesmo? — ele deu alguns passos, para ficar bem pertinho de mim. Segurou minha mão. — Tá suado e seu uniforme dos avessos. O que houve?
Mordi o lábio, pensando se eu falava ou não. O que Maicon poderia fazer, afinal?
— Por que está chorando? — ele olhou assustado para mim.
Senti a lágrima caindo pelo rosto, fazendo o caminho pelo nariz e molhando os lábios. Não havia me dado conta de que estava chorando. Porém, quando a primeira lágrima caiu, a segunda, terceira, décima, veio junto. Simplesmente vieram.
Maicon ficou segurando minha mão preocupado. Sem saber o que fazer.
Colocou a pasta que trazia no banco de espera ao lado do balcão da recepção e encheu outro copo com água para mim. Me sentei, tentando controlar o choro. Maicon voltou, me entregou o copo e tomei um gole.
Ficamos em silêncio, muito constrangedor. E para piorar, a secretária encontrou o número da minha mãe justamente naquele momento. Ouvi ela dizer:
— É a senhora Julia?... Oi, sou a Rosangela da escola do Peter.... Estou bem, obrigada. Estou ligando para avisar que seu filho não está passando muito bem... Ele não me contou nada, mas quando um colega dele apareceu, Peter começou a chorar.... Sim, também pensei que fosse por causa disso. É um trauma e tanto. Ele só precisa ficar alguns dias em casa com o pai....
Mesmo Rosangela tomando a delicadeza de falar baixo, a conversa era perfeitamente ouvida por Maicon e por mim. Ele olhou para os lados, tentando inutilmente parecer distraído o suficiente para não ter ouvido nada.
— Seu pai está melhor? — perguntou quando não poderia mais evitar o assunto.
— Ontem passou pela última cirurgia. Acho que... O que estou falando? Ele vai ficar bom — enxuguei o rosto. — Valeu por perguntar — e por estar comigo nesse momento.
— Se precisar, posso fazer muito mais. Sou seu amigo, não me custa te ajudar — ele sorriu para mim, o aparelho aparecendo debaixo dos lábios.
— Colocou aparelho? Quando isso? — estava chocado que só percebera agora. Estava com a cabeça zumbindo outros assuntos, mas mesmo assim...
— Hoje de manhã, na verdade, acabei de chegar. Minha mãe não queria, mas fiz ela mudar de ideia.
— Ficou legal — disse fungando uma última vez, havia conseguido controlar as emoções.
Tive animo para encarar direito o meu novo amigo. De fato, o cabelo dourado-escuro ainda estava molhado com gel. O uniforme perfeitamente limpo e novo. Um cheiro de perfume vindo dele.
— Olha, não é aquele seu professor? — Maicon apontava para a porta principal da escola, por onde o professor Robson acabara de entrar.
— Sim, é meu professor. Ele tinha ido embora, me contaram. Não faz sentido. O que está fazendo aqui? — pisquei várias vezes confuso, como se fosse obter alguma resposta.
O senhor Robson acenou para a gente, quando nos viu. Caminhou rapidamente para o banco onde estávamos.
— Descobri quem espalhou minhas fotos pela sala de aula, por isso decidi vir conversar com o diretor antes de ir embora definitivamente. Já estou com as malas dentro do carro — ele explicou sua volta.
Pelo menos uma notícia boa. Se ele sabia quem havia espalhado as fotografias, Maicon e eu nos livraríamos da acusação falsa e poderíamos ser amigos sem minha mãe implicar e eu me sentir mau por desobedecê-la.
— Quem foi? — quis saber Maicon, impaciente.
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