Capítulo 3

D

ei um soco no ombro de Diogo e o joguei no chão com uma rasteira. Desejei que tivesse quebrado alguma coisa quando caiu. Estava assustado, não pelo flagrante, mas por estar beijando o gêmeo errado.

Diego permanecia no seu lugar, na porta entra a sala e cozinha, nos encarando.

— Ele engasgou com o chiclete, só estava tentando ajudar — mentiu Diogo com a mesma facilidade que me enganou. O pau duro metade na cueca metade fora, tinha a cabeça escura dando seta. O short aberto não tive explicação em relação a sua manobra de socorro.

— Você tá bem? — Diego me olhou, de cima a baixo. Meu peito estava agitado e os olhos confusos, com certeza era a representação fiel de alguém passando por uma situação difícil. Meu amiguinho de baixo totalmente fora de jogo.

— Tô legal — fiz um aceno e me pus de pé, pegando os livros.

— Vou pro quarto, quando tiver melhor a gente começa a estudar — o verdadeiro Diego me encarou novamente e saiu, sem dar atenção para o gêmeo safado.

— Que idiota, por isso a namorada o trai. É tão ingênuo que não percebe quando alguém tá transando e vai entrando sem ser convidado — disse Diogo para o irmão, depois que esse já estava bem longe. — Qualquer um perceberia que estávamos se agarrando e nunca entraria na sala, ele não, é claro.

Olhei para a porta, me sentindo mal pelo Diego em relação a gaiada que acabei de descobrir. Pobre alce ambulante. Ele era ingênuo e isso o fazia melhor do que o irmão abusado, que deveria estar apenas querendo saciar o prazer comigo, depois me ignorar o resto do tempo. Como muitas pessoas fazem.

Diogo jogou o corpo no sofá e pegou minha mão, me puxando para cima dele. O estado das suas roupas não tinha se alterado em nada, de fato.

— Tenho que ir ajudar ele, prometi mais cedo — fiz força para ficar no mesmo local.

— Ok, mas isso não acabou — prometeu Diego sorrindo malicioso.

Quando me curvei para pegar o estojo perdido no chão da sala, ele se aproveitou da oportunidade. Pegou meu braço livre e colocou sobre a ereção seminua. O nó do meu dedo sobre o prepúcio límpido e melecado com pré-sêmen. Puxei a mão rapidamente, ou não conseguiria ir ajudar o irmão dele.

Fui para o quarto, antes que aquilo terminasse em gozo.

Para minha sorte, Diego ignorou o que o irmão e eu estávamos fazendo.

— Não conta para ninguém, por favor — pedi abrindo o livro de português.

— Tranquilo. O Diogo sempre faz esse tipo de coisa. Quando tá afim de alguém ele só tira a roupa e faz. Seja homem ou mulher. É um depravado em evolução — Diego esperou que eu indicasse qual página do livro abrir.

Estudar é uma coisa chata, quando estudamos aquilo que já sabemos, se torna insuportável. Minha sorte foi que Diego era tranquilo e tentava prestar atenção e se desempenhava para resolver os problemas. Era tão chato que nem vou falar mais sobre isso.

As dezesseis horas da tarde, fui para casa. Minha mãe logo voltaria do serviço, papai demorava mais no trabalho.

Fui para a rua jogar bola com os moleques depois das dezessete. Como dito anteriormente, Diego e Diogo moravam na minha rua. Joel e Bruno moravam duas quadras para baixo, os outros moleques vinham de bairros vizinhos, alguns longe e outros de perto. No total éramos uns 15 moleques na rua jogando bola. O time da escola gostava de se reunir ali, então Gregory e Marlon estavam hoje com a gente. Os outros só deus sabia onde estavam.

Todos jogavam, gritavam e erravam gols óbvios. Os times eram trocados toda hora, quando alguém decidia que o outro moleque era bom demais para não estar no seu time. Assim ficamos, por meia hora. Foi quando me dei conta que Bruno não estava no meio da turma.

— Alguém viu o Bruno? — perguntei para os moleques perto de mim. Raimundo deu de ombros, Diego disse que não e os outros só olharam em volta procurando por ele.

Ninguém parou o jogo porque Bruno não apareceu, às vezes ele sumia mesmo. Continuei jogando, sem marcar nenhum gol.

Quando paramos já estava ficando de noite, o sol estava bem vermelho e fazia sombras gigantescas. Foram apertos de mãos, "falou", "até amanhã" para todos os lados, enquanto os moleques se dispersavam. Aqueles que moravam longe subiam em suas bikes e entravam na rua, ficando contra o sol poente.

Em casa, antes mesmo que tivesse chance de terminar meu copo de leite, minha mãe colocou uma travessa na mesa e disse:

— Leva isso pra casa do Bruno, a mãe dele trouxe com aquele bolo que você e seu pai comeram tudo sozinhos — um bolo bem gostoso por sinal. Gostava muito do chocolate da cobertura e a massa de cenoura — e ainda não entreguei para ela. Deve pensar que sou uma preguiçosa. Vou dar banho no seu irmão, então leve agora.

Sem outra saída, terminei o leite, peguei a travessa e fui para a rua.

Só ouvia televisões ligadas, janelas iluminadas e crianças gritando. Um fim de tarde comum e deprimente com o sol nos últimos estágios do dia. Caminhei ligeiro até a casa do Bruno passando pelas duas quadras.

Já estava perto o suficiente para caminhar devagar. Ouvi alguém dando um grito diferente da alegria das crianças e um som de coisa quebrando, segurei a travessa com mais força e parei onde estava. Era uma briga, vinda da casa do Bruno.

Fiquei na ponta dos pés, tentando ver pela janela da sala. Não havia ninguém, muita bagunça no chão e mais gritos lá no fundo. Andei mais um pouco e parei ao lado da parede, escutando.

Foram passos e mais gritos: — Me solta, seu maldito! — Cala essa boca, porra!, o último não era bem um grito, mas um rugido entredentes.

A mulher não obedeceu a voz do homem e gritou "Não bate nele!" e foi ela quem apanhou, era mais ou menos isso que acontecia. Apenas com o som e vultos correndo pela casa, era impossível ter certeza dos acontecimentos com precisão. Só ouvi um golpe, a mulher chorando e o marido andando firme pela casa.

Passos correram até a sala, prendi a respiração. Passos mais pesados seguiram o primeiro. Ouvi a voz do Bruno, melancólica e dolorida. Fugi para a lateral da casa antes que fosse pego espiando. O pai do Bruno quebraria a tigela na minha cabeça, sem dúvida alguma.

— Se encostar esses dedos gordos nela de novo, eu-te-mato. Seu maldito bêbado! — Bruno correu, pois os primeiros passos vieram em sua direção. Agora via a sombra da silhueta de duas pessoas, correndo em círculos, a primeira fugindo da segunda, pela janela aberta. Respirações agitadas e ferozes ecoavam ao redor da casa.

— Fedelho mal criado, deveria ter te matado quando nasceu, seu filho da puta — o homem, que era o pai amoroso do Bruno, apareceu na janela, desistindo de correr atrás do filho, cuspiu qualquer coisa para fora. — Deveria ter dado um soco na barriga de merda dessa vagabunda quando tive a oportunidade!

Com essas doces palavras, ele deixou a casa. Antes de sair, porém, o homem esmurrou a porta cinco, seis vezes, como se estivesse brigando com ela. Então cambaleou para fora da casa. Prendi a respiração com o corpo entrando na parede solida atrás de mim.

Usava uma roupa amarrotada nas costas, suja com terra e cimento. Ele era servente de pedreiro por ficar bêbado a maior parte do tempo e não conseguir parar em nenhum emprego que pudesse dar mais sustento a família. Havia um cigarro entre os dedos secos e sujos. Mesmo sem ver dava para imaginar os olhos vermelhos e um bafo de cachaça. O homem estava mesmo bêbado e, pelo histórico no bairro, chegou assim do serviço.

A mão vermelha de bater no Bruno e na mãe dele ficou no vão da porta, recebendo a luz da sala.

— Maldita bicha, tocando em mim. Nunca mais faça isso — ele reclamou do lado de fora, fumando desesperado o cigarro. — Tenho nojo de você, seu verme comedor de pinto. Esse cu cheio de doença que gosta de levar por trás. Sentar na mandioca e morder a fronha. Essa desgraçada não me presta nem para dar filhos de verdade. Deveria matar os dois, estorvos na minha vida. Desde quando um fedelho mão quebrada acha que pode questionar um homem de verdade educando sua mulher? Merece apanhar!

Jogou o cigarro na grama e voltou-se para quem quer que estivesse atrás dele. Mesmo bêbado tinha bom reflexo. Viu primeiro do que eu, Bruno correndo para fora de casa e agarrando-o pelo cangote. Puxou com tanta raiva a camiseta que a rasgou feito um trapo velho. O homem então começou a lutar com o filho, dando socos a esmo. Bruno o levou de volta para dentro de casa.

Houve um momento de pausa depois de braços cruzando o ar, socos, espasmos, tentativas de fugir e moveis caindo pelo caminho.

— Sai daqui Bruno! — gritou a mãe dele, aparentemente conseguindo forças para resistir a surra que o marido lhe dava e, mesmo depois de tudo, proteger o filho.

— Não vou deixar a senhora com esse cachorro — Bruno não estava disposto a deixar a festa sem quebrar a pinhata que era a cabeça do pai

— Nenhum homem vai me bater e ficar por isso mesmo, vou mostrar para ele que essa vadia aqui é capaz de muitas coisas, além de gerar filhos — houve uma pausa, o pai de Bruno parecia ter recuado, sua sombra ficou longe da mulher na janela. — Me obedeça, filho, por favor. Não quero ver você se envolvendo com este homem. Das piores coisas que fiz na vida, foi deixá-lo perto de você. Agora sei que nenhum de nós precisa dele. Vai embora, agora!

Nessa última parte, a mãe do Bruno não estava gritando ou nervosa, era chorava compulsivamente. Eu comecei a chorar silenciosamente do lado de fora. Meu coração magoado com tudo o que acabara de acontecer.

Vi a sombra de Bruno chegar até a porta. Ele saiu, sem prestar atenção nos pais. Assim como seu pai, não conseguia ver nada de onde estava, mas era fácil deduzir seus olhos vermelhos e inchados, o rosto machucado e o corpo curvado. Lançou um último olhar para trás e trancou a porta.

— Hoje você não vai sair para beber mais — disse a voz da mulher dentro da casa, suavemente.

Bruno obedeceu a mãe e foi até a calçada, onde deixou o corpo cair, literalmente. Bateu com a bunda desajeitado no cimento e curvou a cabeça até quase tocar o asfalto. Fui apressado até dele, para ver no que poderia ajudar.

— Amanhã vai todo mundo falar que eles brigaram de novo, que não sou capaz de defender minha mãe, que sou um vagabundo — disse ele quando me abaixei ao seu lado.

Meu rosto escondendo as lágrimas. Ele precisava de um ombro amigo, de pena estava farto.

— Bruno tudo o que seu pai falou é mentira. Por favor, não vista a imagem que ele faz de novo. Você não é assim — disse colocando uma mão no ombro do meu amigo. O que realmente queria fazer era abraçá-lo.

— E o que resta além do que ele falou? Tudo o que tenho e sou está dentro daquela casa. Para o bem e para o mal. Se fosse só ele dava para ignorar, mas você vai ver como todo mundo vai estar cochichando sobre minha mãe e eu amanhã — limpou o nariz escorrendo no uniforme da escola. Minha cabeça estava focada demais nele para prestar atenção nesse detalhe, contudo, seu uniforme estava rasgado na gola e na cintura e alargado demais para o seu corpo, em todo o resto. Era como a paz de espirito de Bruno, arruinada em alguns aspectos e em outros não lhe pertencia mais. — Pode largar essa porcaria por aí e voltar para casa — ele disse depois de limpar o nariz e prestar atenção em mim como eu fazia.

Olhei para a travessa em minhas mãos, no meio do quebra-pau nem lembrava que estava com ela.

— Toma — entreguei a travessa para ele.

Sem muito esforço, Bruno a arremessou contra sua casa. O barulho o vidro se partindo na porta da sala fez a briga parar por alguns segundos lá dentro, mas o homem soltou um "vadia" capaz de recomeçar tudo. Ouvi o tapa certeiro no rosto do homem, olhei para Bruno.

— Se sente melhor quebrando algo?

— Um pouco.

— Vamos dar uma volta — se eu me sentia desconfortável naquele ambiente, era impossível imaginar o quão ruim era tudo aquilo para o meu amigo.

Ele começou a andar, sem olhar para trás. Segui seus passos vacilantes. Viramos a esquina e seguimos pela rua. Bruno não falou nada, apenas andávamos. Chegamos numa pracinha depois de alguns minutos caminhando. Ele foi até o gramado e sentou-se entre duas árvores, fiz o mesmo.

Era noite aberta agora, não havia mais um sol avermelhado no céu ou uma luz melancólica projetando sombras. Havia somente silêncio e o gozo dos pássaros em seus ninhos.

Bruno sentou com a cabeça entre as pernas, fixado no chão. Percebi que ele estava chorando, tentando não fazer qualquer ruído, mas sua respiração o entregava, agitava-se num segundo e no outro ele prendia o ar, tentando controlar a situação.

— Sinto muito, amigo — disse colocando minha mão sobre o joelho dele. Foi quando o choro venceu a vergonha e ele fungava espontaneamente. Não disse palavra. Esperei que sua dor fosse vencida pelas lágrimas. Claro que levaria anos para curar esse trauma, se é que fosse possível, mas era melhor esperar que ele se acalmasse naquele momento.

— Pois eu sinto é vergonha da porcaria da minha vida — arfou, puxando ar para os pulmões e prendendo o choro. — Um moleque que vê o pai batendo na mãe e não faz nada, quando tenta entrar no meio, acaba com o olho roxo, e no outro dia não vai pra escola. Que vida desgraçada e cheia de vergonha — ele levantou o rosto vermelho. Vi o machucado em seu rosto, um olho realmente roxo, o resultado de um tapa bem dado ou um murro fracassado do pai, na pálida luz do poste mais próximo. — Tenho vontade de me jogar na frente de um carro quando penso que sou incapaz de defender minha mãe. Nem para isso eu sirvo, meu pai tem razão, sou uma vergonha pra mim mesmo. Patético!

— Nunca mais diga isso! — segurei com força na mão dele, força o suficiente para atrair seu olhar. — Ele quem é o sem vergonha, o sujeito ruim dessa história. É covarde por bater na mulher e no filho. Sem honra por humilhá-los e humilhar a si mesmo. Você é forte, por lutar contra a injustiça dentro da sua casa e não tem culpa da vida que leva, do pai que ganhou. Você merece muito mais do que isso, Bruno.

— Falar assim é fácil e bonito, honra, mas quando tá levando uns sopapos a coisa fica diferente. Nada disso importa quando precisamos da nossa força e não podemos fazer nada, é nesse momento que o vazio dentro da gente cresce.

Ele olhou para nossas mãos únicas. Pensei que fosse recuar, mas estava sem energia para isso. Suspirou e limpou o rosto.

Um grilo cantou de cima de uma árvore, aproveitando sua noite.

— Pelo menos tenho um amigo — sua voz estava calma, depois da tempestade que bagunçou seu peito. Apesar da rouquidão no timbre, não chorava mais.

— Um amigo de verdade — me sentei mais perto dele, arrastando a bunda na grama. A pracinha estava vazia, a noite ninguém queria ficar ali ouvindo as cigarras gritando sem parar. Dei um beijo em seu rosto cheio de espinhas, estava salgado de lágrimas.

Bruno abriu seu sorriso para mim, os lábios se contraindo lentamente por causa do inchaço.

— Fica comigo hoje — pediu com a voz doce.

Ouvi o coaxo de um sapo, não muito longe de onde estávamos.

— Fico — coloquei o braço por debaixo da perna de Bruno e a abracei, para mostrar que eu estava ali, com ele.

Nos deitamos na grama, sem qualquer preocupação. Com nossos dedos entrelaçados. Ele ficou bem perto de mim. Olhei para seu peito, já estava mais calmo. Um minuto depois estava brincando comigo e fazendo piadinhas.

No frescor da noite, senti uma onda de nostalgia, conheci novamente aquela alegria que sentia com Bruno, que nos uniu e fez nascer minha paixão. Era como se estivemos um ano atrás, sem qualquer preocupação entre nós, apenas dois moleques se curtindo.

— Você até parece aquele moleque que sorria pra mim e dizia que me amava — eu disse, olhando para as estrelas.

— E você está doce, hoje, muito parecido com o garoto que me fez perder noites de sono — senti seus lábios no meu rosto, depois vi sua cabeça em cima da minha, no escuro. O beijo foi suave, molhado e provocante no final, com língua contra língua e seus lábios pressionando os meus. Uma mistura doce e voluptuosa. — Lembra quando estávamos dormindo pelados depois que ficamos pela primeira vez e meu pai nos pegou no flagra? Ele nunca mais acreditou quando eu dizia ser hetero.

— Não lembra daquele babaca — eu pedi. O velho nunca mais me deixou pisar na casa deles além da varanda. Desde então aproveitava as mínimas oportunidades para xingar o filho de bicha.

Bruno concordou com a cabeça e ficamos em silêncio novamente. Ele se virou para mim e disse, com a mão sobre meu peito, acariciando:

— Sabe que faço qualquer coisa por você, Peter.

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