Capítulo 13
P
ara minha sorte, minha mãe concordou que eu deveria ficar em casa no outro dia. Uma sexta-feira não mataria ninguém. Suspirei aliviado ao acordar onze da manhã sem ter a possibilidade de encontrar Maicon ou Bruno.
Confrontaria Bruno por sua atitude idiota e ilegal, mas ele poderia esperar. Minha paz de espirito era muito mais preciosa. Queria ter tempo de refletir sobre o ocorrido. E poderia colocar Marlon nesta conta, o que ele fez não foi tão grave, contudo, precisava pagar por aquela humilhação.
Já Maicon eu estava feliz por não ter que encontrá-lo e explicar tudo o que aconteceu ontem no meu quarto. O que mais queria era esquecer tudo isso e pensar no meu pai. Durante os meus devaneios a noite, considerei que Maicon não precisaria de uma longa explicação, de todo modo. Até o mais lerdo dos caras entenderia o que aconteceu. No mínimo ele aceitou minha versão dos fatos e ficou do meu lado, muito diferente de como Bruno reagiu.
Quando voltei da área de serviço, deixando as roupas e lençóis batendo, encontrei minha mãe com meu irmão num braço e uma colher de sorvete no outro.
— Quer levar sorvete para o seu amigo? — ela ficou perplexa quando falei que o Bruno tinha saído pela janela. Me xingou e mandou limpar caso tivesse sujado. — Tenho que sair amanhã cedo — avisou. — Preciso dar satisfações no trabalho e deixar seu irmãozinho na creche.
Quanto a mim, restava apenas chupar o resto do sorvete ainda na cama, pensando em tudo o que adveio. E o que deveria fazer. Minha vida estava saindo de controle, antes as únicas preocupações eram jogar bola com os moleques da rua e ir pra escola. Agora tinha meu pai, Bruno e a rivalidade dos moleques da escola comigo, o que era motivado pelo Bruno. Não puxaria assunto com eles na segunda e nunca mais. Poderiam acreditar no que quisessem depois da quadra. Suas opiniões eram problema deles.
Me levantei da cama e fui até a geladeira, pegar mais sorvete. Já era quase uma da tarde. Sabia que deveria almoçar, mas ignorei esse pensamento tolo.
Estava tudo no lugar de volta ao meu quarto, a cama com novos lençóis, os livros acomodados na estante — na hora do desespero não tive coragem de olhar para eles e usá-los contra o Bruno, o PC tocando Lady Gaga em uma altura ambiente, tipo aquelas músicas de loja de rico. Não o berreiro de lojinha de promoção.
Por essa organização, eu logo notei um pequeno buquê em cima da minha cama. Era forrado com papel pardo embrulhado num plástico transparente. Momentos antes não estivera ali, me aproximei com cautela e vi mini coxinhas dentro dele. Estavam enrolados em guardanapos vermelhos dobrados para imitarem rosas, o botão da rosa era justamente a coxinha.
Puta que pariu, aquele buquê de coxinhas fez minhas pernas tremerem e meu coração bater mais forte. Isso sim era romantismo!
Voei para a cama, onde peguei o buquê de coxinhas com o maior cuidado, mal ousando apertá-lo com força. O aroma dos salgadinhos recém-saídos do forno enchia todo o quarto e minha boca de saliva. Antes de dar a primeira dentada, procurei saber quem entrou pela janela, o único acesso possível, e deixou aquele presente na cama.
Não havia bilhete. O cheiro estava tão bom que arrisquei a mordiscar uma. Frango com queijo catupiry derretendo nos meus dentes! Puxei o restante do queijo e mordi a coxinha como um vira-lata faminto. Me sentei no colchão, agora sem nenhuma preocupação em comer.
Hummm, aquele cheirinho de coisa gostosa e gordurosa, que a gente gosta, o cheiro de fritura com o aroma delicioso de carne moída refogada com muita cebola e alho. Minha boca não cabia mais saliva. Passei logo a comer sem timidez aquele buquê verdadeiramente poético.
— Quem mandou isso aqui me conhece melhor que minha mãe — eu falei de boca cheia, mastigando, engolindo e mastigando novamente, para comer rapidamente temendo que alguém chegasse para pedir algumas migalhas. Coxinha é uma coisa de outro mundo, não tem coisa melhor. Comi quase todas, quando lembrei que tinha família pra dividir as coisas. Sobrou quatro, bom, três e meia.
Limpei a boca e peguei o sorvete em cima da cama, estava derretendo, bebi o caldo e olhei pela janela. Ouvia vozes lá do outro lado do muro. Estava na hora de saber quem era a pessoa maravilhosa que me presenteou com o arrebatador buquê.
Dei a volta na casa e fiquei próximo ao muro. As vozes conversavam baixo para que eu pudesse ouvir, porém, estavam alvoroçadas. Pigarrei para chamar sua atenção.
Um moleque se ergueu. Vi primeiro o cabelo quando começou a ficar de pé. Tinha um curte degrade com um risquinho do lado virado para mim, o cabelo estava platinado e penteado para cima, os fios presos com gel. Um topete chamativo na frente.
Dei um passo para trás, sorrindo sem saber o que dizer, ou como reagir. O cara platinado era Maicon, ele havia tingido o cabelo castanho escuro naquela manhã? Primeiro o aparelho, agora o cabelo. Desse jeito ele mudaria por completo em menos de uma semana!
— Então recebeu o meu presente? Acredito que sim, pois está aqui fora — dei uma risada boba, agradecido por ele não trazer Bruno à tona, não estávamos sozinhos ali. — A propósito, eu comi algumas coxinhas, estavam cheirando tão bem.
— Isso não é justo, o pressente era para mim! — tentei bancar o ofendido e irritado, para ele saber que eu estava feliz por dê-lo comigo. — Vai me dizer quem está contigo ou terei que pular o muro?
— Podem sair pessoal, fomos descobertos — pediu Maicon para quem estava escondido com ele.
Eram os mesmos garotos da direção.
— Essa é a Kyoko e o Lee — apresentou Maicon indicando-os. — Foram eles que me falaram o que aconteceu na quadra e eu pude agir. Os encontrei hoje na escola e eles me perguntaram sobre você. A ideia do presente foi do Lee. Disse que precisava se distrair um pouco.
Suspirei lentamente, e percebi que fiquei completamente sem reação ao saber que ele tinha feito algo em relação a um dos meus muitos problemas. É claro que, dependendo do que fizesse, teríamos um castigo. Contudo, por hora, estava muto feliz.
— Obrigado — disse aos garotos e em especial a Maicon.
— Estávamos matando aula e por isso não pudemos chamar ninguém. Foi o mínimo que pudemos fazer — Lee retribuiu meu sorriso.
— E depois que o Maicon te contar o que aconteceu, vai mesmo saber que valeu a pena — Kyoko lançou um olhar sacana ao novo amigo.
— O que você fez? — senti que a hora de me preocupar seria adiantada.
Ficamos em silêncio, ouvindo o som da televisão dos vizinhos, das crianças descendo a rua em suas bikes. Aquele som de vida em movimento ao nosso redor, enquanto ficávamos apenas parados, nos encarando. Maicon quebrou o silêncio, em um tom bem baixo, começou:
— Queria te contar ontem à tarde. Achei que voltariam mais tarde do hospital e por isso só vim até sua casa quando escutei o... Enfim, conversei com Marlon sobre o que ele fez contigo na aula de educação física, Peter. Dei um corretivo nele, aposto que vai pensar duas vezes antes de mexer com você.
— Você não poderia ter feito isso! — gritei alarmado, para divertimento dos nossos colegas. Assistiam com um sorriso no rosto.
— Como não? Deixar que eles ficassem no seu pé até uma coisa pior acontecer? E olha só, aconteceu ontem mesmo. Acho que deveria me agradecer por ter deixado aquele otário sem ar caído no chão. Queria ter feito o mesmo com o Bruno!
Era exatamente esse assunto que eu evitava, Bruno, e todas as pessoas que ferravam com minha vida. Por que a escola não poderia se resumir entre Maicon e eu?
— Aquilo do Bruno não foi nada, é melhor a gente conversar depois — olhei para Kyoko, que tinha uma sobrancelha em pé esperando o desenrolar da fofoca.
— Desculpa, Peter, mas com certeza foi mais que nada. Mesmo que não tenha sido físico ou se concretizado. A intenção conta muito. É a única coisa de que preciso, a intenção dele em repetir aquilo, para quebrar aquela cara cheia de espinha! Teria feito se você não tivesse lutado — Maicon falava com raiva, as palavras saíam com uma longa pausa e a voz abafada, contendo o grito de revolta. Para meu horror ele parecia ter esquecido sobre o segredo da situação. — Temos que ir à polícia, dizer aos seus pais! Minha mãe é advogada, ela pode levantar um processo criminal contra o Bruno, ele pode parar na cadeia. Só basta você querer.
Lee havia segurado a amiga pelo braço, aos primeiros gritos, e a afastado discretamente do tumulto que Maicon criava.
— Não posso... — comecei, seria difícil levar aquela conversa adiante sem entrar nos detalhes.
— Sabe que o que ele fez não se trata apenas do meu sentimento de heroísmo para te ajudar, moral e honra. Vai além do que eu penso e posso fazer. Trata-se exclusivamente de você e da sua segurança, por isso precisa buscar uma solução.
— Meus pais não são a solução. A última vez que envolvi minha família em meus assuntos, quase perdi meu pai. Porra, tenho que cuidar de mim mesmo — a minha voz saiu alterada, um falsete de adolescente. Fiquei com medo de estar estressado demais, sem o controle da situação, então acrescentei, mais calmo: — eu sou, mais do que ninguém, que quer fazer o Bruno pagar. Só preciso de tempo para achar a melhor solução.
Maicon me encarou, longa e profundamente, como se buscasse a resposta literalmente no fundo da minha alma. Jogou o peso do corpo em um pé depois no outro.
— Está pensando em se matar, está Peter?
— Morto, eu não poderia fazer nada para me vingar de Bruno.
— Está pensando em matar ele? Tipo dar um tiro na cabeça? — percebi que os olhos de Maicon percorriam minha roupa discretamente, em busca de uma arma.
— Morto, ele não pagaria o que me fez. Olha, eu vou agir, fazer o que é certo e impedir que ele não faça aquilo com mais ninguém. Só não quero envolver minha mãe e meu pai nisso. Se sua mãe mover qualquer processo contra aquele canalha, vai precisar do consentimento e assinatura da minha família. Ainda falta alguns meses para eu ser maior. Olha, minha mãe não tem reclamado, mas eu percebo, vejo, como está reagindo ao caso do meu pai: Julia está aguentando a barra por um fio. Coloca essa história do Bruno na mesa e ela surta, vai pirar completamente.
Meu vizinho fez um sinal com a cabeça, concordando comigo contragosto.
— Peter, é você quem decide como se proteger. Apenas oferecemos as melhores opções — ele olhou para os dois garotos acuados longe para não se envolver na discussão e tomando o cuidado de ficar perto para ouvir perfeitamente.
— Estou protegido! — para dar ênfase, mostrei meus músculos, que na hora h não me serviram de nada duas vezes. Tanto exercício, um corpo sarado e travei no momento em que mais precisava.
— Muito protegido, mais protegido que o presidente Abraham Lincoln... Olha, vamos fazer assim, vou grudar em você, literalmente, quando for pro colégio, vou contigo, na volta esperamos um pelo outro. Sai mais cedo? Fica num lugar com alguns adultos, se eu sair mais cedo, vou direto para sua sala, assim vamos e voltamos da aula juntos. A Kyoko e o Lee concordaram em ficar de olho em você caso eu esteja ocupado, também — eles concordaram e se achegaram mais um pouquinho da gente. — As chances daqueles cretinos pegarem a gente assim serão menores. E, quando tiver formado seu plano, daremos uma lição nele. Eu e você, você e eu. Ok?
— Ok, você e eu — pelo tom da minha voz era possível sentir minha gratidão. Sorri para Maicon com todo o carinho que um garoto pode sorrir para seu vizinho de muro.
— Tem que dizer: eu e você, você e eu. Mas ainda é novo, pode aprender — ele deu um salto ágil pelo muro, eliminando o pouco espaço que havia entre nós. Eu não queria nenhum obstáculo entre nós e agora não existia mais nada. Apenas ele e eu.
Kyoko e Lee deram a volta no muro como pessoas normais.
— Maicon — eu disse o nome dele para ter certeza que ainda era o mesmo vizinho que entrou no meu quarto e deixou os buquês. Percebi que seu nome era lindo, meus lábios se moviam com facilidade ao pronunciá-lo. Ele todo era lindo, o maxilar com uma leve sugestão de barba, suas sobrancelhas arqueadas, as pernas cabeludas expostas abaixo do short jeans, o modo como ele me olhava e falava, tudo.
— Peter — ele respondeu, tão perto de mim que senti sua respiração no meu pescoço. Minha garganta coçou, a barriga reagiu estranha e senti as mãos suando.
— Se forem transar, podemos ir embora e conversamos outro dia — disse Kyoko com uma careta para Maicon. Lee ficou com o rosto corado, imaginando que aconteceria algo. — Não estou a fim de fazer suruba com três viados!
— Eu não sou viado — Lee a empurrou para longe dele.
— É eunuco então. Nunca pegou ninguém, homem.
Deixei que eles brigarem e aproveitei que Maicon estava tão perto de mim.
— Obrigado por se oferecer em me ajudar e pelo buquê de coxinhas. Foi o melhor buquê que já recebi em toda a minha vida, o único aliás — olhei para cima, com alguns centímetros mais alto que eu, Maicon me encara de cima, e eu tinha que encará-lo de queixo elevado.
— Não precisa agradecer pela minha ajuda, eu sempre estarei ao seu lado. Eu prometo — ele disse. Era um moleque de cabelo platinado que eu mal conhecia, o que eu poderia esperar de uma promessa feita por ele?
Mas a verdade é que eu acreditei em suas palavras, olhando em seus olhos eu acreditei nele. Me senti protegido do mundo ao seu lado.
O que aconteceu depois me fez pensar no que a gente estava se tornando, um para o outro. Eu queria agradecer a Maicon, com um ato físico. Ele estava tão perto de mim, que foi fácil beijar seu rosto.
Foi um beijo surpresa, então não consegui alcançar sua boca e dar um selinho, beijei a bochecha, quase na altura do queixo. Segurei os lábios por três segundos, e depois recuei. Senti meu rosto queimando.
— Vão pro quarto, merda — pediu Kyoko.
— Depois diziam que eram apenas amigos — comentou Lee com malicia. — Meu faro nunca erra.
— Isso por que uma gazela reconhece outra — Kyoko deu de ombros.
— Isso foi muito gay, eles têm razão — ele sorriu. Seus gestos com a mão, o sorriso e o brilho nos olhos eram de alguém envergonhado, muito tímido.
— Não tenho nenhum problema em ser "muito gay" — mantive meu sorriso nervoso olhando para os outros. Com tanta merda rodando no ventilador, minha sexualidade foi rebaixada na lista de preocupações.
— Hum — exclamaram os dois novatos rindo.
— Isso é bom — senti suas mãos tocando as minhas. Nossos dedos foram se entrelaçando automaticamente, um movimento que simbolizava os sentimentos ali envolvidos.
Os lábios dele começaram a se aproximar dos meus, fechavam bem rápidos. Já sentia o beijo, nosso primeiro beijo. Fechei os olhos, e esperei...
— Maicon, é seu pai no telefone! — disse minha mãe, interrompendo meu momento com Peter. Eu sabia que ela estava na janela, assistindo a toda a nossa conversa, esperava o momento perfeito para se intrometer e acabar com tudo. — É urgente, filho.
Kyoko correu para trás do muro. Lee apenas encarou a janela com um olhar distante.
— Tem mesmo que ser agora? — olhei para ela, sobre os ombros de Peter, que olhou para trás, desfazendo seu biquinho do beijo.
— Senhora Scholz, boa tarde — ouvi a voz de Peter falhando. Estaria apenas acanhado ou zangado com a interrupção?
— Peter, não é mesmo? Pode dar licença ao Maicon? É mesmo uma ligação importante.
Para dar efeito as palavras da minha mãe, Peter deu dois passos para longe de mim, abrindo caminho.
— Te vejo mais tarde, Peter — eu prometi, já caminhando para minha casa. — Pessoal, teremos que conversar sobre aquilo outro dia. Talvez na escola. Foi mal por fazerem perder seu tempo.
— Adorei a putaria de vocês, vou relevar dessa vez — Kyoko acenou um tchau para mim.
— É melhor conversarmos com calma — disse Lee.
— Conversaremos mais tarde, você e eu — Peter me inclinou sobre o muro. — Merda, eu disse aquilo.
— Agora tem que dizer...
— Que droga!
— Vai, diz...
Já estava distante demais e Peter precisou levantar a voz para dizer:
— Eu e você, você e eu.
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