O Guarda


Após o encontro, Arthur me acompanhou até meu quarto enquanto ríamos de nossas tentativas (quase) completamente fracassadas de dançar segundo uma coreografia antiga e complexa, cheia de palmas e giros, sem contar com as piruetas e outros passos que quase haviam me feito cair. No fim de tudo, eu tinha me divertido bastante e achava que Arthur também, porque havia um sorriso sempre escondido em seu rosto ou uma risada escapando de seus lábios.

"Vidya, achava que você dançava melhor! Você me enganou direitinho no baile!", Arthur falou e deu um sorriso zombeteiro enquanto subíamos as escadas.

"Olha quem fala! Como alguém educado para bailes, o príncipe devia saber qual é seu pé esquerdo!" devolvi, empurrando-o de leve para o lado.

Arthur fez uma expressão ofendida e em seguida começou a rir, sendo seguido por mim. Era relaxante estar com ele, parecia que o mundo era diferente para mim, que eu não precisava me preocupar com mais nada. No entanto, a realidade sempre vem nos cutucar quando estamos sonhando alto demais, para mostrar que a vida é menos colorida do que está parecendo, e, dessa vez, ela veio na forma de Layla.

Quando passávamos pelo corredor dos quartos das selecionadas, uma das portas se abriu subitamente e Layla saiu por ela, enquanto Arthur e eu congelávamos no lugar. Quando a outra nos notou, empinou o queixo e ajeitou o laço do robe antes de fazer uma reverência para o príncipe com um sorrisinho meigo que logo se tronou desdenhoso quando ela voltou o olhar para mim. Tentei não sentir inveja dela por ficar tão sexy naquelas roupas enquanto eu parecia uma criança usando as roupas da mãe.

"Alteza" ela disse.

"Senhorita Layla."

Tentei ignorar a tensão crescente entre os dois, que agora se encaravam como se passassem mensagens secretas entre si pelo olhar. Eu me sentia uma intrusa ali, porque lembrava perfeitamente das palavras ditas por ela alguns dias antes.

"Você vai fazer esta Seleção se estender por quanto tempo, querido?"

Naquele momento, a realidade não apenas me cutucou: deu um chute certeiro bem em meu estômago que fez com que a bolha de alegria inocente estourasse, tirando até o sorriso bobo do meu rosto.

"Bem, eu devo continuar meu caminho, preciso pegar meu livro que caiu no jardim", Layla falou após um longo momento de silêncio constrangedor. Até parecia que eu e o príncipe estávamos fazendo algo errado.

"Claro, claro!" Arthur apressou-se em dizer. "Nós também vamos seguir caminho. Tome cuidado quando for apanhar seu livro."

Layla, então, fez outra reverência e seguiu para as escadas.

Estranhei o fato de ela não ter obrigado uma de suas criadas a ir buscar o tal livro, mas não falei nada.

Em silêncio, eu e o príncipe seguimos pelo corredor e paramos em frente à porta do meu quarto, que eu abri. Soltei seu braço e me posicionei dentro do recinto de frente para ele, fazendo uma reverência enquanto encarava seus sapatos. Queria acabar com aquele momento estranho o quanto antes.

"A noite de hoje foi muito divertida, Alteza, obrigada" falei.

"Eu também achei. Deveríamos fazer isso mais vezes."

Senti minhas bochechas pinicarem e engoli em seco para afastar o bolo que se formara em minha garganta. Ele não tinha se sentido nada incomodado ao encontrar-se com a selecionada com quem mantinha promessas secretas enquanto caminhava com outra por aí? Só eu era afetada? Por que eu era afetada?

Arthur estendeu uma das mãos para mim, que eu aceitei relutantemente. Em seguida, curvou-se e beijou meus dedos enquanto me encarava. Quando meus olhos encontraram os dele, lembrei-me do campo rodeado por montanhas de cumes respingados de neve e da grama cintilante à luz do sol que eu vira na Noruécia. Lembrei-me da brisa delicada que dançava com as folhas e balançava os lençóis que uma criada estendia nos varais do quintal da minha avó. Era uma sensação de frescura, calor e nostalgia, tudo ao mesmo tempo. E só durou um milésimo de segundo.

Quando os lábios macios de Arthur deixaram minha pele e ele se aprumou, senti uma vontade imensa de poder ter encarado aqueles olhos por mais tempo, para sentir um pouco mais daquilo que se apoderara de mim naquele curto instante de conexão.

"Boa noite, Vidya" ele disse.

"Boa noite, Arthur" murmurei em resposta, com os olhos cravados nos dele, em busca da sensação novamente. Até que ele se virou e saiu a passos decididos pelo corredor.

Ainda atordoada pelo sentimento fugidio, fechei a porta e apertei a mão que havia sido beijada junto ao meu peito, que batia em descompasso.

O que raios tinha acontecido ali?

Enquanto Lucia me ajudava a vestir a camisola e Julie arrumava a cama para mim, meus pensamentos eram preenchidos pelas lembranças do lugar aonde eu fora havia tanto tempo que eu julgara não ser mais capaz de lembrar de nada durante muitos anos. No entanto, aquelas lembranças haviam sido renovadas em um milissegundo, com um simples olhar. Eu lembrava de como tinha corrido perseguindo os cachorros dos meus avós e de como havia rolado na grama com... com... um garoto... Eu não tinha certeza sobre a última parte, mas parecia que tinha um menino comigo nas brincadeiras, só que eu não lembrava se algum dos empregados da minha avó tinha filhos ou se nós tínhamos vizinhos. Será que era Viktor? Mas eu achava que ele não tinha ido nessa viagem...

Eu estava ficando louca. Só podia ser isso.

Naquela noite, depois de mudar de posição várias vezes, eu finalmente dormi. Em meus sonhos havia um par de olhos verdes e o som de uma risada infantil que certamente não pertencia a mim.

_-*-_

A manhã seguinte foi repleta por comentários e perguntas das criadas a respeito do encontro. Elas queriam saber cada detalhe, cada passo, cada palavra dita pelo príncipe. Na verdade, elas não, Julie era a mais incisiva, e Lucia a repreendia de tempos em tempos, tentando, pude perceber, conter a própria curiosidade. Enquanto isso, Joyce apenas escutava tudo, mas eu sabia que ela também queria saber como havia sido.

"Não teve nada demais, ele me levou para a biblioteca, comemos um pouco, ele me fez algumas perguntas, depois ele me chamou para dançar e... só" falei.

"Sóóóóóóóó?" Julie miou.

"É o bastante, Julie! Você está sendo totalmente indelicada! Vá costurar aquele vestido que você começou ontem! Nós estamos terminando de preparar a senhorita para o café, não a encha de perguntas!"

Julie riu e foi em direção à porta enquanto as outras duas criadas terminavam de me ajudar a vestir um vestido azul claro adequado para o café da manhã. Quando a criada saiu para o corredor, ouvi uma voz muito conhecida.

"Bom dia, Julie! A senhorita já está pronta?"

Não podia ser ele... podia?

"Oh! O-olá, soldado Alceu! Bom dia! Ela ainda não está pronta, o que o senhor deseja?"

"Devo acompanhá-la até o salão onde acontecerá o café da manhã, na Ala Leste. Vou aguardá-la aqui."

Como assim Viktor era um guarda? O recrutamento havia acontecido poucos dias após o Baile da Seleção, mas ele nunca havia sequer citado que tinha interesse em se juntar ao exército ou coisa do tipo.

Apressadamente calcei o par de sapatos marfim que Julie havia escolhido para mim e saí correndo para a porta, eu ia tirar aquilo a limpo agora. Mas antes de passar pela porta voltei-me para Lucia e perguntei aos sussurros se aquele era o guarda de quem tanto falavam, ao que ela respondeu acenando afirmativamente. Maravilha. Viktor já estava dando uma de galã por aí. O exército ainda não sabia o perigo que aquele ser humano representava.

"Vik... soldado Alceu! Bom dia!" Dei meu melhor sorriso peguei-você-no-flagra-mas-estamos-em-público para meu amigo.

"Bom dia, senhorita. Devo acompanhá-la até o Salão Leste" ele respondeu com uma mesura, como se virasse guarda sem me contar nada todo dia.

Apertei os olhos para ele e aceitei rapidamente o braço que estendia, praticamente arrastando-o pelo corredor para ficar longe das criadas e assim ter como inquiri-lo sobre o que ele estava fazendo ali.

"O que voc..." Ele exclamou de surpresa quando o puxei para um lugar vazio perto das janelas após as escadas.

"Shh! Eu é que pergunto! O que diabos você está fazendo aqui?!"

"Sendo guarda...?"

"Haha, engraçadinho! Pode começar a explicar!"

"Me inscrevi pro alistamento, fiz os testes, fui selecionado para o palácio" deu de ombros. "Agora sou guarda."

"Por que você não me contou nada?!" guinchei.

"Você seria contra, mas, além disso, meu pai me obrigou. Ele queria um filho soldado, e eu acho que a Belle não servia pro cargo."

Levei uma mão à testa. Eu nem sabia direito quando tinha sido o alistamento. Suspirei pensando em como meu melhor amigo podia ter sido selecionado para o exército e estar lutando em algum lugar agora. Meu Deus, ele podia ter sido morto naquele ataque durante o Jornal Oficial!

Certo, respira.

"Tudo bem, eu não digo mais nada – caso contrário eu vou enlouquecer, mas se você colocar a vida em risco eu te mato!"

"Essa foi a segunda frase mais sem nexo que eu ouvi hoje" riu. "Agora vamos antes que nos vejam."

Voltamos ao nosso caminho normal, o que me fez pensar na razão para estarmos indo para outro salão e não para o que sempre era usado. Algum tipo de evento?

Antes de entrarmos em um corredor à direita, fui capar de ver o caminho que levava até o Salão de Jantar, normalmente usado para as refeições, e congelei antes de completar um passo. Havia uma grande movimentação de guardas e eu ouvia o choro distante de uma mulher, mas o que mais me assustou foi a terrível mancha de sangue na parede, que era esfregada por uma criada de mãos trêmulas.

Viktor me puxou e nós seguimos para o leste, deixando aquilo tudo para trás.

"Eu sabia que devíamos ter vindo por outro caminho, aquela mancha não ia sair fácil mesmo" meu amigo resmungou. "Não comente o que viu com ninguém, Lily, as selecionadas não deveriam ver isso."

"O... o que houve?" perguntei chocada, sentindo a bile subir pela minha garganta.

"Um rebelde quase matou dois guardas ontem à noite quando tentavam chegar até uma passagem secreta. Não sabemos como descobriram sobre ela, nem onde conseguiram armas. A única coisa que sabemos é que essa passagem levava para o terceiro andar. O cara se matou quando foi descoberto, estava em frente ao Salão, mas tinha papéis em um idioma desconhecido e um mapa malfeito do castelo em seus bolsos."

O terceiro andar. Onde ficavam os quartos da Família Real. Minhas criadas haviam me avisado que aquela era uma parte do castelo proibida para nós a menos que fôssemos levadas para lá por alguém da realeza. Agora, um rebelde havia conseguido um mapa do castelo e, além disso, uma passagem secreta para o andar onde ficava o quarto do rei.

Nós estávamos em perigo e ninguém podia saber disso.




WHOAAAAAA suspense no Palácio Real...

E o Vick sedução no palácio... o que será dos outros guardas? (aquela carinha) kkkkk

Beijoooos *3*

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