Encontro
Depois do ataque, os dias no castelo não podiam ter sido mais comuns. O único fato surpreendente foi o de que nenhuma das garotas pediu para sair, como era o esperado diante daquela situação, e, por isso, o príncipe continuava se dedicando a passeios pelos jardins com cada uma delas. Na, aparentemente, vigésima vez em que o vi em um desses encontros, tive que me conter para não sair pela porta da sacada e fazer uma piadinha sobre a quantidade diminuta de lugares interessantes para onde levar garotas, além disso, o castelo não tinha sofrido ataques recentemente? O jardim era ao menos seguro? Felizmente, Joyce me impediu, distraindo-me ao falar sobre um guarda novo que havia chegado ao palácio após a nova convocação.
"Ele é tão educado! Fiquei surpresa quando ele segurou a porta para que eu passasse com o cesto de roupas da senhorita, os outros guardas se fazem de mortos quando precisamos de ajuda!", suspirou.
"Ora! Não fique suspirando pelos cantos por qualquer um que é minimamente cavalheiresco, Joyce!", Lucia repreendeu a outra com um sorrisinho contido, fazendo com que eu desconfiasse de que esse tal guarda já tivesse a encantado também.
As três estavam me fazendo companhia naquela tarde. Enquanto Julie e Joyce costuravam um novo vestido para mim, Lúcia tentava me ensinar a bordar em uma toalha branca que havia achado no armário do banheiro. Eu ainda não estava muito hábil na arte de passar a agulha nos pontos certos mas já estava tendo algum progresso. Pela manhã, eu havia decidido abandonar minha toca e tentado socializar um pouco. No entanto, tudo o que consegui foi ficar lendo um romance em uma poltrona próxima às janelas do Salão das Mulheres enquanto as outras selecionadas que estavam no recinto compartilhavam gritinhos de alegria e risadas, cada uma relatando os melhores momentos de seus encontros com o príncipe.
Depois dessa tentativa fracassada de me enturmar, voltei para o meu quarto assim que o almoço chegou ao fim e chamei as meninas para que me fizessem companhia.
"Então... o príncipe já teve vários encontros, não é?", Julie falou de repente.
Eu entendi o que ela quis dizer: vários encontros, mas ainda nenhum comigo.
"Julie! Não seja indiscreta!" As outras duas exclamaram em uníssono.
Ri da reação das duas e coloquei o bordado de lado, interessada em saber o que elas pensavam disso.
"Vocês acham que eu vou ser eliminada?"
"Eliminada?! De jeito nenhum!"
"Não, não acho!"
"Não!"
As três falaram ao mesmo tempo, fazendo com que eu risse ainda mais.
"Eu não me importo tanto assim, sabe. Eu não estava interessada no príncipe quando vim para o baile..."
Subitamente, três batidas na porta do quarto interromperam minha frase, e Lucia correu para atender. Quando abriu a porta, a figura de outra criada apareceu, trazendo uma bandeja na mão. Levantei-me da cama e caminhei até ela, curiosa, já que eu não havia pedido nada.
"É uma mensagem de Sua Alteza", a mulher falou, erguendo a tampa de metal para que eu pegasse o pequeno papel sobrado, depois fez uma reverência e se retirou.
Desdobrei o bilhete cada vez mais confusa e li as palavras redigidas com uma caligrafia perfeita e redonda.
_-*-_
As três criadas pareceram ter recebido uma descarga de eletricidade quando e contei o que havia no bilhete, e começaram a correr de um lado para o outro preparando roupas, banho e cremes para a pele. Eu não tinha a escolha de não ir, como o príncipe havia deixado implícito no bilhete, e elas faziam questão de me deixar maravilhosa para o encontro, ainda que eu houvesse dito que seria na biblioteca e que eu não estava tentando seduzir ninguém.
Depois de passar um bom tempo com cremes na pele e no cabelo, finalmente saí do banheiro usando um roupão e encontrei Lucia ao lado da penteadeira, preparada para fazer minha maquiagem e cabelo.
"Por favor, não coloque nada muito forte!", pedi.
Lucia assentiu e começou a passar pincéis em meu rosto enquanto Julie mexia em minhas madeixas onduladas. Depois de alguns espirros devido ao pó que quase me custaram a maquiagem e o penteado, Lucia permitiu que eu me olhasse no espelho. Quando vi meu rosto, meus lábios se abriram em um sorriso surpreso que logo estava quase alcançando minhas orelhas.
Elas eram artistas! Minha maquiagem tinha um ar romântico e simples, completado pelo coque feito com uma trança no alto da minha cabeça e pelas mechas soltas que modelavam meu rosto.
Em seguida, puseram-me em um vestido marfim longo com renda no busto e o combinaram com sapatos de camurça vinho com salto médio. Eu me sentia confortável e bonita – até demais, para quem não estava interessada no príncipe –, mas elas ainda não estavam satisfeitas. Joyce abriu uma das duas gavetas da penteadeira e retirou lá de dentro uma caixinha de joias, que estendeu em minha direção.
Surpresa por nunca ter encontrado aquela caixinha ali antes, a recebi e abri. Dentre todas as peças, que cintilavam sob a suave luz do lustre, escolhi uma delicada gargantilha de ouro com um pingente de correntinhas douradas presas a uma pérola, dando à peça o formato de uma gota, e brincos combinando.
Às cinco e quarenta e cinco, dispensei – sob protestos – as duas criadas mais novas e fui para a sacada enquanto Lucia limpava o banheiro. Precisava ficar sozinha. Uma onda de ansiedade havia me acometido repentinamente e eu me sentia sufocada. Apoiada no beiral, respirei fundo seguidas vezes, deixando que o ar morno do início da noite preenchesse meus pulmões e mentalizei um campo com grama verde e cintilante iluminada pelo sol e balançada pelo vento.
Não melhorou.
Eu não sabia precisar quando aquilo havia começado nem quantas vezes já tinha acontecido, mas havia momentos em que eu ficava tão ansiosa que tudo que conseguia fazer era me encolher em algum lugar com as mãos suando, a respiração sufocada, a mente infestada de temores irracionais e lágrimas sem motivo borrando minha face. Drica nunca havia me visto daquele jeito, mas Maysa sim, e eu só torcia para que ela nunca tivesse compartilhado a cena com a mãe ou a irmã.
Felizmente, daquela vez eu não estava tão mal e era capaz de pensar claramente. Comecei, então, a pensar em tudo que poderia estar me incomodando, tentando me acalmar.
Eu não tinha medo de falar com o príncipe e aquilo era apenas um encontro bobo para que ele cumprisse os deveres da Seleção, certo? Não havia motivos para achar que ele tentaria fazer qualquer coisa inadequada comigo, haveria guardas e, provavelmente, câmeras na biblioteca, afinal aquilo tudo também serviria para entreter a população, depois. E o príncipe não iria me eliminar, iria?
Nova onda de ansiedade. Era isso.
Eu não queria ser eliminada. A vida no palácio era boa demais para mim. Eu estava me acostumando a ter uma cama macia e confortável, roupas sob medida e refeições fartas e nas horas certas. Eu estava acostumada a ter as criadas me fazendo companhia e – ainda que eu reclamasse – cuidando de mim.
Eu não queria voltar para o meu inferno particular.
Suspirei e três batidas na porta fizeram com que eu pulasse de susto e meus batimentos cardíacos acelerassem perigosamente. Tentei manter a calma enquanto caminhava até a porta e a abria.
"Olá, senhorita Vidya!", disse o príncipe com um sorriso educado.
"Olá!", respondi, afastando-me um passo para trás para o caso de ele querer entrar no quarto. Não quis.
"Onde estão suas criadas?", indagou observando o cômodo.
"Eu as dispensei, mas Lucia está arrumando o banheiro", respondi afastando a pequena decepção por não ter sido elogiada.
"Oh, certo. Então vamos", ele estendeu o braço para mim e eu o enlacei, mantendo uma distância aceitável e tentando não parecer tensa.
Caminhamos em silêncio até a biblioteca e eu me perguntei o que diabos ele queria com aquele encontro se nem ao menos era capaz de começar uma conversa.
Para o meu alívio, chegamos ao primeiro andar sem que eu causasse qualquer acidente envolvendo aquele vestido e meus sapatos. Caminhamos em direção às portas que eu já conhecida e então o príncipe finalmente falou.
"Quando você veio aqui, qual era seu objetivo?"
Por um segundo, não entendi a pergunta e franzi o cenho confusa. Então percebi que se referia à biblioteca.
Como é mesmo que ele sabia daquilo?
"Ah. Bem... eu queria fugir do baile", falei enquanto ele empurrava a grande porta de madeira e desenlaçava seu braço do meu para que eu entrasse primeiro.
O príncipe olhou para mim com um sorriso divertido após fechar a porta, parecendo mil vezes mais à vontade do que estivera antes de entrar ali.
"Então você gosta de se esconder? Pelo que ouvi você é a selecionada que menos vai ao Salão das Mulheres e também a que menos fala."
Sorri sem graça, como uma criança que teve uma traquinagem descoberta.
"Bem... eu acho que vo... perdão, Sua Alteza ouve de muitas coisas" devolvi, unindo minhas mãos nas costas.
Arthur riu e puxou a barra do uniforme para baixo.
"Considerando que eu sou o príncipe, eu realmente ouço muitas coisas. Especialmente quando quero."
Semicerrei os olhos e inclinei levemente a cabeça, ainda o encarando. Ele tinha acabado de dizer que tinha procurado ouvir a meu respeito?
"Gosta de ler, senhorita Vydia?", ele mudou de assunto e novamente estendendo o braço para que eu o enlaçasse, o que eu fiz relutantemente.
"Gosto, Alteza", respondi.
"Que tipo de livro?", indagou enquanto caminhávamos entre o labirinto de estantes repletas de volumes
"Poesia, contos, romances..."
De repente, o príncipe parou e me encarou com o cenho franzido, como se tentasse entender um enigma.
"Shakespeare?", indagou.
"Romeu e Julieta é um clássico, mas eu prefiro Hamlet", respondi com um sorriso contido.
"Interessante...", e continuou a caminhar.
Foi a minha vez de franzir o cenho. Ele era bem estranho.
De repente, as estantes de livros acabaram, dando lugar a uma mesa repleta de iguarias que fizeram meu estômago clamar por atenção. Contive um suspiro e ergui o olhar para o lustre acima de nós, que lançava pelo lugar uma luz suave e refletia pequenos pontos luminosos. Fui guiada suavemente até minha cadeira e observei o príncipe acomodar-se com elegância à minha frente. Eu me senti dentro de um conto de fadas.
O problema é que aquele príncipe não me parecia nada encantado.
_-*-_
"Eu nasci em Angeles, mas já viajei para a Noruega quando era mais nova. Era o país dos avós da minha mãe", respondi a uma das inúmeras perguntas do príncipe.
Ele arqueou as sobrancelhas e baixou a taça de vinho que estava a caminho de seus lábios.
"Senhorita Vidya, pode prometer que vai responder à minha próxima pergunta com sinceridade absoluta?"
Assenti franzindo o cenho. Por que parecia que eu estava em uma investigação?
"Sua família... Qual era a casta dela?"
Uma pedra de gelo se instalou em meu estômago e eu parei de comer o bolinho de canela que tinha na mão. Não gostava de falar do passado da minha família e, naquele momento, o príncipe parecia estar analisando cada detalhe do meu rosto em busca de algum sinal de que eu não falaria a verdade.
"Meu pai... ele nasceu Quatro", comecei relutante. "Ele conseguiu pagar para se tornar Dois com a produção da fazenda pouco antes que eu nascesse. Mas não era muito influente como político."
O príncipe arqueou ainda mais – se é que era possível – as sobrancelhas, incapaz de esconder a surpresa.
"Interessante."
Se ele dissesse "interessante" mais uma vez, eu ia embora dali.
"Mas você disse "era"?", prosseguiu.
"Ele morreu alguns anos atrás."
"Sinto muito."
"Posso saber o motivo das perguntas?", indaguei enquanto um criado surgia de algum ponto da biblioteca e nos servia vinho.
"Você me intriga, senhorita Vidya. Realmente", ele respondeu após um tempo enquanto degustávamos a bebida.
Foi minha vez de arquear as sobrancelhas. Eu era intrigante?
"Mas que tal um pouco de música, agora?", o príncipe mudou de assunto.
Observei atentamente seu rosto enquanto Arthur levantava-se e estendia a mão para mim. Aquele príncipe era tão misterioso que já estava me matando de curiosidade, mas eu não ia ceder, pois podia jurar que ele fazia de propósito.
"Será que me daria a honra desta dança?", ele perguntou com um sorriso torto enquanto uma melodia suave invadia o local.
Senti vontade de revirar os olhos, mas me contive.
"Acho que já ouvi essa frase antes..."
O sorriso do príncipe se alargou enquanto eu aceitava sua mão e nós começávamos a bailar pelo recinto.
"Acho que já é tarde para dizer isso, mas ainda assim direi: você está linda hoje, senhorita Vidya", Arthur falou enquanto me girava, e eu sorri, satisfeita.
Ele não era tão má companhia. E talvez eu até sentisse falta dele quando fosse embora do palácio. Mas eu não queria pensar em ir embora, então eu me permiti agir, por alguns minutos, como uma selecionada de verdade.
I'M BACK, COOKIES
Genten, hoje me deu uma luz pra essa história... Meu lado malvado tá a mil (to pior que bruxa de desenho animado) <3
(Mas esse capítulo já tava há éons em Banho Maria kkkkkk)
E esses dois: rola ou enrola? HAHA (>v<) Layla não parece estar muito a fim de papo, mas também não quer ser eliminada, como é que pode?!
Espero comments (e aquela estrelinha faceira pra alimentar a amizade tb (quem sabe eu sou menos má? Ou não... kkkkk))<3
Beijoooos
P. S.: Providenciem o colete à prova de tiros,mas só providenciem. Sei como os correios demoram a entregar (oi, livro que demorou um mês), enton estou avisando com antecedência mwehehehehe
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