Capítulo 14: Vidya e a Inquisição
Viktor saiu do meu quarto mais rápido do que eu poderia dizer Schreave, deixando-me sozinha e perplexa demais para reagir. No entanto, mal minha porta havia se fechado, ouvi novas batidas, e tive que me recompor rapidamente antes de dizer um "entre" quase sussurrado. Meus batimentos estavam acelerados pelo susto, e minhas mãos suavam; não esperava ter duas visitas em uma mesma noite. As coisas estavam ficando agitadas na toca da Lily.
"Boa noite, senhorita Vidya!"
Meu cérebro levou dois segundos para voltar a me responder. Como assim o príncipe? Como esse cara tem coragem de chegar aqui no meio da noite depois daquele fiasco com Layla no meio do corredor e de passar semanas sem sequer me dirigir a palavra?! Ele havia se esbaldado com as outras garotas e agora vinha atrás de mais uma dose de Vidyaína?
"Senhorita Vidya?", ele insistiu, aproximando-se e sacudindo a mão perto do meu rosto.
"A-ah! Alteza!", exclamei, pondo me de pé e fazendo uma mesura apressadamente. Quando me aprumei, percebi que estava perto demais do príncipe, o suficiente para sentir sua respiração em meu rosto e ver cada ponto de luz que era refletido em suas íris esverdeadas. Aturdida, tentei dar um passo para trás, mas esbarrei na cama e caí sentada, novamente, sobre o colchão.
Bela cena, Lílian, bela cena!
"Senhorita? Está bem? Seu rosto está vermelho...", Arthur franziu o cenho e ergueu a mão para tocar minha face.
"Estou ótima!"
Teimosamente, Arthur baixou minhas mãos, que eu havia erguido para impedir sua aproximação, e recostou sua palma direita sobre minha testa, fazendo meu rosto ficar ainda mais afogueado e meus batimentos cardíacos acelerarem perigosamente.
"Garanto que não tenho febre!", exclamei, segurando os pulsos do príncipe e afastando-os de mim .
"Mas senhorita-"
"Eu estou bem! Não se preocupe."
Arthur ergueu as sobrancelhas e deu um meio sorriso, como se tivesse finalmente entendido tudo.
"Poderia ser que a senhorita está... tímida?"
"É claro que não! Só estou surpresa com essa súbita visita no meio da noite!", me defendi. "E se eu estivesse dormindo?"
Arthur pareceu surpreso e baixou os olhos para minhas vestes, então foi a vez dele de ruborizar, desviando os olhos. Seu gesto me fez lembrar que eu estava usando apenas minha delicada camisola e um roupão semitransparente. Imediatamente, cruzei os braços em frente ao busto, sentindo meu rosto esquentar ainda mais.
"P-perdão senhorita" Arthur balbuciou e caminhou em direção à minha escrivaninha.
Corri para o closet e peguei o roupão menos revelador que encontrei, feito de seda lilás. Quando voltei, melhor vestida, vi Arthur com o livreto das regras de etiqueta nas mãos e um sorriso divertido no rosto. Eu odiava admitir, mas ele exalava poder por todos os poros. Sua pose ereta e suas vestes finas formavam uma imagem realmente digna de um futuro soberano. No entanto, seus cabelos cacheados apontando em todas as direções, seu olhar verde e límpido e seus sorrisos tortos contrastavam com todo o resto, pois revelavam resquícios do menino que ele um dia fora.
"A senhorita parece precisar estudar realmente muito sobre etiqueta, se me permite dizer" Arthur virou-se para mim, e eu pude ver ali o homem de humor espertinho ao qual eu estava acostumada. "Por exemplo, aqui nessa página diz que você não deve dizer não ao príncipe!"
Semicerrei os olhos e ergui uma sobrancelha. Como assim?
"Nessa outra", prosseguiu. ",diz que o príncipe tem total autoridade sobre quando irá, ou não, abordá-la no palácio."
"Isso não parece muito com regra de etiqueta durante um baile."
"E aqui", ignorou-me. ", diz que você não deve, jamais, duvidar das palavras do príncipe. Nem interrompê-lo enquanto fala."
"Pois eu duvido-"
"Mas o que me deixou intrigado foi esse anexo que encontrei no fim do livreto, pois tenho certeza de que não estava na edição original. 'Manual de Sobrevivência'?"
"Isso é pessoal!" Cruzei os braços, desafiando-o.
"Vidya, Vidya... eu já não falei que posso descobrir tudo que eu quiser?"
Estranhei o olhar dele: parecia firme e dominador, mas eu podia jurar que havia um brilho por trás... diversão? Quando me dei conta já era tarde demais, o príncipe havia me derrubado na cama e me fazia cócegas sem piedade.
"Não! Hahaha! Para com isso! Hahaha! Arthur!" protestei entre lágrimas e risos.
"Vai me contar que manual é esse?"
"Não!" E ele recomeçou a tortura. "TÁ, TÁ, EU CONTO!"
Arthur saiu de cima de mim e se sentou na cama, esperando que eu me recompusesse. Estranhei aquela intimidade toda depois de semanas sem falar comigo. Até parecia que éramos velhos amigos.
"Com uma condição!" ofeguei enquanto tentava arrumar meus cabelos.
Arthur me lançou um olhar ameaçador e eu ergui as mãos em rendição.
"Eu quero uma resposta também, só isso!"
"Tudo bem, então."
"Aquele 'manual'... é pra eu arranjar um jeito de escapar da minha... família durante o seu baile. Por sinal, vocês bem que podiam ter avisado antes de mandarem os convites, evitaria muitas inconveniências."
"A senhorita odeia tanto assim sua família?"
"Achei que a essa altura já tivesse descoberto tudo sobre mim, Alteza."
"Na verdade, achei que tivesse, mas nada do que a senhorita fala condiz com o que sei. Não me olhe assim! Meu pai exigiu que todas as garotas inseridas na Seleção fossem investigadas, para evitar que algum... que acontecesse algum problema."
Encarei o príncipe tentando ler as entrelinhas de sua afirmação, mas fui interrompida por ele.
"Por exemplo, segundo foi dito, a senhorita foi encontrada e adotada pela Sra. Donnelly quando ainda era criança. Depois de alguns anos, passou a trabalhar como criada para ela e fez amizade com o filho de um rico vizinho, que estava prometido a uma das duas filhas legítimas da Sra...."
"Pare!", implorei. Eu não podia acreditar naquilo. Drica havia manipulado a minha história inteira para que eu parecesse ser... ser...
"Senhorita?! Está chorando?!"
As lágrimas quentes haviam começado a jorrar pela minha face sem que eu notasse. Funguei e tentei, envergonhada, secar as lágrimas com as mãos. Mais uma vez eu chorava perante o príncipe.
De repente, um lenço surgiu em meu campo de visão. Ergui o olhar para o príncipe, que tinha agonia nos olhos, e aceitei o lenço com gratidão. Depois de me recompor, decidi esclarecer alguns fatos.
"Drica Donnelly não me adotou, ela é a segunda mulher do meu pai. Eu nunca fui órfã, mesmo que minha mãe tenha morrido quando eu era criança... só que, dois anos atrás, meu pai morreu durante uma viagem de negócios. E o filho do rico vizinho nunca foi prometido a nenhuma das minhas irmãs postiças. Ele é meu melhor amigo. Você provavelmente adquiriu toda essa baboseira através da própria Drica, mas é importante ressaltar que ela me odeia, sempre me odiou."
Arthur me encarava abismado, como se eu tivesse acabado de dizer que o céu era cor-de-rosa.
"Você acredita em mim... certo?", sussurrei.
"Você... você é a filha dos Donnelly?"
"Sou... conheceu minha família?"
Arthur empalideceu, depois ficou tão vermelho quanto um tomate, em seguida seu rosto adquiriu um tom esverdeado que não combinava em nada com seus olhos. Temi que pudesse vomitar a qualquer momento.
"Meu Deus do céu!" balbuciou, jogando-se de costas em minha cama.
"O que foi?!"
"É só que... agora tudo está explicado! Seu gosto por bons livros, sua excelente retórica, o fato de você valsar com maestria... você deve falar outro idioma também, não é?" indagou, voltando ao seu tom de pele usual enquanto tornava a se sentar.
"Outros três, minha avó insistiu para que eu aprendesse finlandês, além do italiano e do francês. Mas faz tempo que não pratico." Fiz uma careta, retorcendo o lenço do príncipe entre as mãos.
"Senhorita Vidya, devo confessar que esse tempo todo eu a julguei ser apenas uma criada!"
Oi?
"Não me entenda mal, eu quis dizer que, até agora, a senhorita era um mistério para mim. As criadas normalmente têm outro tipo de educação, e o fato de a senhorita agir como uma dama me confundia. Agora tudo faz sentido... quase tudo."
Encarei o lenço em minhas mãos e suspirei, pensando em tudo que Drica havia inventado e tudo que ainda seria capaz de inventar. Eu sabia que ela era cruel, mas não imaginei que fosse maquiavélica daquele jeito. O baile realmente seria uma verdadeira provação.
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Manual de Sobrevivência a Bailes:
1. Não permitir que Drica converse com pessoas influentes.
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