A Toca do Lobo

Na manhã seguinte, acordei sentindo-me mil vezes melhor. Estiquei meus braços sobre a cabeça e suspirei, olhando para a sacada. O sol do verão brilhava, fazendo as plantas parecerem ter luz própria, e os pássaros no jardim cantavam alegremente. Era quase um presságio de que aquele dia seria bom.

"Bom dia, senhorita Lílian!", disse Joyce, entrando no quarto com uma bandeja com meu café da manhã.

"Bom dia!", saudei-a com a voz rouca.

A criada aproximou-se e me ajudou a sentar na cama, depois entregou-me um copo com água, que eu bebi com satisfação. Era como se o sol estivesse me aquecendo também, tudo parecia colorido e cintilante.

Por algum motivo desconhecido, eu me sentia... feliz.

Então algo lançou um feixe de luz em meus olhos, chamando a minha atenção. Olhei para a poltrona à direita da cabeceira da minha cama e notei que havia algo dourado parecido com um broche sobre ela. Estendi a mão para pegá-lo, e, ao aproximá-lo dos olhos, notei que, na verdade, era uma abotoadura. Mas quem a teria deixado ali? Nenhuma selecionada usava aquele tipo de adereço.

Olhei para Joyce, em busca de algum sinal de que ela tinha algo a me contar, mas não encontrei nada, a criada realizava suas tarefas naturalmente. Decidi, então, guardar o pequeno objeto; em algum momento elas certamente me falariam, se soubessem quem era o dono.

Após o café, Julie veio me ajudar a tomar banho. Ela escolheu um vestido leve para que eu usasse e escovou meus cabelos pacientemente. Depois disso, Lucia chegou e pegou a pasta preta com os modelos do meu vestido de baile, levando-me, a contragosto, para a varanda. Eu não aguentava mais ficar naquela cama.

Sentamo-nos nas cadeiras brancas, e Lucia colocou a pasta aberta sobre a mesa.

"Aqui, senhorita. Como eu já havia dito, a senhorita pode mudar o que quiser nos vestidos. Mas há um desenho especial. Foi feito por alguém que pediu para não ser identificado, mas afirmou ser amigo da senhorita."

Lucia passou pelos modelos até chegar ao último, que era o único também colorido da coleção.

Era o vestido perfeito.

Eu já sabia quem o havia desenhado, reconheceria aquele traço mesmo a quilômetros de distância. Viktor era, sem dúvidas, um desenhista incrível, e eu o via praticando desde que éramos crianças, conhecia seus desenhos como aos meus.

"Vai ser esse!", afirmei sem hesitar. "Mas o tecido... conseguem encontrar um assim?"

"Claro, senhorita!" A criada sorriu, como se já esperasse por aquela escolha.

_-*-_

Eu estava de pé no meio do quarto, em cima de um banquinho que Lucia trouxera pra mim, enquanto as criadas usavam uma fita métrica para colher as minhas medidas. Para facilitar a tarefa, eu usava apenas uma camisola de seda vermelho-vinho, e meus cabelos estavam presos em um coque mal feito no topo da minha cabeça. Julie anotava as medidas em um caderninho enquanto Joyce passava a fita métrica ao meu redor e dizia os números. Lucia estava segurando algumas amostras de tecido para mim, enquanto isso, mas, por algum motivo, nenhum parecia bom o suficiente.

"Não sei... não tem um mais... mais tcha-rã, sei lá...?", indaguei enquanto gesticulava.

"Esses foram os que nós pudemos providenciar de imediato, mas vou me certificar de tentar encontrar um mais... "tcha-rã", senhorita", Lucia respondeu-me com um sorrisinho contido.

Ri, enquanto ela se afastava, e comecei a divagar. Eu teria que fazer uma entrada triunfal no baile, se quisesse ser notada, mesmo com aquele vestido. Talvez eu devesse chegar atrasada de propósito... inventaria alguma dor de estômago?

Duas batidas soaram da porta, sobressaltando a todas nós. Lucia apressou-se em atender, enquanto eu e as outras criadas espichávamos nossos pescoços para ver quem era. Após apenas alguns segundos, Lucia voltou, trazendo consigo um bilhete. Bastou ver o brilho em seus olhos e a reverência com que ela carregava o pequeno papel para que eu soubesse quem era o remetente, e, por alguma razão desconhecida, meu coração deu um salto diante dessa perspectiva.

Ordenei que meu peito se aquietasse e recebi a correspondência das mãos de Lucia ao mesmo tempo em que descia do banquinho. Então abri o bilhete e comecei a ler.

Senhorita Vidya, acompanhar-me-ia em um passeio pelo jardim? Encontro-a em seu quarto dentro de 15 minutos.

- Arthur L. Schreave

Ah, mas eu não estava acreditando. Arthur achava mesmo que eu sairia em outro encontro ridículo com ele? E logo depois daquela ceninha piegas com a Layla? De jeito nenhum!

"Senhorita?", Lucia indagou com olhos curiosos.

"Arthur acha que eu vou sair com ele depois daquela ceninha com a Layla anteontem! Não mesmo!", comecei a tagarelar caminhando pelo quarto. "Sempre manda esses bilhetes prepotentes, quem ele acha que é?! 'Passo em quinze minutos', como se eu fosse aceitar!"

Ele disse quinze minutos?

Quanto tempo o mordomo tinha levado para trazer a correspondência?

"Senhorita...", Lucia riu. "É claro que pode dizer não para o príncipe em alguns casos, mas não se espera que o faça. Aliás, ele já deve estar a caminho. O quarto de Sua Alteza é um tanto distante daqui..."

Quando percebi, já estava metida num vestido verde-água e esperava impacientemente que alguém finalmente batesse à porta.

Não que meu coração estivesse acelerado porque eu iria ver Arthur. Não mesmo. O príncipe era um ser arrogante, metido a besta, mimado e inconveniente, que saía por aí beijando as selecionadas à luz do luar. Eu só estava irritada com a falta de consideração dele com as outras garotas.

Subitamente, duas batidas suaves soaram da porta, e eu me pus de pé num reflexo. Lucia correu para atender e fez uma reverência para o príncipe, que naquele dia usava apenas uma camisa branca de mangas compridas e uma calça social: o traje mais simples em que eu já o vira.

Arthur sorriu para mim lentamente, e meu peito, que já pensava estar disputando uma maratona olímpica depois de ver as roupas do príncipe, perdeu o compasso antes de começar a tentar perfurar minhas costelas.

"Bom dia, senhorita Vidya!", disse Arthur. E meus joelhos viraram geleia em resposta.

O que diabos havia comigo?

"Bom dia!", cuspi, fazendo uma reverência rápida.

Arthur continuava sorrindo, mas agora com um traço divertido nas íris verdes, enquanto eu me punha ereta e caminhava até ele. O príncipe, então, ofereceu-me o braço, e nós saímos do quarto em silêncio. Mas, na minha mente, estava um caos.

Lílian, você não pode estar começando a se apaixonar por esse cara.

Mas eu não estou.

DIZ ISSO PRO SEU CORAÇÃO ACELERADO!

Deve ter sido só a correria pra me arrumar a tempo.

AH É? Então olha essa sua cara de boba toda vez que ele aparece.

Eu não fico com cara de boba!

Não mesmo. Nem fica à beira de um ataque de nervos.

Mas é que ele me irrita tanto!

Irrita, uh?

"Vidya? Está me ouvindo?", a voz de Arthur interrompeu meu diálogo com minha consciência.

Arfei, assustada, e olhei para ele, que me encarava com olhos curiosos. Aparentemente, o príncipe estivera falando comigo antes, mas eu não era capaz de recordar-me sequer de uma palavra.

"Hã...", articulei.

"Eu estava perguntando se você se importa de irmos para outro lugar. Começou a chover, e você ainda nem se recuperou do resfriado. Não podemos ir para o jardim."

Olhei para a janela à minha esquerda, e vi que ele estava certo. Um chuvisco havia começado a cair, impedindo o nosso passeio nos jardins.

"Então para onde vamos?", indaguei.

"Hum..." Arthur mordeu o lábio pensativamente. "Quero te mostrar uma coisa, vem comigo."

Segui o príncipe até as escadas, e então notei aonde estávamos indo: para o terceiro andar, onde ficavam os cômodos da Família Real. Permaneci em silêncio, ainda lutando contra meu dilema pessoal, enquanto passávamos por corredores cheios de guardas e de quadros retratando diferentes pessoas.

Então Arthur parou em frente a uma porta e a abriu.

"Então... bem-vinda ao meu lar!", disse ele, dando-me passagem.

E eu não pude deixar de pensar em que tipo de ovelha burra entra por livre e espontânea vontade na toca do lobo.




QUASE NÃO SAÍA HOJE KKKKKK

Bjsss *3*

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