2 de junho, 09:33 - Evan
—Mais uma vez, obrigado por me deixar ficar—, disse Carl. Ele afundou-se no banco em frente ao meu, o rosto ainda mais pálido e inchado do que o habitual. Parecia com a forma como eu me sentia: de ressaca. —Ontem à noite, depois da festa, eu não teria encontrado o vagão para me levar de volta para casa.
A sensação na base do meu crânio não era uma dor de cabeça, mais como o conceito de uma ligeira pressão a desencadear ocasionais ondas de náuseas.
—Claro—. Concentrei-me no apoio de cabeça de Carl. Qualquer coisa estacionária era melhor do que a paisagem da cidade a rolar ao longo da janela do vagão. —Foi até tarde ontem.
Carl acenou com a cabeça.
—Adorei a festa, no entanto.
—Obrigado, cara. Foi um prazer ter você e multidão—. A multidão significava quase toda a gente do instituto. —Fazer 39 anos merece uma celebração.
Carl franziu o sobrolho.
—40, quero dizer—. Levantei as minhas mãos em derrota.
Por um momento, ficamos ali sentados sem falar. Quarenta anos — eu tinha atravessado o limiar para a idade média das trevas.
—A propósito, quem era aquela tal de Vênus?— perguntou Carl.
—Vênus?— Eu soltei o nó da minha gravata, que me apertava a garganta.
—Sim, Vênus. Aquela que foi apunhalada por Helen e a sua filha quando saíram.
Senti o calor derreter-se nas minhas bochechas.
—Ela é... apenas alguém que eu conheci. Aqui, neste vagão, a propósito. Jantamos juntos, no mês passado, e convidei-a para a festa.
Carl levantou as sobrancelhas.
—E...—
E o quê? Uma boa pergunta. Tivemos uma noite agradável e cara no Mastro. Tínhamos falado de livros. Ela estava numa de não-ficção; eu estava numa de ficção. Sobre filmes. Ela gostava de thrillers; eu gostava de comédias românticas. Sobre os nossos ex-maridos. Ela tinha muitos; eu tinha uma só.
A noite tinha terminado numa despedida embaraçosa — o tipo em que ambas as partes não têm a certeza para onde as coisas se dirigem.
No dia seguinte ao do Mastro, ela tinha partido para umas férias, mas eu tinha-a convidado para a minha festa de aniversário.
Abanei a minha cabeça.
—E foi só isso.
—E é tudo? Vênus pareceu interessada em você.
—Talvez ela estivesse, não sei—. Eu encolhi os ombros. —As mulheres são impossíveis de ler—. Mas eu não acho que seja... isso.
—Isso?
—Sim, não é isso.
Carl inclinou a cabeça e levantou um canto da sua boca.
—Você sabe...— Eu não gostava do tema. —Vênus é agradável e bonita. Mas ontem, percebi que faltava algo—. Procurei por palavras. —A centelha.
—A centelha?
—Sim, a faísca que acende a fogueira—. Procurei por um símile ou uma metáfora; por algo inteligente que um homem experiente nos seus quarenta anos diria.
Depois de verificar que o terceiro homem no nosso compartimento usava auscultadores e não queria ouvir, inclinei-me para a frente e continuei, a voz baixa.
—Com a faísca, "a manhã seguinte"— Usei citações de ar. —é puro êxtase. Sem ela, é simplesmente embaraçosa.
Carl riu-se, depois estendeu as mãos.
—Sabe o que mais? Dá um tempo a si mesmo. Aproveite Vênus, mesmo que seja para uma parada temporária. Há planetas piores para aterrizar.
Uma parada temporária?
Não, eu não estava interessado em paradas temporárias. A única parada que me poderia interessar neste momento era uma parada para a agitação nas minhas entranhas.
Carl sorriu.
—De qualquer modo, Helen não ficou contente por ver uma mulher que não conhecia a vir à sua festa.
Eu encolhi os ombros.
—A faísca de Helen, pelo menos, também desapareceu—, disse ele. —Boa viagem.
Isso era verdade? Foi difícil de dizer. Mas será que precisávamos dela se tivéssemos a Janice? Se nos reuníssemos de novo teria um propósito?
Tirei os meus óculos e limpei a cara.
Ao colocá-los de volta no meu nariz, o meu olhar passou do sorriso de Carl para a mulher com a espada no vagão seguinte e de volta para o homem com os auscultadores.
Espera. Uma mulher com uma espada?
Certo, ali estava ela, a sorrir para mim através das duas janelas.
Com os dentes encarcerados..
Ela!
Ela olhou diretamente para mim enquanto segurava uma grande espada larga, como se estivesse prestes a bater nos seus inimigos.
Os seus ombros nus brilhavam num branco perolado entre a sua cabeleira selvagem e negra e um corpete vermelho e dourado. Uma faixa de metal na cabeça se agarrava à testa, brilhando ao sol.
Uau, que visão. Ela lembrou-me de alguém. Uma personagem de jogo?
De qualquer modo, ela estava espectacular. Dei-lhe um duplo polegar para cima.
O seu sorriso alargou-se.
Ela disse algo. Podia ter sido qualquer coisa, como te amo, foda-se ou obrigada.
—Uau! Conhece a Mulher Maravilha?— Os olhos de Carl estavam bem abertos enquanto ele olhava para ela.
A Mulher Maravilha, aquele novo filme. Era assim que ela estava vestida.
—Olá?— Carl acenou com a palma da mão em frente da minha cara. —Terra para Evan!
—Hã?
—Estava perguntando se conhecia a Mulher Maravilha—. Ele gesticulou o seu polegar para ela.
—Eu...— Sangue correu para as minhas bochechas, e eu movi uma mão através do meu cabelo. —Sim, mais ou menos.
—Mais ou menos?
—Já a vi algumas vezes. Bem, não como a Mulher Maravilha. Por vezes, o cabelo dela é verde ou azul. Ela está no vagão que vai para norte, e eu estou neste.
—Verde ou azul?— Carl riu-se. —Conhece senhoras interessantes nos seus deslocamentos.
Ela ainda segurava aquela espada em vigília silenciosa e eu me perguntava quão pesada ela era.
—Esse olhar na tua cara... Estás apaixonado por ela, admite—. Carl sentou-se e cruzou os seus braços.
Estava? Apaixonado?
—Olha para aquela espada—, disse eu. —Quem não se apaixonaria por uma espada daquelas?
E eu era bom em me desviar de perguntas inquisitivas. Carl era demasiado intrometido.
—Vejo que sim. Vai por ela, então. Dá o teu número.
Eu abanei a cabeça.
—Ela está noiva ou casada ou algo assim. Eu a vi com o seu amante.
—Merda.— O Carl esfregou o queixo.
Sim, isso resumia muito bem.
Eu forcei o meu olhar para longe dos traços inchados de Carl, procurando, em vez disso, os dela.
Outra Mulher Maravilha tinha-se juntado a ela. Aquela era menor, uma Menina Maravilha, mas ela usava o mesmo tipo de roupa. Elas falavam uma com a outra.
Se vestir de Mulher Maravilha devia ser moda entre as meninas.
A minha Mulher Maravilha levantou-se.
Bem, eu sabia que ela não era a minha Mulher Maravilha, mas em certo sentido, parecia assim.
Eu nunca a tinha visto de pé antes. Uma saia azul escura, perturbadoramente curta, revelou pernas perturbadoramente longas.
Naquele momento, o seu vagão embicou para a frente — apenas alguns centímetros — e parou novamente. O movimento fê-la perder o equilíbrio. Ela fez um gesto selvagem, mandando a sua espada voar. Uma das suas longas pernas apareceu, quase chutando um passageiro com uma bota vermelha e dourada. Depois ela caiu, desaparecendo da vista.
—Oops!— disse Carl.
A Menina Maravilha segurou uma mão sobre a sua boca enquanto olhava fixamente para a sua companheira abatida.
Uma heroína morta numa batalha feroz. Esperava que não.
O seu vagão voltou a mover-se, desta vez para sempre, e a cena foi levada.
—Um herói caído—. Carl riu-se.
Um anjo caído.
—Talvez seja melhor ires para Vênus—, disse ele. —Mulheres desequilibradas podem ser uma dor. A vida é um compromisso.
Talvez fosse. Mas eu não queria me comprometer.
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