Confronto

Do topo da Torre do Mundo, Servo podia observar Crejave, outrora barrenta, agora em tonalidades verdes e azuis. Na seção sul, estava o estaleiro no qual o  exército de robôs de Servo construiu uma gigantesca nave de batalha: o cruzador Dracônia. Servo despediu-se de Ayuve e lhe deixou como legado Indi, o computador central da torre, e milhares de robôs operários para auxiliá-los a reconstruir uma civilização tecnológica, caso desejassem. Ayuve foi instruído por Servo e recebeu as senhas para controlar Indi através de comando de voz. Para  Ayuve e seu povo, que não tinha educação formal em ciências, tudo que podia fazer era solicitar a ajuda de Indi, que os atendia, sempre que possível. Servo deixou Crejave para trás com esperança de que um futuro melhor pudesse surgir.

A viagem até o Planeta Imperial foi relativamente curta. Servo executou milhares de simulações em Indi. Agora é tudo ou nada. Preciso eliminá-lo causando poucas mortes. Do seu lado, toda sua frota era composta por dracomecanos e naves de lançamento não tripuladas. Do lado do inimigo, assumiu que a maioria do contingente militar de defesa do Planeta Imperial também era mecanizado e de controle autômato. Na realidade, todo contingente que levava consigo não passava de uma distração para encobrir de seu maior trunfo: A Meteorito.

Servo baseou-se no projeto dos dracomecanos para criar esta nave que ele próprio pilotaria. A Dracônia saiu da velocidade hiperespacial nas proximidades do planeta. Servo adentrou a cápsula de pilotagem da Meteorito. De volta ao ovo. Servo imergiu no denso líquido anti-inercial vermelho e viscoso. A meteorito estava pronta para ser disparada pelo canhão de aceleração da Dracônia. Seria injetado para dentro da órbita do Planeta Imperial.

Ao contrário do que se pensava, a capital do Império não era muito populosa ou densamente ocupada. Era um legado da cultura dos Celestiais, que aprenderam a explorar os recursos planetários de modo sustentável. Havia apenas uma grande cidade, Ceres, de onde o usurpador governava a galáxia.

Raegir, o usurpador, conquistou o Planeta Imperial quando as defesas eram praticamente nulas, uma vez que uma ataque ali era algo impensável. Logo após a conquista, as defesas estabelecidas por Raegir aumentaram, mas com o tempo, também definharam por causa da falta de ameaças.

Quando a Dracônia surgiu no espaço orbital, foi detectada e apontada como uma ameaça. Naves defensoras vieram interceptá-la. Aí vai a isca. Servo lançou os dracomecanos através dos hangares frontais, laterais e traseiros, aos milhares. O efeito no radar do inimigo foi semelhante ao do surgimento de um enxame de insetos. A Dracônia freou e manobrou numa longa curva afastando-se de sua frota. A batalha espacial teve início e a Dracônia ficou fora do confronto. Os defensores estavam em desvantagem, mas logo, reforços chegavam vindos de bases ao redor do planeta. Enquanto a batalha se desenrolava, Servo ajustou a nave para o lançamento principal. Assim que obteve ângulo para disparar contra Ceres, ativou o grande acelerador. As luzes do tubo de lançamento se acenderam formando uma estrada luminosa que se fundia num único ponto adiante, ao longo dos três quilômetros de cumprimento da Dracônia. De olhos fechados, recebia as informações diretamente em suas lentes de contato com imagens em alta resolução.

A Meteorito acelerou apoiada no trilho magnético e no momento do disparo, aceleração era tamanha que a despeito do líquido anti-inercial, fez Servo desmaiar. Durante a entrada atmosférica a velocidade diminuiu e drogas foram injetadas em Servo para que despertasse. Sentiu-se enjoado. Mísseis terra-ar vieram a seu encontro, mas não conseguiam transpor o campo de força oval que protegia o dracomecano. No interior, o dragão sentia apenas leves trepidações quando a nave atravessava a nuvem de mísseis. Fumaça e fogo das explosões seguiam o avanço da nave. Da superfície, seu avanço era visto como se fosse um meteorito que se desfazia ao penetrar a atmosfera.

Servo avistou o Palácio Imperial e sua grande cúpula prateada através dos sensores telescópicos. É hora de desacelerar. Motores internos fizeram as pernas e cauda do dracomecano girarem para frente, depois disso a cabeça e asas se projetaram para fora do núcleo. A máquina podia ser vista por completo, todo seu metal havia sido coberto por tinta negra fosca. As duas turbinas emitiam jatos de fogo azulado contra o sentido da queda. Depois de quebrar a velocidade hipersônica as turbinas voltaram a girar e a nave voava como um avião à jato sustentado por suas enormes asas negras. Servo disparou um par de mísseis contra a cúpula da cidade. A explosão foi o primeiro sinal de que o ataque, detectado a pouco menos de uma hora, havia chegado à superfície. Poucos já sabiam do ataque e ninguém sabia quem eram os atacantes.

Servo penetrou a cúpula voando em modo de flutuação, com uma dezena de micro turbinas jateando e girando para prover uma movimentação suave e fluida, como a de uma libélula. No grande salão, onde antigamente o congresso se reunia, encontrou o imperador algumas dúzias de altos oficiais.

- Quem é você e o que quer? - indagou o imperador, que era uma versão mais jovem de Servo, com pelagem amarelada e escamas em tonalidade mais clara e reluzente.

- Sou a origem e o fim - respondeu o dragão numa voz robotizada e sintetizada - Fui um Deus e mestre. Agora, um humilde servo dos pequeninos.

Mas já? Chegaram dois dracomecanos defensores da Guarda Imperial. Pintados de vermelho e branco atacaram o esguio e alto mecano de Servo. O escudo de força tornou tais ataques inúteis. Tomem isso! Da boca da Meteorito rajadas de plasma amarelo e branco jorraram contra os inimigos que tiveram as carapaças metálicas perfuradas e caíram num rastro de fumaça com as partes internas explodindo. A Meteorito era muito mais avançada que os dracomecanos antigos.

- É hora de partir, sangue do meu sangue. É hora de nossa raça, maldita e poderosa, deixar de existir!

Servo acionou o jato de plasma contra o usurpador de seus genes, de seu nome e de sua identidade. Atingido, seu corpo não queimou, mas sim, explodiu. Era uma máquina. A réplica havia enganado os sensores da Meteorito. O revestimento era orgânico e o padrão de calor emitido era congruente com o de um dragão vivo. Um robô? Engenhoso...

Mais dracomecanos caíram sobre Servo. Dois, cinco, quinze e foram derrubados numa batalha feroz. Tudo uma distração para avaliar o poder do inimigo e talvez identificar alguma fraqueza. Voou alto para longe daquela perda de tempo e pode ver o palácio já em ruínas.

Dúzias de inimigos o cercavam e perseguiam. Com seus sensores, buscou a localização do usurpador. Viu um dracomecano de cores vermelha e amarela decolar de um hangar distante. Os sensores confirmaram que havia um piloto e que este era um dragão. Servo partiu para perseguição, mas foi seguido por um enxame de dracomecanos imperiais.

A ponta da cauda da Meteorito desprendeu-se e rumou contra os perseguidores. O míssil de potência micronuclear engolfou o enxame numa explosão colossal de puro brilho branco que se espalhou numa linha horizontal semelhante ao nascimento de uma estrela. O cogumelo de chamas amareladas e fumaça negra ergueu-se atrás da Meteorito que escapou da explosão ao atingir velocidade hipersônica.

O imperador Raegir fugiu sobrevoando um exótico e imenso mar de águas verdes fosforescentes. Servo disparou rajadas de plasma contra o inimigo que se desviou sem maiores dificuldades. Cansado de fugir, Raegir manobrou a nave para o alto e mudou a conformação da nave para assumir a forma de dragão. Dúzias de mísseis foram lançados deixando rastros de fumaça branca em linhas curvas que se afastavam e depois convergiram contra o mecano de Servo. Múltiplas explosões desestabilizaram o voo jogando a Meteorito para dentro da água numa explosão de gotas fosforescentes. Servo manobrou sobre a água e também assumiu a conformação de dragão. Emergiu com a água bacteriana brilhante escorrendo por entre os sulcos do metal negro.

A nave de Raegir disparou ruído eletromagnético em múltiplas frequências contra a Meteorito. Os sistemas da nave oscilaram e o usurpador viu o escudo de força trepidar. Ele disparou um par de raios laser contra a Meteorito e uma fração destes riscou a armadura negra produzindo duas linhas alaranjadas de metal fundido fumegante. Servo disparou plasma, mas Raegir desviou-se facilmente. A interface de controle da máquina de Raegir era psíquica conferindo a ele comando limpo e veloz sobre seus movimentos.

Avançaram um contra o outro para um combate corpo-a-corpo. Raegir mordeu o braço do mecano de Servo e este atacou o tronco. Os dentes pontiagudos da Meteorito chegaram até o cockpit de Raegir. Um deles rasgou sua perna causando dor aguda e pujante. Ao passo que Raegir arrancou o braço da Meteorito com um puxão. Maldito! Ambos perderam a estabilidade e caíram nas águas verdejantes se separando no processo.

A água invadiu o cockpit do Imperador-Deus. Teria que sair, mas antes de concretizar seus planos, as pernas da máquina foram agarradas pelo braço e boca da Meteorito. Vem cá! Você vai fritar! Servo direcionou os jatos quentes das turbunas das pernas da Meteorito contra o corpo do Dracomecano Imperial. A água ao redor borbulhava e se aquecia rapidamente. Raegir segurou o fôlego, mas sabia que se não reagisse, seria cozido em dois tempos. Voltou-se para o pescoço da meteorito, agora vulnerável, e o partiu com uma forte mordida da mandíbula de metal e dentes de diamante de seu mecano. Raegir conseguir acionar a ejeção e num estouro oco, foi projetado pelas costas do veículo e nadou para a superfície.

Os controles não respondem… A Meteorito, atracada à máquina de Raegir desceu ao fundo rodopiando. Servo ejetou o Ovo, ainda intacto. A cápsula emergiu lentamente até a superfície quando abriu-se derramando o líquido vermelho e pastoso na água verde.

De relance, o imperador viu o líquido rubro e escuro. Acreditou ser sangue. Suspirou aliviado julgando ter vencido a batalha. Mas logo percebeu seu engano. Servo equilibrou-se na cápsula que flutuava como um bote e sacudiu as asas. Raegir viu sua própria imagem, velha e caquética e riu alto.

- Voltou para dar cabo de sua cria, não é mesmo, Servo? Por que não aproveita enquanto ainda vive para declarar lealdade a mim? Sirva-me e eu o pouparei.

Servo rugiu - Usurpador maldito! Eu perdoo seus crimes e os crimes de nossa raça, pois eu mesmo já senti os impulsos da conquista ferver em meu próprio sangue.

- Então venha comigo Servo, vamos achar mais mundos para conquistar. Venha cumprir seu propósito ao meu lado. Eu lhe devo minha vida, não posso lhe oferecer menos que isso!

- Não usurpador. Isso tudo acaba hoje. Tem que acabar hoje. - Servo tirou uma metralhadora de alto calibre da cápsula e disparou uma rajada barulhenta contra Raegir.

O imperador mergulhou para escapar. Diferente de Servo, ele era um ótimo nadador. Passou bons anos praticando nos vastos mares do Planeta Imperial. Uma de suas manobras favoritas era subir em alta velocidade e alçar voo depois de romper a superfície d’água. Fez isso, dando ao mesmo tempo um bote em Servo. Mordeu-o no pescoço e subiu. Servo fingiu desfalecer e perder as forças. Raegir liberou-o de sua mordida que havia provocado um ferimento mortal, mas Servo ainda tinha uns poucos momentos antes de sua vida se esvair por completo. Raegir carregou a carcaça de Servo com as patas traseiras.

O imperador disse com desprezo amargo - Seu tolo! Devia ter aceitado minha proposta. Era uma oferta sincera.

Eu esperava por este momento… Servo apoiou as unas trêmulas sobre o mecanismo em seu cinturão. Duas luzes verdes se acenderam no pequeno cilindro e piscaram até ficar vermelhas. Enfim, o adeus. A explosão foi poderosa e espalhou os pedaços de ambos nas águas verdes e exóticas do mar. Era o fim da raça dos draconianos.

Servo morreu sentindo que havia cumprido sua missão. Finalmente, depois de tantos anos, encontrou a motivação correta para acabar com sua própria vida. Algo, que se tivesse feito há muitos anos atrás, teria poupado a galáxia de muitas guerras e mortes. No final das contas, algumas raças pareciam surgir apenas para conquistar e dominar outras mais fracas e com tal procedimento, fatalmente exterminavam a si próprias, cedo, ou tarde.

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