27

 Comecei a ouvir passos mais próximos, me fazendo o olhar na direção do barulho. Era apenas um arqueiro, mas que estava trêmulo vendo um caçador morto, o outro agonizando de dor e a lâmina da espada quebrada na grama. Reparei que balançou a cabeça em negativa e respirou fundo antes de ajeitar a flecha, tentando estabilizar o arco para mirar em alguém. 

Antes de conseguir atirar, o corvo arranhou uma das mãos do rapaz e aproveitou a distração dele para virar humano, acertando-o nas costas com a adaga que carregava na cintura. Antony engoliu em seco outra vez enquanto Avren se reaproximava, porém este parou um instante. Olhou para o caçador que ainda se contorcia de dor e com as mãos ensanguentadas.

— P-por favor... — O homem não teve tempo de terminar a frase. A garganta fora cortada e os últimos gritos de dor foram em sua própria poça de sangue. 

Não me parecia o mesmo Avren enquanto matava o caçador e tampouco enquanto se livrava do arqueiro. Havia algo em seus olhos que me dava vontade de correr para longe. Era como se ele quisesse mais e estivesse se divertindo com a carnificina. Antony ficou paralisado e a metade da espada em suas mãos finalmente caiu na grama. Estava tremendo e em sua testa o suor começava a brotar.

— Enfim posso cuidar de você sem ninguém me atrapalhar. — Os olhos de Avren brilhavam enquanto alternava olhares entre sua próxima vítima e a adaga — Devo matá-lo com a adaga ou deixar o "saco de penas" lhe garantir um fim lento e doloroso? O que gostaria de perder primeiro? — Ele ficou em silêncio, olhando para Antony de alto a baixo antes de continuar, com um sorriso predatório: — Talvez seja melhor começar pelos olhos, como punição por ter me olhado com tanto desprezo esse tempo todo. Bem, permitirei que o corvo termine o que começou.

O loiro começou a dar os primeiros passos para trás, sem saber o que fazer. Aparentemente não conseguia gritar ou correr pelo terror.

— Não tenha medo de mim, estou apenas cumprindo meu dever. Afinal, onde há corvos, há cadáveres, não é? Vamos apressar as coisas, por favor. Ainda quero empalhar a cabeça de seu pai o quanto antes. — Avren falava com frieza e ao mesmo tempo com um grande desejo de fazer o que disse. 

Olhando para ele, era como se a pessoa que conheci jamais tivesse existido, como se algo ou alguém estivesse se apossando do corpo dele naquele instante. No entanto, eu sabia que o rapaz que me abrigou e cuidou de mim com tanto apreço estava em pleno controle de suas ações. Não tinha como negar que homem com o olhar mais gentil de todos também possuía o olhar mais amedrontador de todos. Parecia até duas pessoas dividindo o mesmo corpo. 

Antony aumentava os passos para trás, balbuciando coisas ininteligíveis até tropeçar na raiz de uma árvore e cair de costas.

— Eu retiro... tudo o que disse sobre você... Por favor, tenha piedade.

— Cale a boca. Tenho nojo de tipos como você que passam de corajosos a vermes em segundos quando são desarmados. É patético.

Os passos de Avren apressaram e a adaga ensanguentada ainda estava em sua mão esquerda. Ao mesmo tempo, na entrada da floresta, pude ver um homem com um punhal bem afiado caminhando cuidadosamente entre as folhagens na direção dele.

— Avren!

Ele não respondia. Sequer olhava na minha direção. Seu foco em matar Antony era tanto que parecia não perceber mais nada ao redor. Enquanto isso, o homem se aproximava mais, me permitindo reconhecer o rosto do meu pai e um nó subiu à garganta. Avren estava segurando sua presa pelo colarinho da camisa, levantando a mão para dar um golpe, mas o punhal do meu pai estava a caminho de suas costas naquele instante.

E eu não ficaria apenas assistindo.

A lâmina rasgou minha carne e ficou enterrada nas costas, me obrigando a abraçar Avren com firmeza para não cair. Ele soltou Antony e vi sua adaga voar a milímetros da minha cabeça para depois ouvir o grito do meu pai. Não olhei para trás, pois a dor não me permitia e eu nem mesmo queria ver o que tinha acontecido.

— Serene... Eu sinto muito.

Pelo brilho de tristeza e dor em seu olhar, entendi que voltou a ser o homem que eu amava. Me pegou nos braços, seguindo para longe dali e tirou o punhal das minhas costas, o atirando longe antes de sentar na grama comigo no colo. Senti a roupa grudada em mim pelo sangue que saía do corte, fazendo os sentidos me abandonarem pouco a pouco pela dor. As lágrimas turvavam a visão e mal via o rosto do meu amado.

— O ferimento foi profundo. — Sua voz parecia um sussurro distante — Não tenho como tratá-lo aqui e o caminho de volta para casa é longo, de qualquer forma você não vai aguentar por conta do sangramento. — Ele estreitou os braços ao meu redor ao máximo — A culpa é minha. Prometi que não te machucariam e veja só... Espero que possa me perdoar em algum momento.

A fraqueza tomava conta de mim, porém reuni forças para acariciar seu rosto um breve instante.

— Eu te amo. — Foi a única coisa que consegui dizer.

— Eu também te amo, mais do que pode imaginar. — Avren segurou meu queixo e mal pude sentir seu beijo antes que minha visão escurecesse por completo.

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