18

— E então?

Mostrei a corrente para ele e devolvi a adaga.

— Me deram isso como forma de agradecimento. Disseram que qualquer coisa que eu precisar posso pedir como recompensa.

— No fim das contas, acho que julguei mal aquela palerma. — Ele deu um suspiro — Espero que o rei se recupere logo, do contrário estaremos em maus lençóis, mais do que agora.

— Sim.

Caminhamos lado a lado, em silêncio. A atmosfera não era incômoda, mas ainda assim parecia diferente, de uma maneira que não consegui explicar e nem entender. Avren olhava ao redor o tempo todo até chegarmos novamente à bifurcação, onde ouvimos sons de folhas sendo esmagadas atrás de nós.

— Ora, ora, ora. Então era verdade que havia um corvo por aqui.

Era o Segundo Cardeal, acompanhado de dois camponeses armados. Um carregava um arco e o outro uma arma de fogo, sendo o portador do rifle quem me viu na cidade quando comprei os ingredientes para o bolo. Avren me passou para trás de si, tirando a adaga do cinto em seguida. Não conseguia entender por que o religioso havia dito aquilo sobre o corvo, pois o pássaro nem estava conosco.

— É bom ver você, Avren.

— Não quero saber de seus cumprimentos. Se quiser Serene, vai ter que passar por mim primeiro.

— Então o demônio vai lutar pela bruxa? Que tocante... mas estou aqui para negociar pacificamente.

— E no entanto trouxe dois homens armados com você.

— Eles são uma... precaução. Pode tirar a menina debaixo das suas asas, garoto. — Brasjen sorriu com aquela frase e pensei ter começado a encaixar as peças — Não vou feri-la.

Avren apenas deu um passo para o lado, de forma a me deixar exposta alguns centímetros a mais. No entanto, a adaga estava pronta para reagir em suas mãos e seu olhar se mantinha fixo no cardeal.

— Minha querida, primeiro quero lamentar e pedir desculpas pela grosseria de meu filho, seu futuro noivo. No entanto, ele já recebeu a punição por seus atos através das garras de um corvo, imagino que já deve ser de seu conhecimento.

Garras de um corvo? Avren me disse que ele o tinha ferido pessoalmente, não disse nada sobre o corvo.

— E, por isso... — O cardeal continuou. — Gostaria de propor novamente a oferta de casamento em troca da resolução de todo o mal-entendido sobre você ser uma bruxa. Tudo voltará a ser como antes, tem a minha palavra.

— Sinto muito, Vossa Eminência, prefiro continuar como estou.

— Seus pais estão aflitos e não dormem há dias por causa de sua fuga. Tem certeza do que deseja?

— Lamento, mas não vou mudar de ideia.

Ele estreitou os olhos.

— Será que é por que está apaixonada pelo demônio?

Fiquei em silêncio. Não me considerava apaixonada, contudo era verdade que nutri algum apego pelo fato de Avren estar sempre presente para me ajudar desde quando nos conhecemos. Encontrei nele um apoio que nunca tive e não teria nunca mais.

— E, pelo tanto que ele teme por você, vejo que é recíproco... — Brasjen alternava olhares entre nós dois, balançando a cabeça em reprovação — Lamentável. Realmente uma perda muito grande dedicar seus sentimentos a um demônio, minha jovem.

— Na verdade, me comprometer a amar e respeitar vosso filho é que realmente seria uma perda muito grande.

Pensei ter visto um meio sorriso do "demônio", porém estava concentrada na reação do cardeal. Ele me encarou com expressão sombria e virou o rosto na direção dos camponeses. Dei um passo para trás e Avren me empurrou, dizendo para que eu corresse o mais depressa que podia até chegar em casa.

E foi o que fiz. Corri desesperadamente, ouvindo tiros e gritos furiosos atrás de mim. Folhas e gravetos sendo esmagados faziam arrepios percorrerem minha espinha junto ao desespero de tentar sobreviver.

O corvo apareceu ao meu lado, com as patas sujas de sangue que eu sabia não ser dele. Voava baixo, sempre perto de mim e de quando em quando voltava para trás, trazendo mais sangue em suas garras e novos tiros. Engoli sem seco, pois aquele caminho parecia interminável. Não me lembrava de ter caminhado tanto enquanto estava na companhia de Amira.

Um grasnado agudo feriu meus ouvidos e vi penas e sangue no chão. Uma flecha atingiu em cheio a asa direita do corvo, que perdeu o controle e ia cair, mas mudei o caminho para segurá-lo em meus braços. Não me arrependi de tomar aquela decisão e a última coisa que ouvi foram zumbidos depois de uma forte dor na cabeça e nas costas.

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