CAPÍTULO 11

UMA LIGAÇÃO DO DIABO

O dia amanheceu nublado. Carlo suspirou resignado, já que seus planos era dar uma volta, antes de terminar os capítulos.

Sentia que viria mais cartas, mas não fazia ideia de como ou quando "Thom" entraria em contato.

Olhou no interior da caixa e pegou o outro embrulho, com as tais "lembranças" mórbidas. Estava curioso e ao mesmo tempo com medo. Pegou o menor deles e, sem mais esperanças que o dia iria melhorar, foi até a cozinha, com o pacotinho nas mãos, procurou uma tesoura e decidiu abrir.

Já não se assustava com mais nada que vinha do psicopata anônimo, que apelidou de Thom. Vai saber se Thomas era realmente o nome verdadeiro?

Como muito cuidado, foi cortando as inúmeras fitas adesivas que circundavam o pacotinho pardo. Lembrou-se de usar um par de luvas descartáveis, no caso de ser algo das possíveis vítimas.

Com todo o cuidado, foi retirando os pedaços de fita e depositando em um saquinho limpo. Levou um tempo considerável para tirar toda a fita que estava bem grudada, sem danificar o papel. Ao terminar, trancou a respiração e foi desenrolando devagar. Levou até o nariz, para sentir algum cheiro peculiar.

Nada. Nenhum odor desagradável ou conhecido, fora o do próprio papel de embrulho. Desembrulhou, até chegar em outro embrulho menor, de plástico bolha. Olhou em volta, apalpou levemente, cheirou de novo.

Com a ponta da tesoura, fez um pequeno corte no plástico, quando foi interrompido pelo telefone. Levantou-se, guardando tudo numa das gavetas da ilha e foi atender, já desconfiava quem seria. Seu editor, Otaviano.

[- Alô?]

[- É o meu escritor predileto?]

[- Não sei lhe dizer, senhor. Deve ter ligado para o número errado. Não?]

Riu.

[- Com certeza, não errei! Recebi as sinopses! Maravilhoso! Amei! Amei! Você se superou, Carlito! Eu prometo não incomodar mais, ok? Não quero perturbar o artista!]

Carlo revirou os olhos. Conhecia já aquele papo e sabia bem onde iria terminar.

[- Ótimo! Porque preciso de solidão e me aprofundar mais no ápice da história. Estou pensando seriamente em tirar o telefone do gancho...]

Silêncio.

[- Otaviano?]

[- Estou aqui. Não lembro de quando fizesse algo assim.]

[- Nunca fiz. Por esta razão, estou avisando. É uma história mais complexa e já tive tantas interrupções que estou pensando seriamente em me isolar mesmo!]

[- Faça isto! Mais uma vez, meus parabéns, Carlo! Você é top!!]

[- Obrigado, Otaviano. Agora, se me der licença...]

[- Claro! Claro! Até mais, meu amigo!]

[- Até e, obrigado!]

Desligou, indo para a cozinha, terminar de onde parou. Sentou, abrindo a gaveta, tirando de lá o embrulho e a tesoura. Se irritou ao perceber que havia atendido o telefone com as luvas, maculando qualquer vestígio. Tirou-as, colocando no saco e pegando um novo par.

Se preparou todo, empertigado. Foi cortando delicadamente e ao chegar no final do plástico, trancou a respiração. Sentia o suor descer pelas têmporas, tal era sua expectativa e temor.

Foi abrindo as várias camadas do plástico, como se fosse pétalas de uma flor.

Nada do que já escrevera em suas obras, preparou Carlo para o que viu no seu interior do embrulho.

Um pássaro empalhado!

Ficou olhando, sem saber se deveria pegar naquilo, mesmo com as luvas. Mexeu com a ponta da tesoura e percebeu que no abdômen, tinha uma costura grosseira, com linha vermelha.

"Mas que diabos é isso? ..." - Pensou, enquanto verificava se havia algo mais, no fundo da caixa.

Nada, além daquele estranho e mórbido embrulho.

Pegou o animalzinho, decidido em abrir a barriga dele, com a ponta da tesoura, foi arrebentando a costura, delicadamente para não destruir o que porventura estivesse lá dentro. Sabia que Thom não entregaria algo assim, sem um motivo, que para ele era importante.

Minutos depois, todos a costura já estava aberta. Com calma cirúrgica, abriu o peito endurecido do pássaro e sorriu. Não se enganara. Lá dentro, um papel dobrado em quatro partes.

Afastou o pequeno cadáver e se concentrou no papel, que parecia ser um cartão de visitas, pelo formato e qualidade do material.

Ao ler, ficou paralisado. Era um cartão de visita todo rasurado com tinta. Não dava para identificar de quem seria, mas aparentemente era feminino. Atrás, a caligrafia bem-feita, dizia:

"Para que não reste mais dúvidas sobre o que venho lhe contando. Este cartão é da mãe de Oliver. Nem pense em ligar para a polícia. Sei bem que sua esposa e filhas estão sozinhas, portanto, continue o livro."

Sentiu o sangue congelar nas veias, apesar de estar do sol escaldante, lá fora.

Subiu as escadas, decidido em terminar logo e ir embora, mas antes, pegou o celular e ligou para sua esposa. A espera parecia interminável, mas o alívio veio através de um alô infantil:

[-Papai?]

[- Minha princesa! Mamãe está aí? Posso falar com ela, meu docinho?]

Sua voz denotava um certo nervosismo, mas tentava disfarçar. Ouviu a vozinha da filha gritar pela mãe, avisando que seu pai estava chamando. Aguardou.

[- Alô, amor?]

[- Lauren! Como é bom ouvir a sua voz!]

[- Nossa! Tudo isto é saudade? ]

Riu.

[- Amor, como vocês estão? Está tudo bem com vocês?]

[- Sim, querido. E seu livro? Paul já foi embora?]

- Já, já foi, sim. Me diga uma coisa, alguém estranho apareceu por aí? Ou algum número diferente ligou? Pense com calma, por favor!]

Um silêncio, fez Carlo suar as mãos.

[- Não. Nada fora do normal. O que está acontecendo, Carlo? Está me assustando!]

[- Pegue as crianças e venham pra cá? Aqui eu explico melhor.]

[- Mas, o que houve?]

[- Lauren, não dá para explicar por celular, ok? Pegue as meninas e venha logo! Te amo!]

[- Está bem, Carlo. Mas, assim que eu chegar, você terá de me explicar tudo. Beijo! Te amo também!]

Desligou.

Carlo ainda ficou segurando o celular, ouvindo as próprias batidas cardíacas. Enfiou o celular no bolso traseiro e subiu em direção ao estúdio. Iria terminar logo e mandar os capítulos para Otaviano.

Passou a manhã toda e não almoçou, para acabar mais dez capítulos restantes. Suspirou, olhando a pilha de folhas digitadas ao seu lado. Em outra situação, estaria orgulhoso de si próprio, mas o sentimento beirava ao desespero.

"Está aí, seu desgraçado! E agora? Quer que eu invente os capítulos finais ou vais continuar matando? "

Numa reação de raiva, jogou a pilha de papéis longe, espalhando tudo para todos os lados. Deu um grito de ódio puro. Tão alto que se podia ouvir além da propriedade da casa, além dos muros.

Estava jogado no sofá da sala, com uma latinha de cerveja já quente, quando o telefone tocou, tirando-o da inércia mental. Levantou-se para atender, mesmo contra sua vontade:

[- Quem é?]

Tentou controlar o tom da sua voz.

[- Olá, meu escritor favorito? Pronto para mais capítulos?]

Carlo congelou. "Não pode ser...." - Pensou.

[- Sei que estás aí, pela respiração, Carlo. Receberá mais capítulos. Retire nos Correios da cidade de onde está. E, espere receber os mais.]

[- E quantos ainda faltam? Quando vou terminar esta merda? Tenho compromissos com....]

Desligou.

[- Alô? Alô??]

Nada além do ruído característico da linha vazia.

Carlo colocou o telefone de volta, devagar. Afastou-se e sentou numa cadeira mais próxima, tentando entender como que ele entrou naquela situação. Um filme psicodélico de suspense.

"Que inferno! Onde tudo isto vai parar? " – Terminou de pensar e pegou seu bloco, anotando:

Ele sabe meu número

Ele conhece os correios

Ele conhece minha família (?)

Ele conhece meus hábitos

Me espiona?

Me conhece?

Verificar todos os detalhes. Anotar tudo

Guardou o bloco no bolso e saiu de casa, determinado. Iria anotar cada detalhe, exatamente como ele fazia.

(1279 palavras)

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