CAPÍTULO 07

Souvenir da Morte

- Eai, irmão? Quer ir comigo até o mercado? Estou afim de comprar comida de verdade. Vamos lá?

Paul falava alto, tentando tirar Carlo dos seus devaneios literários. Ele sabia bem que nestas horas, seu irmão podia ficar mais de uma hora nesta, pensando e pensando. Queria tira-lo um pouco de casa e fazer com que ele se distraísse. Respirou fundo e resolveu sacudir o ombro de Carlo, numa última tentativa, tendo êxito, afinal

-Ei! Que está tentando fazer? – Reclamou.

Paul ficou parado, olhando para Carlo, sem responder. Queria mesmo tira-lo de casa e não iria desistir tão facilmente.

-Ok! Ok! Vamos lá, então! Mas, sem bebidas! Depois você volta para seu hotel! Preciso muito adiantar alguns capítulos e estou atrasado!

- Sobre o que você está escrevendo, meu irmão?

- Sobre um psicopata. Mas ainda é prematuro dizer algo, porque não sei bem como construir a personagem principal. Vamos logo, antes que eu mude de ideia?

- Caramba! Quero ler! – Riu.

- Vamos logo, Paul? Você está me atrasando, sabia? – Desconversou.

Carlo não sabia bem como explicar ao irmão sobre as cartas e tudo mais. Ele era instável emocionalmente e na primeira bebedeira, bateria com a língua nos dentes. Até que explicasse para as autoridades que não conhecia o autor, que as recebeu anonimamente, que apenas estava usurpando da história, o levaria para a cadeia. Tufo aquilo era realmente uma loucura!

- Já tens um nome para ele? É ele, certo? Geralmente é homem, para facilitar nos ataques. As mulheres são bem sensíveis e tal e não seria uma personagem convincente, penso eu. Mas é você o escritor e não eu! Então, foda-se a minha opinião! – Riu.

Carlo, olhava a paisagem passar, sem falar o que estava pensando naquele momento. Ele não sabia o nome do assassino, mas poderia criar um nome sugestivo. Qual seria o nome dele? Estranho pensar nisto só agora. E se for alguém que ele conhece? Um amigo, por exemplo? Desejava que tudo aquilo fosse apenas alguém com uma imaginação muito fértil e sem coragem de editar e escrever um livro. Mas, por que ele? Quem, além das pessoas de seu convívio pessoal sabia que ele passava os dias de verão escrevendo ali.

Estacionou o carro, dando mais um aviso sobre não comprar mais cervejas. Desceram, indo para o interior do mercado.

- Mano, vou dá uma espiada nos hambúrgueres. Que tal um churrasquinho entre irmãos?

- Péssima ideia! Eu já expliquei que preciso mesmo estar sozinho. Já ajudei você, Paul. Agora, por gentileza, vamos comprar comida, almoçar e você irá embora, ok?

- Beleza! Nos encontramos daqui a pouco. Vou pegar refrigerante e hambúrgueres.

A voz dele saiu com um ar de decepção e Carlo sabia que tinha frustrado seu irmão, mas também sabia que era para seu próprio bem.

Carlo viu o irmão se arrastar praticamente até as bebidas e se resolveu ir até as verduras e frutas. Não conseguia tirar da cabeça a ideia do assassino do mel existir mesmo e ter matado realmente aquelas pessoas. 

"Assassino do mel é um bom apelido! " – Pensou.

Escolheu algumas frutas, legumes frescos, verduras e enlatados. Lembrou-se que, de repente, Lauren e as crianças e resolveu pegar chocolates. Ao avistar Paul, fez um sinal que estava indo para o caixa com o carrinho e este, acenou com um cestinho.

-Prometo fazer os melhores hambúrgueres e voltar para o motel!

- Paul, olha só. Desculpa, meu irmão. Eu ando estressado ao extremo e não queria ser tão grosseiro. Assim que tudo isto acabar, vamos fazer uma reunião em família? Que tal?

- Relaxa. Eu sei que você se isola para trabalhar e inventei de surgir do nada.

- Vamos almoçar juntos, rir um pouco!

Quando Carlo, que até aquele instante estava sorrindo, viu algo que fez os pelos da sua nuca eriçar. Um pote de mel em forma de urso, nas mãos do irmão.

- O que é isto? Uma piada? – Vociferou.

Paul arregalou os olhos sem compreender a reação do irmão. Olhou em volta, constrangido.

- Cara! É só mel! Por que todo este escândalo? Não é veneno, nem conhaque, nem nada do tipo! Eu sempre usei e você nunca reagiu assim! Nossa! Credo!

Carlo percebeu os olhares nele. Sentiu que estava ficando completamente paranoico com tudo aquilo. Pediu desculpas, mentindo que não havia percebido que era mel nas mãos do irmão.

Uma hora depois, estava chegando em casa, quando Paul virou-se para ele e falou:

- Certo! O que foi aquilo lá, no caixa do mercado?

- Já expliquei. Eu pensei que era cerveja. Sei lá!

- Sou seu irmão, Carlo. Mesmo que eu esteja na maioria do tempo deprimido ou bêbado, ainda conheço você o suficiente para saber que estás preocupado. É com a Lauren?

- Não, Paul! Estamos bem, cara. É este livro, sabe? Tenho um prazo e não saio do quarto capítulo. - Mentiu.

- Mande seu empresário às favas! Você nunca deixou de entregar um livro sequer dentro do prazo! Não se cobre tanto, meu irmão. Olha só, é o seguinte! Eu vou preparar nosso lanche, enquanto você vai lá para cima, escrever mais alguns capítulos. Eu chamo, quando estiver pronto.

Carlo realmente desejava subir e se isolar. Ficou parado, olhando seu irmão com vontade de contar tudo e acabar dividindo com alguém aquela sensação sufocante. Sabia que daria uma ótima história, mas a que preço?

Apenas abraçou Paul, agradecendo e subiu as escadas.

Algum tempo depois, havia digitado até onde tinha parado e lhe rendeu oito capítulos bem estruturado e com sua assinatura pessoal, com mudanças estratégicas, para não chamar atenção, caso fosse tudo real. Olhou as páginas empilhadas ao lado e sorriu, satisfeito.

"Não é que está ficando bom? " – Pensou.

Pegou mais uma folha de carta e se afastou da escrivaninha, com um copo de água. Foi até a sacada, sentando na poltrona velha de vime, achando uma posição bem confortável. Resolveu ler, dali em diante, como se fosse um livro e não se abater mais. Teria que ser bem crítico com alguns detalhes, claro! A última coisa que desejava, era ter seu nome em confusão policial. Suspirou, dando um gole na água. Pegou o próximo envelope, abrindo a folha, iniciando a leitura:

FOLHA UM, CARTA TRÊS

"O que mais me intrigava, era o fascínio das pessoas com casos não solucionados, com a morte alheia e corpos mutilados. Eu estava num café, comendo umas fritas e vendo o noticiário local na televisão sobre os corpos mutilados, achados no bosque e ouvindo os burburinhos das pessoas em volta; algumas horrorizadas, outras revoltadas com a ineficiência da polícia e, é claro, as mais experientes, comentando que deveriam investigar não só as pessoas da cidade e sim, os estudantes da universidade, pois muitos não eram moradores locais. Logo se formariam e iriam embora.

- O que você pensa sobre este psicopata anônimo, moço? És estudante, não é mesmo?

A voz da garçonete me pegou distraído, fazendo com que quase derrubasse meu café. Tenho que me preparar para estas situações e evitar chamar a atenção das pessoas para mim.

- Eu não consigo compreender como alguém pode fazer este tipo de coisa, senhora! É tão triste saber que um ser humano venha a tirar a vida de outro ser humano! Nem sei o que pensar.... Estou chocado. Profundamente chocado!

Ela me olhou tristemente, tentando sorrir.

- Sim, meu rapaz. Eu também não me entendo, sabe? Mas Deus sabe quem fez e irá trazer justiça para estes anjinhos.

- Anjinhos? Não entendi.- Falei, fingindo não compreender

- Havia crianças entre os corpos.

Ao terminar a frase seus olhos marejaram, disfarçou e se afastou de mim, indo para a cozinha. Se ela soubesse a vontade que eu tive de gargalhar, mas precisava manter a calma e o distanciamento. Ninguém nota pessoas invisíveis.

Ao terminar, deixei algumas notas na mesa e sai. A rua estava com aquele calor úmido, anunciando chuva para o final do dia. Meti a mão no bolso da jaqueta e senti o volume do pequeno pacotinho contendo um chumaço de cabelo do menino; fiquei segurando até que meus dedos suaram no saquinho plástico. Lembrei que teria de limpar bem todos os souvenires, para não deixar meu DNA neles, pois não era minha intenção mandar para meu escritor favorito provas que pudesse me incriminar. Não é? Mas, enfim! Anotei no meu bloquinho: Limpar bem todos as lembrancinhas, antes de mandar para Carlo"

"Lembrancinhas? Ele me mandou coisas das vítimas e fala "lembrancinhas" !

Pensando assim, Carlo ergueu-se da poltrona, indo até o embrulho, procurando se achava algo mais volumoso, mas sem sucesso. Irritou-se com ele mesmo.

"É claro que não teria nada! É apenas uma história! " – Riu da sua paranoia.

Batidas na porta, fez Carlo lembrar de esconder tudo e ajeitar a mesa. Estava na hora de sair dali e voltar ao mundo real. Abriu a porta, sorrindo para Paul.

- Já ia arrombar a porta, caso demorasse mais!

- Não seja ridículo! – Empurrou-o carinhosamente. – Vamos comer? Espero não passar mal!

- Muito engraçado! Estou rindo! Olha como estou rindo!

Carlo trancou a porta do estúdio, metendo a chave no bolso da bermuda, descendo atrás do irmão.

O cheiro de molho e carne, penetraram em suas narinas, lembrando do quanto Paul era um bom cozinheiro.

Depois de algum tempo com seu irmão, riram juntos Paul avisou que precisava voltar a vida normal, Carlo tentou não demonstrar o que estava pensando sobre e apenas avisou que precisava retomar o livro. Alcançou algum dinheiro para ele e se abraçaram.

Foram para onde o carro estava parado, em frente a sua casa:

- Até qualquer dia, meu irmãozinho querido! Vê se toma juízo, ok?

- Vê se escreve tudo, entrega e fica rico!

Paul afastou-se com um sorriso cumplice. Seu olhar estava marejado, mas sabia que era necessário tomar as rédeas de sua vida, antes que envelhecesse e descobrisse não ter feito nada de bom ou produtivo da própria vida. Despediu-se mais uma vez com outro abraço, entrou no carro depois de largar a mochila de jeans surrada no banco traseiro e pegou a estrada.

Carlo viu o carro do irmão sumir na curva, como se estivesse não só sumindo da sua visão e sim, da sua vida. Passou a mão nos cabelos, na tentativa de tirar estes pensamentos negativos que povoavam da cabeça, indo para o interior da casa.

"As cartas estão me tornando paranoico! "

Entrou, subiu as escadas e reiniciou de onde havia parado:

"...limpar bem todos as lembrancinhas, antes de mandar para Carlo. À noite, depois de jantar com Doroty, fui dar uma caminhada, escondido, para que ela pensasse que eu estivesse já adormecido e de repente me encontrei na parte mais boêmia da cidade. Olhei ao redor e, algo chamou muita minha atenção. Um homem discutindo com uma garota, que provavelmente era de programa. A forma com que ele a tratou, prendeu minha atenção. Me esquivei para um beco escuro e fiquei lá, observando na escuridão. Quem eu deveria pegar? O homem desprezível ou a vagabunda?

Esperei que ele fosse embora e vi que a mulher não passava de uma adolescente. Segui o homem até descobrir onde ele morava ou trabalhava, anotei em meu bloquinho e voltei para casa, satisfeito.

Já tinha meu alvo para a noite seguinte. "

Carlo deu uma risada. "Parece que temos um herói às avessas? – Pensou.

"A chuva torrencial atrapalhou meus planos para aquele dia. Porém, atrapalhou a da polícia também nas procuras de vestígios e provas e eu teria que me focar nos estudos para o mestrado e eu nunca me perdoaria caso me saísse mal nos exames.

Resolvi fazer companhia para minha senhoria, Doroty. Encontrei-a na sala, lendo como sempre alguma literatura romântica

- Olá, senhora Crowlow? Posso lhe fazer companhia?

Ela me olhou, complacente, assentindo.

- Como estão os estudos?

Eu pensei em mil respostas satisfatórias, mas me senti preguiçoso para pensar.

- Eu deveria estar lá, estudando. Mas me sinto ocioso para realizar algo

- É o tempo, querido. Que tal uma xícara de chá e biscoitos?

Aceitei, indo em direção a janela. Olhei o céu e praguejei baixinho

- A senhora não tem parentes, dona Doroty? – Perguntei, me sentando de novo

Ela demorou para me responder, vindo com a bandeja de prata e um par de belíssimas xícaras de porcelana fumegante e uma pequena travessa de biscoitos caseiros

- Tenho um casal de filhos e três lindos netos. Mas já faz tanto tempo que não recebo visitas deles, que nem sei dizer se eles se lembram de mim ou ainda sabem onde moro. A vida tem destas ingratidões ao qual devemos nos conformar, pois afinal de contas, criamos os filhos para a vida tomar de nós

- A senhora já pensou em escrever ou ligar para eles?

- Já, sim. Há um ano atrás, no dia de Ação de Graças. Prefiro não falar sobre isto, se não se importa, querido. Tome seu chá, antes que esfrie. – Sorriu, tristemente

Não seria nada ruim se eu desse uma lição neles...

Eu faria algo contra os familiares da velha? Claro que sim! Não seja ridículo, Senhor escritor!

- E você, meu filho? Seus pais são vivos?

Só a lembrança deles, me tirou a paz.

-Não, infelizmente. Perdi os dois num acidente de carro.

- Pobrezinho...

- Mas também não gosto muito de falar sobre isto. Me machuca, entende? – Menti

- Claro! É compreensível!

Passei momentos aprazíveis ao lado dela. Aprendi como realizar um ótimo gel de ervas e Aloe vera para aliviar as dores nos pés e nas costas. Quando percebi o dia já findava e me despedi dela, com um beijo em seu rosto enrugado e perfumado, explicando que deveria estudar, caso quisesse realmente o tal mestrado na Europa.

Fiquei com a cara nos livros e anotações, até que percebi a chuva dar uma trégua, me fazendo sorrir. Apesar que eu tinha de me dedicar, se quisesse ir embora para bem longe e ter uma vida confortável e pôr em prática meus planos.

Me agasalhei e fui atrás do homem. Não tinha certeza que iria ter sorte de encontra-lo, mas ao menos me faria esticar as pernas e desopilar um pouco.

Lá estava ele, chegando em casa, apressei o passo e me escondi próximo a ele. Olhei em volta. Nada de câmera ou vizinhos enxeridos nas janelas.

Esperei que ele descesse do carro, pra abrir a garagem e, para meu azar ela era eletrônica e não tive escolha. Adentrei no interior dela, agachado e pela penumbra. Me escondi no vão que existia entre o portão e a parede.

Ele entrou com o som do carro no volume máximo, desceu do carro completamente bêbado e esbravejando.

Era uma situação tão perfeito!

Me aproximei dele por trás, dando uma rasteira. Ele caiu de bruços e ao tentar levantar, colocou a mão na testa e olhou a mão sangrando.

Eu fiquei parado olhando, esperando que ele me visse, mas estava tão embriagado, que ficou lá, olhando o sangue pingar.

Montei em suas costas e agarrei seus cabelos, batendo sua cabeça com tanta força e tantas vezes, que me fez rir muito. Ouvia os ossos quebrarem e só parei ao ver que ele ficou totalmente imóvel.

"Espero que esteja morto, seu bêbado filho da pu**! "

Olhei, ofegante para minhas roupas e me levantei rapidamente. Não estava sujo e meus calçados da mesma forma. Tirei as luvas e saí da mesma maneira silenciosa que entrei.

Sei que me arrisquei em adentrar e agir de forma tão primária, mas não poderia adiar mais. A chuva ajudaria um pouco, mas tenho certeza que falhei em algum quesito.

Ao chegar em casa, fui tomar um banho e lavar a roupa. Peguei meu bloco antes de dormir e anotei lá: NUNCA AGIR PELO IMPULSO".

Carlo terminou a carta, dobou e guardou junto das anteriores no envelope três.

"Então você teve seu pequeno erro de cálculo? E quantos mais teve e não percebeu? Vou seguir seu exemplo e anotar detalhes seus. Você acabou de assinar sua sentença. "

Fechou a folha lida e resolveu ir deitar. Queria acordar bem cedo e digitar mais algumas páginas. Tinha quase certeza que estava por finalizar e se ver livre de tudo aquilo!

"Boa noite, desgraçado. Amanhã nos encontraremos" – Pensou, dando tapinhas no envelope três e saindo do seu estúdio, fechando a porta

(2726 palavras)

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