CAPÍTULO 06
SENSAÇÃO DE AMARGOR
Paul deu o último gole e falou, num só folego
- Eu estava num bar, bebendo e jogando bilhar. De repente um cara do nada, surgiu e começou a puxar briga, provocar. Sei lá! Eu tava lá, de boa, cara!
- Continua, mano.
- Certo. Eu ignorei, saca? Terminei minha bebida e fui embora. O cara me seguiu e me deu um empurrão! Assim! Do nada!
- Ninguém empurra ninguém, do nada. Algo você deve ter dito ou feito algo para tirar o cara do sério, Paul.
- Tô dizendo! Eu nem sei o nome do desgraçado! Ele veio dizendo que eu jogava feito um maricas! Me serve mais uma dose? Por favor?
Mesmo muito chateado em ter que parar a leitura e ter que suportar o irmão beberrão, contando algo que deve ter sido imaginação de bêbado, ainda era seu irmão e se ele beber o suficiente pra apagar, poderia continuar de onde parou. Serviu mais meio copo
- Continua e vá logo ao ponto do "eu atropelei alguém"?
Paul fez uma careta, bebendo todo o liquido viscoso, largando o copo na mesinha de centro. O círculo que se formou na madeira, fez Carlo lembrar do que sua esposa sempre dizia: Se beber, não deixe vestígios pelos móveis. Aproveitou e pegou os dois copos e largou dentro da pia. Pegou um papel toalha, limpando a mesa
- Vai falar ou nem lembra mais do que acontecera?
- Qual é o seu problema, Carlo?
- Qual é o meu problema? Não! Qual é o seu problema! Fala logo! – Berrou, impaciente
- Depois que ele me empurrou e eu cai, surgiu uns motoqueiros e botaram ele pra correr. Me ajudaram chegar até o carro e peguei a estrada secundária. Eu queria evitar de ser multado, entende?
Carlo assentiu, sem dizer nada.
- Então, lá estava eu. Indo para o motel que estou hospedado, arrotando o amendoim e a cerveja, quando do nada! Do nada mesmo! Surgiu um homem do nada! Ele surgiu no meio da estrada! Com os braços erguidos, fazendo sinal pra eu parar, saca? Eu me assustei! Eu tentei frear, mas estava encima! Eu tentei, Carlo! Eu juro! – Chorava
- Ei! Calma, cara! Ei! Calma! Relaxa e ne diz que cara? Como ele era? Me explica isto, Paul! – Falou, abraçando o irmão
Sentiu todo o corpo frágil e bagunçado do irmão, fazendo-o lembrar de quando o protegia na escola. Sentiu que precisava acalma-lo e ajuda-lo da melhor forma possível. Amava seu irmão e se sentia culpado em ter uma família, um emprego, um lar, enquanto ele lutava pra sobreviver na sua solidão.
-Este estranho morreu? Você foi ver se ele precisava de ajuda ou se estava inconsciente? Chamou uma ambulância, não é mesmo?
Ele silenciou.
Carlo se afastou o suficiente, para olhar em seus olhos.
- Você chamou ajuda, não é Paul?
- Eu fiquei em pânico!!! Eu estou com a carteira de motorista vencida, estava bêbado e sem estepe! Eu não sabia o que fazer, Carlo! Entrei em pânico, cara!
- O que você fez, Paul? Nem foi ver se o cara estava morto mesmo? Deixou ele lá?
- Eu deixei, mas não pensei na hora! Eu tremia todo e sai de lá em disparada!
- Você abandonou uma vítima de atropelamento, cara?
- Ele surgiu do nada! Do meio do mato com os braços erguidos!
- Não interessa, Paul! Ele é um ser humano! Onde foi o acidente, exatamente?
Paul ergueu-se do sofá, num salto
- Você está louco que vamos lá, não? Não! Não!
-Vamos, sim! Vou tirar o carro da garagem e vamos lá! Não quero nosso nome em escândalos!
- Então é isso.... Estás preocupado com você, sua imagem, não?
- Cala esta boca! Estou tentando salvar a sua vida! Venha logo, Paul!
Meia hora depois, estavam procurando o local do acidente, mas sem sucesso. Percorreram várias vezes as estradas secundárias e nada.
- Tem certeza que foi por aqui?
- Não muito...
- "Não muito". Ok! Ótima resposta! Isto é tão... irritante!!
- Espera! Foi aqui!
Carlo parou o carro no encostamento e desligou. Desceu e ficou parado, olhando se encontrava algum sinal de sangue ou que realmente houve um acidente.
Paul, de dentro do carro, olhava nervoso. O medo tomava conta dele, fazendo-o tremer no banco do carro.
Carlo passou a mão pelos cabelos e respirou fundo. Não tinha absolutamente nada que mostrasse que ali, houve um acidente. Quanto mais um fatal. Foi quando percebeu entre alguns arbustos secos, algo como um ser humano. Se aproximou devagar, já pegando o celular, na intenção de chamar ajuda. Ao se aproximar, viu que era apenas um espantalho com roupas e braços de pano. Agachou-se para recuperar o folego e deu graças que fora apenas um boneco e não um homem. Voltou para o carro, ligou e retornou em silêncio, durante todo o percurso até a sua casa de praia.
- E, então? Era ele? Estava morto?
Carlo olhou seu irmão, com a raiva queimar seu rosto, sem responder.
Ao chegar, tirou o cinto de segurança e se virou para o irmão, que se manteve todo o tempo de cabeça baixa e olhos fechados.
- Certo! É o seguinte! Não havia porra nenhuma de corpo! Era um espantalho, Paul! Vou entrar, tomar um banho, fazer algo pra gente comer e iniciar de onde parei, no estúdio! E você vai tomar um banho, comer algo e dormir. Entendeu? - Vociferou
Ele olhou o irmão e sem dizer nada, desceu do carro, indo para o interior da casa, pela garagem.
"Ok, Paul. Vou aceitar isto como um sim. Só espero que de manhã bem cedo, você não esteja mais aqui. Para seu próprio bem e para minha sanidade"
Um tempo depois ao anoitecer, Carlo, se viu livre para continuar de onde parou. A ideia de um inocente estar nas mãos daquele monstro não lhe era agradável, mas teria que ter estomago, se quisesse publicar algo interessante e que alavancasse suas obras. Ter tido o incidente com o irmão, deixou-o de alguma forma intrigado. "Por que um espantalho numa área praiana? ". Trancou-se no espaço que chamava de estúdio e se jogou no sofá, avisando o irmão que só o atrapalhasse, caso a casa tivesse pegando fogo
- Onde parei? Aqui! – Falou consigo mesmo.
(...). Não sei se é coisa de fêmea em proteger a prole ou mania feminina em achar que todo homem têm um pouco de depravado(...). Eu achava tão desnecessário e arrogante delas pensarem dessa forma! Mas, enfim! Lá estava eu, numa posição bem privilegiada e observando todos os pontos estratégicos, onde eu poderia leva-lo, sem chamar atenção ou me demorar.
Foi quando, de repente a mulher atendeu o celular e se afastou. Olhei na direção dela e estava de costas para os balanços. Primeiro erro grave: Jamais dê as costas para uma criança. Olhei na direção dele e, estava sozinho. Eu tinha, no mínimo dez minutos para agir.
Era suficiente para mim! Levantei e fui na direção dele
- Olá, pequeno? Você viu meu cachorrinho? Eu acabei perdendo ele
Fiz minha melhor cara de desolação e fiz que ia chorar.
- Ele é filhotinho? – Disse o menino, se afastando dos balanços e me seguindo
- Sim! Eu acho que ele veio nesta direção. Me ajuda? Minha filha vai adoecer se eu não levar ele de volta. Não sei o que fazer
- Quer eu chame minha vovó?
- Ela vai me chamar de irresponsável e irá chamar minha filha, que vai chorar muito. Pode deixar que eu vou sozinho
Eu vi o olhar duvidoso e amedrontado do menininho e sabia bem que ele ia me seguir. Era um filhote de cachorrinho perdido por aí! Segurei o riso
Eu peguei na sua mãozinha e fomos na direção de onde o utilitário que consegui roubar, exatamente para este fim estava estacionado. Ele percebeu que algo estava errado e me obriguei a dar-lhe um soco e jogá-lo no porta-malas. Fui para o banco, liguei o carro e sai de lá, o mais rápido possível.
Você vai se perguntar se não havia câmeras de segurança ou alguém por perto? Tive o cuidado de verificar tudo isto, meu caro escritor. Não cometeria um erro tão estúpido.
Você consegue imaginar a minha felicidade? Me senti como se tivesse ganho o melhor presente de natal! Parei o carro longe da cidade, num lugar ermo e numa estrada deserta, que já não era utilizada há muito tempo. Fui entrando com o carro e, quando achei uma clareira, estacionei. Era perfeito!
Fiquei parado, observando o céu, as árvores e imaginando as inúmeras possibilidades que iriam surgir. Peguei minha maleta, desembrulhei uma balinha de mel, tendo cuidado de guardar o papel e desci do carro. Abri o porta-malas e sorri ao ver as lágrimas naquele rostinho macio e moreno.
Você já percebeu a beleza indiscutível da pele latina? É magnífica!
- Olá, meu amiguinho? Vamos brincar? Tenho aqui, uma mala de brinquedos maravilhosos! – Ergui a maleta para que ele pudesse vê-la. – Vou ajuda-lo a sentar de forma mais confortável.
Coloquei as luvas de látex, prendi os pés e as mãos com a fita colante, amordacei sua boquinha com a mesma fita, pois pareceu ser bem eficiente até o momento. Depois, quando me cansar dele, retiro as fitas, passo água sanitária. Por que? Porque se caso eu deixasse a fita, como nos filmes, eles me achariam rapidamente, pois todas são fáceis de rastrear e, geralmente os criminosos imbecis usam e deixam na vítima. Não era meu caso, pois tudo que eu uso, recolho, lavo bem e queimo em casa. Você me ensinou e aprendi direitinho.
- Olha só, amiguinho. Eu fui obrigado a prender você, porque sei que tentará fugir e não queremos isto, não é mesmo? Olha só! Trouxe uma bala de mel, para você. Quer? Depois da gente brincar um pouco, devolvo você para sua avó, ok?
É claro que ele concordou. Todos concordam, no final das contas.
Peguei uma tesoura cirúrgica e cortei a camiseta listrada dele, expondo o peito magro e ofegante. Dava para ver o esterno e as costelas, entre elas o pulsar do coraçãozinho. Passei a ponta da tesoura, sorrindo.
Mas é claro que não ia sujar meu carro com sangue! Eu só passei a ponta de forma que não machucasse ele. Não iria quebrar meu brinquedo novo.
"Brinquedo? Ele disse isto mesmo? Quebrar meu brinquedo? Caramba! "- Pensou Carlo, continuando:
Deitei o pequeno num tronco velho, no meio da clareira e sorri. Ele era perfeito. Nem sabia por onde começar! Fui até o carro e peguei uma lona, deitei ele ali, tirei suas roupas, espalhando mel delicadamente.
- Mel é bom pra saúde, sabia? Deveria comer mel de manhã ao invés destes cereais com corantes horríveis! Não chore tanto, amiguinho! Esqueci de perguntar como se chama. Não importa, não é mesmo? Vou chama-lo de Bob. Tudo bom, Bob?
Eu olhei e gostei de vê-lo todo lambuzado de mel, como veio ao mundo. Algumas abelhas surgiram, acompanhadas de moscas. Não me importei muito
Logo elas iriam se banquetear comigo, então por que ser egoísta? Aliás, não sei se você sabe, mas existem poucas abelhas no planeta! O dia que elas forem extintas, o homem morre! Não queremos que isto aconteça. Certo?
Deslizei só a pontinha do bisturi com muita delicadeza sobre a pele jovem, pois não queria vê-lo morrer da mesma forma que as outras presas. Elas eram totalmente sem graça. Mas ele era tão macio.... Meu desejo era tirar a fita de seus lábios, para poder ouvir seus gritos e ter uma ereção. Mas, não iria arriscar tudo por um desejo e acabar deixando pistas. Foi muito rápido.
Foi uma lástima.
Rápido demais.
Quebrou fácil.
Anotei em meu caderno: Não pegar mais crianças. Elas duram pouco e não dão tanto prazer quanto um adulto. Fiquei tão desolado! Era perfeito! Macio e inocente! Tinha mil ideias para fazer com ele! Mas, valeu o pouco tempo que fiquei com ele.
Depois do prazer, vem o dever. Tinha que limpar tudo de forma meticulosa e sem falhas.
Ao terminar, já era tarde e eu teria de dar uma explicação para Doroty. Ela odiava que se atrasasse para o jantar e hoje era dia de rosbife"
FIM DA FOLHA TRÊS, CARTA DOIS.
Carlo deixou a folha cair aos seus pés em prantos. Ficou lá, chorando e lembrando das suas filhas tão pequenas e inocentes de todo o mal que havia no mundo. Pensou que de alguma forma ele era culpado daquilo tudo e sentia as lágrimas queimarem seus olhos.
Ficou assim, durante um bom tempo, até adormecer.
(2102 palavras)
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