CAPÍTULO 04
UM EMBRULHO, UMA CARTA E UMA XÍCARA DE CAFÉ
Carlo estacionou o carro na Universidade Cornell e ficou um tempo sentado, pensando exatamente o que dizer, na recepção sem chamar atenção de terceiros. Releu a última folha da carta e lá estava escrito que haveria um embrulho em seu nome. Olhou para a frente e decidido, desceu do carro, indo com passos largos, até o anterior do prédio central, onde uma placa gigantesca avisava que era ali mesmo, local que deveria ir.
Um jovem, de óculos de grau e armação vermelha, sorriu ao vê-lo se aproximar:
- Bom dia, senhor? Em que posso ajudá-lo?
Carlo olhou em volta, antes de responder, sem encarar o rapaz:
- Eu sou Carlo e deve ter algo para mim, reservado. Um pacote, se não me engano. Estou no lugar certo?
- Carlo de quê?
- Carlo Trevor – Disse, contrariado.
Temeu ser reconhecido, mas se sentiu aliviado, ao perceber que o jovem não esboçou nenhuma reação. Virou-se de costas, sumindo através de uma porta de vidro, atrás do elegante balcão cor creme.
Voltou, com um embrulho de papel pardo e fita crepe, nas mãos.
- Aqui está, senhor Trevor.
- Preciso assinar algo?
- Não, senhor. É só pegar – Sorriu.
Carlo pegou o pacote de tamanho de um frango congelado. Ao pensar nisto, se arrepiou. "Espero que não seja um bicho morto, uma cabeça humana..." Teve que rir do seu pensamento desesperador.
Sorriu de volta e antes de sair, teve a ideia de fazer uma última pergunta ao rapaz.
- Me diga uma coisa. Quem deixou este embrulho para mim?
O rapaz ficou encarando-o, surpreendido com a pergunta. Seus olhos inquietos, mostravam a confusão passando pela sua cabeça:
- O senhor não sabe?
Carlo negou com a cabeça, aguardando uma resposta que o ajudasse a desvendar o autor da carta.
- Então, como o senhor soube que havia um pacote?
- Recebi uma ligação daqui, mas ninguém se identificou. Creio que a ligação tenha caído.- Mentiu.
- Um minuto que vou procurar o nome do aluno. Geralmente a pessoa que vem pegar encomendas do laboratório já sabe qual dos estudantes deixou. Mas eu verei aqui, na ata. Um instante, por gentileza.
Carlo assentiu com um sorriso. A espera parecia levar uma vida toda e estava quase desistindo quando o recepcionista voltou com o olhar ainda mais confuso.
- Estranho...
- O que é estranho? – Falou, se aproximando do balcão.
- Não há nome algum!
- Como assim? Não há um registro? Número de matrícula? Nada?!
- Não sei nem o que dizer. Deveria, claro. Mas, vou perder meu estágio se descobrirem que falhei terrivelmente!!
- Não tem importância, meu amigo. Se souber quem foi, pode me ligar? – Tirou do bolso um cartão, enquanto falava.
- Claro! Deve ter sido um esquecimento bobo! Mas tentarei descobrir e ligarei para o senhor! Agradeço pela bondade.
Carlo, não falou nada. No fundo achava que seria um erro infantil deixar o nome na lista. Se despediu, saindo do prédio e entrou no carro. Largou o pacote no banco ao lado e ficou olhando, tentando adivinhar o que aquele psicopata deixaria para ele. Esperava que fosse mais alguns futuros capítulos, nada mais. Não suportaria a ideia de estar andando com um pedaço humano.
Olhou para o prédio estudantil e imaginou se ele estaria olhando de uma das janelas abertas, nos andares acima.
"Tenha um bom dia, seu bastardo, filho da p***!!"- Pensou, ligando o carro e voltando para a estrada.
Dirigiu por uns dois quilômetros, parando em uma lanchonete fora da cidade universitária, para tomar um café e pensar no próximo passa a seguir. Desceu com o pacote e se dirigiu até a entrada do lugar, recebendo o ar gorduroso dos lanches misturados com nicotina e café forte. Olhou ao redor e escolheu uma mesa no fundo, longe da visão de curiosos, pegando o cardápio, sem ao mesmo ter vontade de provar qualquer coisa que fosse dali.
- Olá! Posso ajudá-lo? – Uma senhora de estatura baixa e avental rosa, sorria-lhe.
Carlo olhou, para o papel plastificado a sua frente, pedindo apenas um café forte sem açúcar. Agradeceu e esperou que ela se afastasse. Olhou ao redor e para o pacote pardo, sob a mesa.
"Ok! Abro aqui ou espero chegar em casa? Por que tanta indecisão, Carlo? Você é ou não um autor de suspense? "
Assim que a garçonete chegou com a bandeja, depositando sobre a mesa, a xícara, açucareiro, adoçante e um pratinho de torradinhas. Serviu o café preto, fumegante e antes que ela saísse, pediu uma tesourinha emprestada.
Ficou sorvendo o liquido quente, enquanto observava pelo vidro os carros e caminhões que estacionavam e seguiam viagem. Percebeu que, com o passar das horas, os lugares começaram a serem ocupados.
- Aqui está, senhor. – Falou, alcançando a tesoura escolar, se afastando para atender a mesa à frente.
Ele largou a xícara vazia e iniciou a abertura do embrulho pelas fitas colantes nas bordas. Ao terminar, chamou a senhora novamente, pedindo fritas com queijo e bacon e mais uma xícara de café. Esperou que ela fosse embora e abriu sua encomenda. Era uma caixa de papelão parda, também fechada com fita colante. Passou a ponta da tesourinha e abriu, ofegante.
"É agora. Vamos saber o que me reserva o futuro! " – Riu baixinho com a piada sem graça
Ao olhar para o interior da caixa, havia um envelope de carta todo branco e dois embrulhos menores. Pegou o envelope e abriu, contendo uma folha de caderno. A mesma folha que as anteriores, ao qual havia recebido em casa.
Suspirou, iniciando a leitura:
"Vejo que tivesse coragem, ou seria curiosidade para pegar a caixa destinada a você. Muito me lisonjeia saber que minhas aventuras despertaram seu interesse. Pois bem! Espero não o decepcionar, Carlo.
Posso chama-lo assim?
Dentro da caixa, há dois embrulhos. Um deles, são cartas complementares. Por mim, não tenho interesse algum em saber o que fará com as cartas, desde que não me decepcione. Odiaria ter este sentimento, por alguém que tanto admiro. Afinal, foi seus livros que me ensinaram como se livrar de indícios e como agir de forma ordenada. No outro, souvenires das minhas presas. Algumas bijuterias, peças intimas, unhas, tufos de cabelos.... Tudo para provar que eu não estou brincando ou enganando você.
Sei bem que passou pela sua cabeça que poderia ser um retardado, tentando ter uma obra escrita por você, um trote ou algum fã sem noção. Não sou em absoluto qualquer um destes citados aqui.
Deve estar boquiaberto, pensando no que fazer, agora. Se acaso pensou em procurar as autoridades, terá muito o que explicar, porque ninguém acreditará em você. E mesmo assim, aconselho em não ir. Tive o maior cuidado em recolher em seu lixo, material suficiente para incriminá-lo, caso ouse ir até a polícia. Conheço seu estilo, sei todos os seus passos. Você me deu bastante material de aprendizado, Carlo e estou retribuindo com louvor! Suficiente para um best-seller! Portanto aproveite! Escolhi você dentre tantos outros, então não desperdice esta chance de ficar famoso às minhas custas.
Um último conselho: Não abra nesta lanchonete. O xerife local tem a mania de almoçar aí e, a filha da garçonete é mãe de uma das vítimas.
Procure um quarto de motel ou vá para sua casa e divirta-se!
Sem mais, seu colaborador anônimo"
- Com licença, senhor?
Carlo sobressaltou-se com a chegada da senhora e seu almoço. Passou as mãos pelos cabelos, sem responder. Fez sinal para ela deixar na mesa e fechou a caixa, juntando tudo em seu interior. Seu coração batia fortemente e o gosto do café subiu pelo esôfago, até sua garganta, dando a sensação de vomito.
Olhou o prato à sua frente e perdeu totalmente o apetite. Abriu a carteira, largando algumas notas e saiu com a caixa nos braços em direção ao seu carro. Ligou o rádio e saiu de lá, acelerando, sem prestar atenção na estrada.
Só parou meia hora depois no encostamento, para recuperar a respiração e pensar no que faria em seguida. Olhou para a caixa, que jazia no banco de trás, como um presente sinistro.
"Não pode ser real. Preciso voltar para a casa de praia, pois assim estarei sozinho e não colocarei minha família em risco. Terei tempo de refazer meus pensamentos e decidir o que fazer, afinal"
Pensando assim, deu meia volta e retornou do ponto de partida. A casa de praia deserta.
"Preciso de um banho, de um almoço e de uma soneca. A caixa pode muito bem esperar seu destino final"
Aumentou o volume do rádio, para aplacar os milhões de pensamentos misturados que iam e vinham a sua mente.
"Aquele desgraçado!!..."
A música Another Day de Dream Theater - invadia o interior do carro, como um hino:
(...)But if they don't come down
Resist the need to pull them in
And throw them away
Better to save the mystery
Than surrender to the secret(...)*
Tradução:
*(...). Mas se eles não caírem
Resista a necessidade de arrastá-los
E jogá-los fora
Melhor salvar o mistério
Do que se render ao segredo(...)
(1514 palavras)
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top