2: Pergaminho das Escrituras de Deus
Como estavam em uma cidadezinha de interior, foi só perguntar onde ficava o antiquário a um transeunte, que explicou: "é só ir reto alguns quarteirões, e virar à direita lá naquela árvore grande, depois segue toda vida... Lá no fim da baixada vocês vão ver uma lojinha com toldo vermelho. É lá".
Ângelo e a Colecionadora seguiram as direções, a saia dela revoando ao vento.
Depois de uns poucos minutos chegaram a uma lojinha cuja placa anunciava: Raras Relíquias. Um sininho ressoou quando passaram pela porta. Um homem de meia idade com bastante cara de Nino estava atrás do balcão.
- Em que posso ajudá-los? - perguntou.
- Estou procurando um pedaço de papel antigo e ouvi dizer que o senhor está em posse de um.
- Pois sim. Será que a senhorita fala do pergaminho das escrituras de Deus?
- Ahn... Deve ser esse, eu acho. Podemos dar uma olhada nele?
Nino vasculhou atrás do balcão e apanhou um bauzinho de madeira com flores entalhadas na tampa, que abriu, mostrando o conteúdo para seus clientes em potencial.
Dentro da caixa havia um cilindro de metal, mais ou menos do tamanho de um dedo. Nino calçou suas luvas, abriu o cilindro e cuidadosamente desenrolou o pedacinho de papel em branco. As bordas superior e inferior do papel estavam sujas com cera, onde um dia houvera ali um selo.
No início do procedimento, a Colecionadora e Ângelo observavam com a quantidade usual de atenção que qualquer pessoa direciona para um artefato que pode conduzir a uma possível futura aventura. Mas depois de um tempo os dois começaram a sentir uma inquietação diferente. Como se estivessem com uma palavra na ponta da língua, mas não conseguissem lembrar qual. Tinham a sensação de estar prestes a se lembrar de algo, mas não sabiam do quê.
- Essa peça é muito especial. Uma relíquia inestimável!
- Você sabe de onde ela vem?
- Foi um presente dos céus, vejam bem! Não sei exatamente para que serve, mas Deus age de formas misteriosas... Os pensamentos Dele são mais altos que os nossos!
- Acho que eu já vi esse pedaço de papel antes... - Ângelo observou.
- Eu também!
Os dois encararam pensativos o papel.
- Eu encontrei faz muitos anos. Estava andando pela rua, quando, de repente, ele caiu em cima de mim! Juro pra vocês! Ali mesmo eu soube que era algo de valor, só de olhar para ele. Percebem como o cilindro nunca perdeu seu brilho reluzente, mesmo após todos esses anos? E este papel, não se parece com nenhum outro que eu já tenha visto! Não rasga, e não dobra com facilidade... É como se fosse tramado, como um pergaminho, ou coisa assim. Foi por isso que eu soube que era algo especial. Há anos venho trabalhando com relíquias e antiguidades, e sei reconhecer um objeto incomum quando o vejo!
- Eu conheço esse tipo de papel, minha avó costumava usar páginas assim quando escrevia um documento importante.
- Ah, tem mais. O cilindro estava preso em três balões. - Nino retirou o veludo que cobria o fundo da caixa, e escondidos por baixo haviam três pedaços do que um dia foram balões coloridos, e três fios de barbante encardidos.
A Colecionadora deu um sobressalto ao ver os balões. Seus olhos se encheram de lágrimas. Num impulso, pegou-os de dentro da caixa, segurou-os entre seus dedos, como se tocasse algo muito precioso de uma época distante.
- Eu sabia! Eu sabia! Sempre soube! - Ela comemorou, dando pulinhos de alegria.
Ângelo arregalou os olhos para ela.
- Fui eu quem soltei esses balões, há muito tempo, com um amigo - ela explicou - na época eu jurei pra ele que iria encontrá-los outra vez, e aqui estão!
A expressão dele continuava atônita.
- Era você? Esse tempo todo? - Ele perguntou.
- Eu o que?
- Você é a Menina?
- Mas como você...?
- Meu Deus, não acredito! Não posso acreditar!
A Colecionadora estava perplexa com toda a situação. Por ter achado seus balões depois de todos esses anos, e porque Ângelo sabia do seu nome de criança... E como ele sabia?
- Seu cabelo era castanho...
- Era. Já te contei essa história! Ele ficou azul por causa de uma das dimensões que visitei na minha missão com os Espíritos...
- Você não lembra de mim?
- Claro que lembro! Você é o Bobo!
- Não! Não dessa aventura, de quando éramos crianças!
- Mas a gente não se conhecia quando crianças!
- Nos conhecíamos, sim. - Ele disse, emocionado.
A Colecionadora olhava para ele confusa, se esforçando para se lembrar onde poderia tê-lo conhecido.
- Liam - revelou, apontando para o próprio peito.
- Liam?
- Prazer - ele estendeu a mão, com um sorriso maroto nos lábios.
- Mas...
- Não é possível que você é a Menina! - Exclamou ele, rindo.
- Faz muitos anos que ninguém me chama assim. Mas... Como você pode ser o Liam? Seu nome não é Liam. Você não é magrelo e tem uma cicatriz na bochecha!
- Longa história... Quando criança eu não gostava muito de chamar Ângelo, achava que soava meio cafona, e era injusto que os meus pais tivessem escolhido por mim... Então escolhi um nome que eu achava que combinava mais comigo, Liam, e fiz toda a minha família me chamar assim por um bom tempo! Mas depois acabei fazendo as pazes com Ângelo... A cicatriz você já sabe, é de uma pedrada que levei dos meninos perversos da rua, e eu não sou mais magrelo porque cresci! Bom, pelo menos não tanto quanto antes... - disse, rindo sem graça.
Um grande sorriso despontou no rosto da Colecionadora, que sem mais delongas jogou os braços em volta do pescoço de seu velho amigo perdido, e o envolveu em um abraço que trazia à tona um turbilhão de sentimentos de nostalgia, alegria e saudade.
Nino observava tudo atônito, sem ter a menor ideia do que estava acontecendo, mas animado, pois era como uma novela se passando bem diante de seus olhos.
- Uau! Eu poderia dizer que não acredito, mas eu sempre acreditei... Eu sabia que a gente ia achar esse mapa juntos! Sabia! - Disse a Colecionadora.
Os três tinham lágrimas nos olhos.
- Eu estou tão feliz de ter te encontrado de novo! - Ângelo respondeu.
- A gente sempre vai se encontrar!
- Nós vamos levar. Tudo. Os balões, a caixa, o cilindro e o papel. Obrigado. - Disse ele se dirigindo a Nino.
O dono do estabelecimento limpou os cantos dos olhos e mais que depressa embrulhou os itens, feliz com a venda, pois como o senhor da rodoviária havia apontado, vender algo que se achou de graça é sempre lucro.
Ângelo passou a alça da sacola pelo braço, tomou a mão da Colecionadora, e os dois saíram da loja, repleta de caixinhas e baús de vários tamanhos, enciclopédias com lindas encadernações de couro colorido, móveis requintados de outras épocas, e muitas bugigangas das mais variadas.
- O papel não está em branco, como você deve lembrar - Ângelo disse enquanto subiam a rua de volta à rodoviária.
- Você ainda tem a lanterna?
- Tenho.
- Como eu nunca vi a lanterna, em todos esses anos? Como eu nunca soube que era você?
- Eu a guardei na minha caixa de lembranças, por isso você nunca viu. Nem eu costumo mexer naquelas coisas... Eu também não posso acreditar que em quatro anos a gente nunca tocou no assunto daquele dia!
- Pois é! Para falar a verdade, eu não pensava muito nisso. Acho que por todos esses anos, eu meio que guardei essa lembrança em uma gaveta secreta da minha memória, e nunca mais abri. É como se eu tivesse esquecido... Mas agora que lembrei, é como se essa memória tivesse estado lá todo o tempo!
- Tudo voltou à tona!
- Esse sem dúvida é um dos dias mais felizes da minha vida. Você está aqui de novo, e eu tenho nossos balões de volta... É quase como se eu pudesse tocar aquele dia! Quase como se eu pudesse voltar no tempo e estar lá, na nossa plataforma de novo, no meio do festival...
- Como se fôssemos crianças de novo.
- Precisamos voltar pra casa imediatamente.
- Pegar a lanterna e ler o mapa.
- Descobrir o que ele diz...
- ...e ir atrás do que ele esconde!
Os dois pegaram o próximo ônibus para casa. No caminho, Ângelo descansou a cabeça no colo da Colecionadora, e viu as nuvens passarem em borrão pela janela. Eles contaram histórias fantásticas um para o outro, e comeram tabletes de chocolate amargo.
Eu avisei!
E aí, quem entendeu desde sempre que o Liam e o Ângelo eram a mesma pessoa?
E quem explodiu a mente quando descobriu?
Obrigada por me acompanharem nessa jornada 🌻
Se puder, favorite o capítulo e deixe um comentário 😜
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