𝔓𝔯𝔢𝔩𝔲́𝔡𝔦𝔬
𝔓𝔯𝔢𝔩𝔲𝔡𝔦𝔬 – 𝔈𝔫𝔱𝔢𝔯𝔯𝔞𝔫𝔡𝔬 𝔬 𝔖𝔢𝔲 𝔄𝔪𝔬𝔯.
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O ᴘᴀssᴀᴅᴏ ᴇ ᴏ ғᴜᴛᴜʀᴏ ᴘᴀʀᴇᴄᴇᴍ-ɴᴏs sᴇᴍᴘʀᴇ ᴍᴇʟʜᴏʀᴇs; ᴏ ᴘʀᴇsᴇɴᴛᴇ, sᴇᴍᴘʀᴇ ᴘɪᴏʀ.
— Wɪʟʟɪᴀᴍ Sʜᴀᴋᴇsᴘᴇᴀʀᴇ.
Eu sentia o vazio no peito conforme o enorme caixão preto começava a descer, a dor em meu coração alastrava-se e a sensação de sufocamento tomou o ar de meus pulmões, impedindo-o de adentrar e deixou minha respiração acelerada e descompassada. Tentei puxar o máximo de ar que conseguia por meus lábios de maneira a normalizar os batimentos cardíacos. Minha visão ficou turva, as tortuosas lágrimas escorriam pelos olhos e o grito de dor ficou trancafiado em minha garganta. Eu queria gritar, precisava. Minha vontade de tirá-lo de lá foi controlada ao perceber que era tarde demais e seu corpo agora encontrava-se enterrado a sete palmos afastado de mim.
Ele tinha morrido e com isso levado uma enorme parte de toda minha existência.
O aperto em meus ombros me recordou de que eu não estava sozinha, mas aquele sentimento permanecia acolhendo-me de maneira a não conseguir ver mais ninguém no mundo que pudesse fechar o buraco aberto que crescia catastrófico no meu coração. Virei na direção da pessoa observando os olhos amendoados me fitarem de forma penosa, eu não queria a pena de ninguém. Existia a falha tentativa de amenizar minha dor em sua expressão, mas seria impossível que alguém naquele local conseguisse realizar tal proeza.
— Você precisa ser forte, Brendan não iria querer vê-la desse jeito. — a voz saiu baixa e lenta para que eu entendesse as palavras. Quis rir da ironia daquela frase, forte era algo que eu já tinha deixado de ser há muitos anos e naquele instante tive a certeza que nunca voltaria a ter essa força que muitos afirmavam que deveríamos buscar, trazer e receber em nossas medíocres vidas.
Ela não compreendia, não conhecia a sensação de ter cada mínimo detalhe arrancado em um piscar de olhos, o mesmo tormento de anos atrás quando perdi meus pais se repetia e a partir de hoje não teria a única pessoa que mais amei nesse mundo. A pessoa que era do meu próprio sangue, a que me entendia da sua maneira e arrancava os meus melhores risos mesmo nos dias mais acinzentados. Aquela pessoa não estava mais lá para me amparar e abraçar dizendo que tudo ficaria bem, nada que qualquer um dissesse faria eu me sentir melhor.
Não naquele dia em que o céu estava nublado e as densas gotas de chuva caiam sobre nossos corpos, as folhas ressecadas foram arrastadas pelo vento gélido e pisoteadas sem qualquer ternura, os guarda-chuvas pretos estavam sobre as cabeças das pessoas com as vestimentas mais obscuras que refletiam o dia trágico e o real motivo para depois de muito tempo todos se reunirem.
A morte de alguém que consideravam querido, ou deveriam, porém só se deram ao trabalho de aparecer quando já não podiam mais proferir palavras de conforto para ele e agora estavam preparados para aquela ocasião, ou fingiam estar prontos para o funeral de Brendan Levy, a minha segunda parte, a outra face do meu ser.
As lágrimas caíam pelos olhos de alguns e a dor refletia na fisionomia de outros, enquanto os demais apenas marcavam sua ilustre presença. Recebi condolências ao longo da cerimônia e abraços apertados que tentavam transmitir algum tipo de conforto, mas a única coisa que me tomou foi o vazio que passei a carregar em meu interior.
Meu irmão foi a pessoa mais especial que alguém poderia ter, ele era como o sol, por onde passava transmitia luz e confiança como se sua mera presença pudesse fazer com que todas as tristezas se dissipassem. O seu sorriso tinha o poder de quebrar barreiras e aquecer corações. Brendan foi o meu porto seguro, o farol que iluminou cada uma de minhas noites e me guiou para casa, o nosso lar. Não existiam palavras que pudessem descrevê-lo, não da forma que ele merecia.
Talvez fosse à ligação que tínhamos, o motivo de termos nascido apenas alguns minutos depois do outro. Aquela grande conexão que gêmeos poderiam ter e que agora não havia mais, pois uma parte dela tinha sido cortada e rompida.
O vento frio passou por meu corpo trazendo um calafrio e fazendo-o estremecer, de forma inútil me abracei numa falha tentativa de que aquilo pudesse melhorar. As lágrimas ainda caíam descompassadas tornando minha visão turva enquanto meus olhos continuavam fixos na cova a minha frente.
Algo me atraiu, uma sensação estranha tomou meu corpo. Ergui o olhar observando o local que me rodeava, fixei minha atenção nele sentindo-me traída por meus próprios olhos que buscaram os dele em meio a tantas outras pessoas. Sua íris tão cristalina e profunda como o oceano estava agora coberta na mais dura profundeza trazendo toda a sua perturbação de um dia tempestuoso.
Os três homens estavam parados há alguns metros de onde eu estava, usando os ternos pretos perfeitamente alinhados que se destacavam com os hematomas do acidente e ao vê-los naquela cerimônia a náusea atingiu o meu estômago. Arqueei o tronco em desespero com o gosto amargo em minha boca, eu precisava sair o mais rápido dali.
A tristeza que antes me invadia deu lugar para o ódio que havia nutrido dentro de meu peito durante os dias que seguiram, a frustração alastrou-se ao ter que vê-lo parado diante de mim e em frente ao túmulo de Brendan. Tentei respirar fundo, inspirando e expirando e mais uma vez o ar me foi tirado, arrancado de meus pulmões como se houvesse uma corda em meu pescoço impossibilitando-me de manter aquela simples ação.
Tudo ao meu redor começou a ficar embaçado, refletindo o breu em minha visão enquanto meu corpo doía, minha cabeça latejava e a fraqueza em minhas pernas transmitiam a sensação de que um passo em falso e eu desabaria contra o chão.
— Querida? — Tia Margo me chamou, a voz parecia longe. Tão rasa, porém meus olhos continuavam cravados aos dele e isso me matava.
Tinha a sensação de ter uma faca afiada perfurando fundo rente ao meu coração, sendo contorcida na carne, fincando e ampliando a ferida aberta que pulsava em desespero e clamava em sofrimento.
Minha cabeça martelava e a palavra "assassino" ecoava em minha mente, a única pessoa que eu havia entregado meu coração de corpo e alma, dado todo o amor que uma vez guardei, também tinha sido a pessoa que tirou o meu precioso Brendan.
Eu não o amava mais, meu amor tinha sido extinto no mesmo dia em que pude escutar os últimos batimentos cardíacos de Brendan e o suspiro por seus lábios antes de seus olhos fecharem diante de mim e a morte levá-lo com o seu sorriso terno.
Fechei os olhos tentando me acalmar, mas as imagens daquela noite atormentavam minha cabeça. A ligação, a dor, o sangue espalhado por minhas mãos e roupas e acima de tudo, o desespero. Cada imagem piscava em câmera lenta, repetindo e rebobinando, não havia fim. Cravei minhas unhas nas palmas das mãos mesmo sabendo que aquilo poderia machucar, contudo sentia como se nada pudesse me causar mais dor.
"Acidente de carro, o motorista estava bêbado, o carro bateu em cheio contra o caminhão." — Aquela frase ecoou por meus pensamentos.
A imagem de Brendan refletiu, ele mantinha um sorriso fraco em minha direção tentando dizer que tudo ficaria bem, seus dedos entrelaçados aos meus, apertando-os, de forma acolhedora mesmo eu sabendo que nada ficaria bem ao ver o enorme ferro que havia atravessado sua barriga e o sangue que cobria todo o seu corpo, inundando as suas roupas.
— A culpa não foi de ninguém, não o culpe. — Sua voz saiu de forma baixa, quase inaudível, quebrando meu coração por inteiro. Estilhaçando-o até não haver mais nada que pudesse recolher. — Eu amo você, Line. — Seus olhos se fecharam e eu sabia o que tinha acontecido.
A morte levou Brendan, o ceifador estava parado diante de nós apenas observando a cena fúnebre e cruel que levaria meu irmão para o seu destino impiedoso. A prancheta estava firme em seus dedos e as marcas escuras fixas em sua pele anunciando o nome daqueles que não estavam mais entre nós.
O desespero me fez entrar em pânico, os médicos tentaram fazer de tudo para reanimá-lo, porém o corpo masculino continuava imóvel e os batimentos cardíacos já não apitavam mais. Era tarde demais. Brendan não estava mais ali e seu coração não batia. Não me recordo quantas horas fiquei sentada no chão com minhas mãos ensanguentadas e com a cabeça apoiada na parede, mantendo o olhar vago percorrendo-o pelos corredores e observando as pessoas que caminhavam entre o local.
Por um breve segundo minha mente me levou para os amigos de Brendan e para ele, o motorista que estava bêbado, aquilo ressoou mais uma vez como uma arma mirada em meu peito.
Naquele dia não havia sido apenas Brendan que tinha morrido, todo o amor que um dia eu nutri foi consigo. Cada parte que mantinha intacta não estava mais presente e a única coisa que restou foi aquela mágoa e a dor, nutrindo o ódio de uma vez ter amado a pessoa que arrancou a vida de Brendan.
Não aguentaria ficar no mesmo ambiente que ele e uma última vez olhei para o enorme buraco a minha frente, observei o caixão tornar-se cada vez mais distante sendo coberto pela terra. Levando-o embora.
Dei as costas de modo a não me importar com o que pensariam e fugi para o mais longe de todas aquelas pessoas que fingiam estar comovidas sem nunca sequer ter nos procurado, mas acima de tudo eu precisava me afastar dele. Pude escutar o meu nome ser gritado, mas não pararia, era como se naquele funeral não houvesse apenas um enterro e sim dois, e eu fui enterrada junto a meu irmão.
Ninguém poderia trazê-lo de volta e apenas Brendan possuía o dom para resplandecer os meus tormentos e pesadelos.
— Espere por mim, Brendan, nós ainda iremos nos encontrar. — Sussurrei baixo, levando as mangas de minha blusa aos olhos, correndo enquanto a escuridão me contemplava por inteiro e eu permitiria que ela me tomasse para si, como uma velha conhecida.
✶⊶⊷⊶⊷❍⊶⊷⊶⊷✶
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