TURVO
TURVO
Nathaniel
Anoitecia e Johan ainda se encontrava em estado meditativo. Eu usava de toda a minha lógica para tentar compreender suas razões, mas não tinha alcançado nenhuma definição concreta, somente especulações.
Começava a ficar ansioso, me sentia mais humano do que jamais havia acontecido, e a calma de Johan já me tirava do sério.
Balancei a mão à frente de seu rosto, para verificar se não estava dormindo, ele abriu um e franziu o cenho.
- Shhhhhhhhh – fez ele levando um dedo aos lábios – Sinta Nathaniel. Céus! Será que não consegue ver?
Engoli alguns xingamentos porque não tinha escolha. Como tudo se resumia a ela, e em tê-la sã e salva ao meu lado, precisava seguir o que Johan me dizia. O quanto antes terminasse, antes estaria livre para ir até Liza.
- Desculpe Johan, não estou conseguindo.
- Jovens! Querem tudo de mão beijada! – esbravejou – Estou falando das Madras Nathaniel, Madras!
Johan abandonou sua posição de meditação e andou de um lado para o outro à minha frente. Seus olhos púrpura faiscavam no escuro. Não me atrevi a falar, nunca havia escutado sobre Madras. Ele continuou resmungando:
- Vou abrir uma escola, O Templo do Deserto para jovens anjos indisciplinados! – ele sacudiu os braços e gritou para o Templo – Que raio de missão é essa, Oculus Mundi?
Depois sentou-se mais uma vez ao meu lado, calmo, como se nada tivesse acontecido.
- Madras Nathaniel, são os espirítos da terra. Acho melhor lhe falar de todos, já que não sabe de nada pelo visto. Existem espíritos para cada elemento. As Ruínas do Vento, como já lhe expliquei, são as expressões que nós, espíritos, deixamos no ar. Portanto ar, entendeu?
Disse-me em câmera lenta como se explicasse a um aluno com dificuldades de aprendizado.
- Agora, vamos as Madras. São os espíritos da terra. Preservam a memória de tudo que aconteceu em cada lugar desse mundo. Basta saber ler. Aqui, está a história do tratado com Morte, bem debaixo de nossos pés. Entendeu?
Meneei a cabeça. Se usasse minha voz perderia a concentração e sucumbiria ao meu desejo de abandoná-lo e não ter mais que tolerar suas excentricidades.
- Ótimo. Então leia! Quando terminar, estarei no Templo.
Johan desapareceu teatralmente no ar. Fiquei grato com sua ausência.
Passei alguns minutos sentindo a atmosfera, tentava me conectar com o lugar a minha volta. Sempre achei muito fácil com as pessoas, mas acho que com tantas repreensões sofridas no orfanato e com tanta maldade percebida nas pessoas ao longo dos anos, devo ter inconscientemente bloqueado esse dom.
Após algumas horas, senti que a terra se questionava se deveria ou não falar comigo e me contar as histórias do passado.
As Madras suspeitavam, pois pelo que me transmitiram, foram treinadas a não contar suas lembranças para qualquer um. Então deixei que penetrassem em meu consciente, e elas me preencheram suaves, como o toque do sol no início da manhã. Diferentes das Ruínas do vento, eu não podia vê-las, elas é que me viam para decidir o que contar.
Aconteceu subitamente, mergulhei no passado daquele mesmo local, exatamente onde eu estava eu fiquei, mas tudo mudou ao meu redor.
Era uma manhã de céu nublado, tons de cinza e preto, as nuvens traziam uma tempestade. A areia do deserto, estava pálida, bem diferente da cor creme e macia que já havia me habituado. A atmosfera não era nem de longe o belo lugar de paz que eu me encontrava há pouco, no Templo.
Um anjo apareceu, com o rosto coberto pelo capuz, mas pude sentir sua energia. Ele vestia o mesmo manto de Johan, mostarda. Ele fez um círculo em minha volta e parou ao meu lado esquerdo, flutuando alguns metros acima de mim, com as mãos cruzadas no peito. Depois falou algo com si mesmo, não consegui decifrar.
Outros foram chegando e repetindo o gesto, cada um ocupou o seu lugar no círculo. Todos tinham seu rosto coberto pelo capuz, eram seis no total e flutuavam em alturas crescentes, como se formassem uma hierarquia. Recordei-me instantaneamente da lembrança de meu pai, no Penhasco.
- Hoje, após 100 anos da queda de Ivanka, o conselho volta a se reunir. Façam suas observações – falou o anjo que flutuava na maior altura.
- Centenas de mortes senhor. É só o que vejo. Almas gêmeas, todas levadas antes da hora. – disse o anjo que pelas minhas contas, seria o quarto na hierarquia.
- Ela se torna mais forte a cada momento – lamentou o anjo que flutuava mais próximo de mim.
- A culpa é nossa Anliel, nós fizemos isso. Nós geramos os três. E não pode ser desfeito, por isso ela se torna tão forte.
- Anadriel não inclua a todos nisso. Talvez você devesse ser punido. Eu nunca concordei. Não se deve confiar nos homens. Deposita agora a culpa em seus irmãos, para se livrar de sua própria?
- Basta! – disse gravemente o anjo mais alto, elevando sua mão a frente, e o silêncio caiu como pedra. Sua voz ecoou pelo deserto - Anliel, diga aos outros, o que me revelou ontem pela manhã.
- Tem certeza Gabriel? É chegado o momento?
- Estás questionando meu julgamento? – respondeu ainda mais grave, Anliel se calou, baixando a cabeça e fechando suas mãos à frente do peito.
- Então é verdade Gabriel? O deixou olhar no Óculus Mundi? Ele acaba de entrar no Conselho e já lhe foi concedida esta honra? – interrompeu o anjo logo abaixo de Gabriel, ao seu lado direito.
- Contenha-se Mikael. És tão vaidoso que se esquece? Sabes muito bem, é o Oculus Mundi que escolhe quem o vê, não o contrário.
Meu pai era um deles. Um dos líderes do conselho. Eu já sabia até então, mas presenciá-lo em uma reunião, era completamente novo. Ele me parecia diferente, talvez porque ainda não estivesse unido a minha mãe.
- Se me permite Gabriel – pediu Anliel – Temo pela humanidade, temo por nós. Pessoas inocentes estão em perigo. A morte, está à espreita, ela espera ansiosamente por este dia. O Óculus Mundi revelou dois traidores entre nós. Um, ainda não o fez, ele não será o primeiro a o fazer, mas deverá ser o último. Um dos nossos, já se casou com uma humana e concebeu com ela, dois filhos. Eles irão pagar por seu erro.
Notei que um dos anjos estremeceu, senti o medo que ele exalava.
- Não acredito em você, Anliel. Diz isso para ganhar prestígio no Conselho. O Oculus Mundi nunca escolheu nenhum de nós. Por que você?
- Sinto muito Mikael. Vejo que seu julgamento já está afetado, tomado pela inveja. Não és mais digno de suas tarefas. E acho que todos já desconfiavam, que um de nós, vive uma vida secreta.
- Seu desgraçado! Eu confiei em você! – gritou de repente o anjo flutuando mais baixo, ele retirou o capuz e não acreditei no que vi. Era Johan.
- Você sabe que eu não tenho culpa. A morte, sempre cobra suas dívidas. É uma questão de tempo até que Ivanka leve seus filhos, mas você escolheu correr o risco. Sabia da tormenta das almas gêmeas quando se casou com a sua.
- Eles não tem culpa de nada. O tratado sequer existe! Estava casado antes de surgir a tormenta! – gritou Johan enfurecido, avançando até Anliel. Mas antes que se aproximasse o bastante, caiu violentamente no chão, levantando uma nuvem de areia à sua volta.
- Sinto muito, Johan. Mas você não será o culpado pela quebra do tratado que faremos. Seus filhos serão apenas feitos de exemplo à Ivanka. Será você Mikael. Que terás um filho com a humana após o tratado, àquela cujos passos você já vigia há anos. Mas pode ser útil a nós. Já que o futuro visto pelo Óculus Mundi é imutável, envolva-se com Isabel, engravide-a, e deixe-a fazer o sacrifício, só assim, estaremos perdoados, após a quebra do tratado. E se o seu filho nascer, estaremos todos condenados, pois será ele quem revelará a alma dourada à morte.
- Eu sou o segundo líder! Sou eu quem busca e protege as almas douradas! Eu! Como podem acreditar nisso? - Disse meu pai e antes que tivesse qualquer chance de se defender, Gabriel interveio.
- Mikael e Johan, vocês estão expulsos do Conselho e condenados a julgamento.
No momento em que meu pai e Johan foram banidos, desapareceram do círculo do Conselho.
- Anliel, fique próximo de Mikael. Ele não obedecerá, deveremos interceder quando a hora chegar, pelo bem de todos. Garanta que ele não se afaste da humana até o nascimento de seu filho, essa é a nossa chance.
Reunião encerrada, retornem às suas almas. Jamais pensei que veria o dia em que anjos se comportariam tão tolamente quanto os humanos.
Gabriel então desapareceu, sendo seguido pelos três que haviam restado. E eu não podia acreditar. Meus pais foram usados pelos anjos, e o Conselho me queria como um cordeiro para o abate.
E se eu me entregar à Morte? Será que ainda há tempo para a salvação?
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=O =O =O Será que o Nate vai fazer isso, gente???
Estou surtando por esse motivo e mais um: faltam 3 dias pros livros chegarem da gráfica! Quem mais tá ansioso aí? \o/
Participem lá no evento que criei no face para ficar por dentro das novidades e dos sorteios!
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