LUAU
Luau
Liza
Peguei o para WInterhill. Faltavam duas horas para o meu destino. Talvez fosse a minha despedida, talvez fosse mesmo a hora de fazer a escolha que ninguém mais seria capaz. Tentei me distrair dos nervos a flor da pele e observei a estrada que deveria me ser familiar. Analisei as montanhas cobertas de neve e lutei para extrair lembranças do meu cérebro nublado, mas foi inútil. Sonolenta, recostei a cabeça na janela e notei a água que escorria por ela. Parecia se mover contra o ritmo da fraca chuva lá fora, suas formas se agitavam e subiam em vez de descer, como se desafiassem a gravidade. Ignorei esse fato e fechei os olhos, prestes a adormecer. Contive um espasmo ao ouvir o som abrupto de algo se chocar contra o ônibus, pensei que havíamos batido em algo, mas continuávamos em movimento.
Ao voltar minha atenção para a janela, senti o sangue deixar meu rosto. A palma de uma mão pálida, subia e descia escorregadia pelo vidro. Gotas de um líquido viscoso escorriam pelo pulso enquanto a mão repetia o gesto desesperado de alguém em luta para não se afogar.
Fiz o oposto do que deveria e colei a bochecha no vidro gelado buscando ver melhor o que era aquilo. Um homem com a pele cinza e o aspecto de doente, se esforçava para subir no ônibus. Fechei os olhos novamente e minha respiração saiu entrecortada.
Só é real se você acreditar, Liza.
Para o meu terror, ouvi o som das rodas frearem no asfalto, após obviamente ter atropelado alguma coisa. Pude imaginar os ossos do homem se quebrando. Meu coração falhou algumas batidas e seguiu descompassado enquanto eu me acalmava.
- Srta. desculpe por lhe acordar. Chegamos na última parada – o senhor ao meu lado anunciou.
Então foi só um pesadelo.
Será?
Peguei a mala no compartimento de cima após me recuperar do susto e desci ao encontro de Ben e Amanda. Os dois me fitavam ansiosos.
- Olá minha desmemoriada favorita! - os braços de Ben me envolveram.
- Ben - Amanda lhe deu um tapa no braço.
- Tudo bem, Amanda. Aprendi a rir dos problemas, tratá-los como algo ruim não os fará desaparecer.
Dei de ombros e sorri.
Eu me sentia tão leve perto deles. Não sei como eu sentia isso. Mas suas almas quase vibravam para mim. Simples, claras como algodão. Amorteciam a queda do abismo onde eu havia sido jogada.
- Mas me conta, Amanda. Luau de noivado na praia? Com esse frio?
- Você não conhece a teimosia da Amanda? - Ben passou os braços carinhosamente por seus ombros. Imaginei o mesmo toque vindo até mim, pelo dono dos olhos esmeraldas - Quando ela cisma...
- Fale a verdade, Ben! Você que planejou a festa antes mesmo de saber se eu aceitaria, seu convencido - Amanda exalava felicidade.
- Claro! Se você dissesse não, seria na marra.
Não sei a razão, mas imaginei que os dois juntos fossem sempre assim, implicantes e brincalhões.
***
Chegamos até a minha última casa, o lugar para onde viemos depois do desaparecimento dos meus pais.
A ansiedade me invadiu mais uma vez, ao imaginar as lembranças ressurgindo, mas percebi que não bastaria somente estar ali. O que apenas reforçou a decisão de ir ao cemitério e descobrir o que aconteceu naquela noite.
Cruzei a porta da frente, e não pude evitar o pensamento: Finalmente, um lar.
Eu realmente me sentia mais confortável ali.
A sala era pequena e aconchegante, dois sofás vermelhos ficavam virados para o móvel na parede onde estava a televisão, alguns porta-retratos se espalhavam pela prateleira entre pequenos objetos decorativos. Uma porta a esquerda dava para a cozinha e outra ao seu lado levava ao banheiro.
Se eu seguisse em frente pelo corredor estreito, sairia no quintal dos fundos, onde Ben fez a surpresa à Amanda e a pediu em casamento. Amanda me indicou meu quarto, que ela e Ben mantiveram intacto, ficava a esquerda subindo as escadas. O resto de minhas coisas permaneceram ali, me esperavam voltar desde a noite do cemitério, quando tudo aconteceu. Notei uma pequena caixa de madeira no criado mudo ao lado da cama, com um desenho incrustado no formato de uma flor de lis. Em um ímpeto de curiosidade, sentei na cama e a abri. Peguei o pequeno cartão guardado e o li enquanto uma bailarina cor de pérola dançava uma linda melodia em frente ao pequeno espelho oval.
"Espero que goste Miosótis,
do seu anjo do Penhasco.
Nathaniel"
Era uma caixinha de música. Será que eu já a tinha antes de perder a memória? Quando a melodia cessou, foi substituída pela voz dele. O único som capaz de me dar forças para continuar a lutar, mesmo sem saber o motivo. Naqueles breves segundos fui preenchida por ela, vinha de mim, estava em mim, por baixo de minha pele esquentando meu sangue. O ouvi tão nitidamente, que o procurei pelo quarto.
"Essa música me faz pensar em você Liz, sempre que ouvi-la me imagine ao seu lado, pois é onde sempre estarei."
Após fechar e abrir a tampa da caixa de música repetidamente, deixei o quarto antes que enlouquecesse.
Ainda da escada, vi Ben na sala com o semblante frustrado, seu olhar não demonstrava absorver nada do que passava na televisão.
- Oi Ben, já dei um jeito nas minhas coisas e pensei em dar uma volta na cidade. Cadê a Amanda? - me esforcei para soar casual e não levantar suspeitas.
- Está dormindo de novo. Hoje de manhã quando fomos buscar você, precisei sacudi-la para ela se levantar. E agora ela desmaiou na cama mais uma vez. Nem parece que nossa festa é hoje – cruzou os braços com um desânimo oposto ao seu humor habitual.
- Ela deve ter virado a noite ansiosa com a festa hoje, pode apostar.
- É, pode ser. Aonde você vai? Quer uma carona?
- Não, eu gosto de caminhar. Só vou dar um passeio mesmo, não sei bem onde especificamente – quase me dedurei por falar olhando para os pés.
- Você e essa mania de passear na nevasca.
Apertei o casaco contra o corpo quando sai da casa. Estava um gelo.
Desci os degraus da varanda e vi que um menino me encarava do outro lado da rua.
Ele me olhou assustado ao perceber que eu o observava, mas antes de sair correndo, deixou alguma coisa debaixo de uma pedrinha no chão.
- Ei, espere!
Corri para alcançá-lo mas ele foi muito mais rápido.
O menino já descia o final rua quando me abaixei e li uma mensagem que não poderia estar endereçada a ninguém além de mim:
"Para conhecer a verdade, me encontre no túmulo do anjo de prata."
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GENNNNTE, ficaram tão aflitos quanto eu? =O
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