ESCOLHAS
ESCOLHAS
Adrian
Ao refletir, viu que ignorou todos os sinais. Eles estavam bem ali, ao alcance. Mas ele, ainda imerso na inocência, acreditou no feliz para sempre.
Não recordava exatamente de quanto tempo passaram ali, porque as horas não eram medidas. Não se contava os segundos naquela existência.
Lembrava dos três em harmonia, no lugar que lhes pertencia e quando chegasse a hora, quando despertassem todos os seus dons, perpetuariam o bem entre os humanos.
Os anjos falharam ao criá-los em semelhança aos homens e as mulheres. Nenhuma alma, fosse negra ou branca, seria capaz de resistir a tais tentações.
Além do seu desejo natural de homem, Adrian convivia com as provocações de Gaia.
Nos primeiros anos, ao menos acreditava que tivesse sido esse o tempo, vasculharam todos os cantos do Lar dar Virtudes e ficaram fascinados ao descobrir sua capacidade de alterar as paisagens.
Ali, tudo era belo, vivo. Em um momento se andava em meio a extensa floresta com suas grutas, entre as árvores altíssimas ouvindo o canto dos pássaros e no outro se mergulhava em lagos ou até no mar. Era o universo infinito deles. Universo infinito de criação.
A única ameaça no ar, vinha da torre de mármore negro. No topo da mais alta montanha ficava a sua construção, à espreita daquele que caísse no vazio, na quebra do elo das almas gêmeas.
Mas os anjos confiaram neles e Adrian não os decepcionaria. Por que haveria alguém de desejar, mais do que o que ali possuíam?
Foi o seu tolo pensamento na época.
Imaginou que Gaia e Ivanka compartilhassem do meu sentimento, mas ambas queriam mais. E ele próprio deveria assumir que não era assim, virtuoso.
Lembrou da fase em que Ivanka se tornou obsessiva, introspectiva. Não praticava mais em conjunto e se recolhia cada vez mais para dentro de si.
Adrian mal podia ouvir sua alma, estava quase muda. Ele se aproximou algumas vezes, mas ela o mantinha afastado, dizia precisar se concentrar, treinar, treinar e treinar.
Repassou mentalmente as semanas que se repetiram e recordou de Gaia. Ela tornava-se a cada dia mais impaciente, cedia facilmente aos próprios desejos, ignorava os treinamentos e por perceber nele mais inclinação às fraquezas, tentava a todo custo lhe influenciar.
Certa tarde, Adrian contemplava o lago e sentia-se desanimado, consumido pelos desejos egoístas de seu lado humano. Passou horas e mais horas ali, sentado na areia. O céu estava claro quando se sentou e já escurecia quando Gaia apareceu ao seu lado.
Ela apenas o olhou e sorriu, não havia necessidade de palavras para entender o que dizia. Gaia estava possuída pelo desejo humano, não se incomodava por saber que esse simples gesto, punha tudo em risco. Sua mão se elevou até o rosto de Adrian e ele fechou os olhos com o toque de sua pele. Foi a primeira vez que provaram do tato. Mão no rosto, pele na pele. Lentamente ela contornou seu maxilar e desceu até o pescoço o massageando com os dedos.
Vendo Adrian entregue a sua provocação, ela se levantou e lhe ofereceu a mão, seus olhos lhe convidaram para mergulhar no lago e ele aceitou.
Banhados na água morna, Gaia refez o movimento de antes de suas mãos, com os lábios. Adrian ouviu a consciência gritar para que ele interrompesse, mas seu corpo era fraco demais. Quando Gaia aproximou seus lábios dos dele, percebeu que sua alma lhe desejava e nos breves instantes que se seguiram, permitiu-se sentir paixão.
Adrian parou o beijo ao ver o rosto de Ivanka molhado de lágrimas em seus pensamentos e tarde demais percebeu a gravidade da traição.
Foram puxados bruscamente para fora do lago, ambos caíram sentados e assustados ao dar-se conta da desgraça cometida.
Ivanka os olhava de cima e já não havia nenhuma bondade em seu rosto. Não era a mesma amiga de antes, sua alma estava vazia, dominada pelo desejo de vingança.
Os anjos do Conselho os abandonaram e em uma semana, disseram que a índole de cada um lhes revelaria o castigo eterno. Tristemente, Adrian soube que de Ivanka seria a torre de mármore negro.
Os três se separaram, cada um em uma face do Lar das Virtudes que não mais existiam.
Em uma última tentativa de reconquistar a paz, Adrian e Gaia forjaram um presente à Ivanka. Centenas de orquídeas brancas brotaram no jardim onde Ivanka agora vivia, eles as fizeram entre as árvores e os arbustos. Após a última flor nascer, aguardaram por dias o retorno de Ivanka, ela não poderia ter deixado o Lar das Virtudes para sempre, uma vez que o destino ainda não havia sido selado. Mas ela não apareceu.
Até que certa noite, tomado pela curiosidade, saiu em sua busca. Algo ruim estava acontecendo, o mal pairava no ar, negro e denso.
Embrenhou-se na floresta até chegar ao jardim das orquídeas brancas criado por ele e Gaia e ficou aterrorizado.
Ivanka desceu até ele, vinha do alto, da torre de mármore negro.
Seu traje era um manto de seda branca, sua pele quase desaparecia de tão próxima a cor do manto. Os cabelos por tanto tempo presos em um coque, desciam livremente até os pés, brilhantes e pretos. Mas foi seu rosto que desarmou suas defesas. Quem o fitasse desconhecendo a verdade, o tomaria por puro, inocente.
Apenas seus olhos, cruéis e frios a entregavam, até ela lhe abrir um sorriso, que seria capaz de congelar o sol.
Ivanka se tornou a mãe do vazio. E o pior, parecia feliz com esse desfecho.
Ela era sensual agora, onipresente. Sua força nublou a de Adrian. E ele se entristeceu, a culpa o perfurou como uma adaga. Era ele o culpado por ter cedido à Gaia, porque coube a ele a escolha e ele a fez, errado.
Ivanka mantinha um sorriso no rosto, se divertia com sua expressão de dor.
Adrian caiu de joelhos ao notar o que ela havia feito com a oferta de paz. O jardim estava transformado. As flores de brancas, passaram a negras e sentiu centenas de almas aprisionadas, gritando por socorro, implorando por perdão. Suas vozes lhe atormentavam, ele sentia suas dores, seu medo, seu desespero.
- O que você fez, Ivanka?
- O que eu fiz, Haniel? Eu? - seu tom de voz se elevou – Agradeça a si mesmo e não se esqueça de Gaia. Como ousam vir aqui e me ofertar um presente em símbolo de paz? De amor?
- Apenas erramos Ivanka. E viemos nos desculpar. Mas o que você fez, é imperdoável. Terei que lhe delatar para os anjos.
Sua risada ecoou ruidosamente entre as árvores, não havia nenhuma alegria naquele som.
- Oh, não! Onde me esconderei?! - disse com o medo fingido no rosto. - Sabe, no início, tudo o que desejei foi vingança. Mas nos dias que passei na Terra, descobri algo infinitamente melhor e esse desfecho foi exatamente o que eu desejava. Meu propósito é muito maior que o de vocês. Dois idiotas que receberam dons que não mereciam, mas pagarão pelo mal causado.Sabe essa dor que sentiu agora? É a dor daqueles que morreram por mim.Você sentirá todas as dores, de todos aqueles que falecerem e Gaia ouvirá seus gritos, seus pedidos de clemência. E nunca mais, eu repito, nunca mais encontrarão o amor.
- Não faça isso Ivanka, ainda há tempo. Podemos implorar por perdão ao Conselho.
- O tempo não existe, Haniel. E se errou comigo uma vez, errou para sempre.
Ivanka retornou para a torre de mármore negro. Adrian a observou se afastar ciente de que em seu próximo encontro, apenas um sairia ileso. Então provou da dor física pela primeira vez, quando a pele de seu pulso se abriu, e teve a sensação de ser rasgado de dentro para fora. Uma pequena flor, saiu da fenda que sangrava. Uma orquídea negra, idêntica as do jardim das almas, manchando de sangue o chão aos seus pés.
A fenda se fechou sozinha e onde antes havia o sangue, ficou a marca dos três Vs retorcidos.
O lembrete eterno da sua escolha. De seu pecado.
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Momentos intennnnsos! Sou suspeita, mas adoro esse capítulo. rsrs
Gostaram? =)
Beijosss e até domingo!
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