III
A jovem felin começou com o trabalho de pentear meus cabelos enquanto falávamos sobre artifícios estéticos. Naturalmente era tudo novo e diferente em nosso intercâmbio de saberes, pois éramos de mundos distintos. Os produtos que eu citava ela não conhecia, e vice-versa.
- Como se chama o lugar onde você mora? - Ela perguntou ao desembaraçar uma mecha castanha.
- Terra. - Respondi enquanto balançava minhas pernas para frente e para trás. A princesa parecia impaciente nos gestos, mas tinha o toque gentil de quem jamais me machucaria. - Eu sou de um lugar chamado Transilvânia, que está localizado na na Terra. Moro em um castelo com vista para uma floresta linda e os Montes Cárpatos podem ser admirados nos confins dela.
- Lá é o mundo comum! - A voz de Luccy soou ao fundo. Eu não podia ver, pois estava de costas para ela. - Aqui também é Terra, mas é a dimensão da magia.
- E você, de onde é? - Perguntei enquanto observava o reflexo da felin no espelho.
- Sou do Mundo Reverso, um lugar onde não há tanta luz e todos são como eu. O meu pai é o soberano, imperador absoluto de tudo o que há, e o bruxo mais poderoso, amoroso e bonito de todo o nosso universo. Todos têm muito medo dele porque ele é o semideus das sombras. - Ela falava enquanto fazia algumas tranças em mim.
- Lá se chama Mysticat! - Luccy parou ao nosso lado e ficou nos encarando com seu olhar curioso. Ela tinha a feição muito doce e ao mesmo tempo imponente.
Os dedos de Mewleficent eram macios, suaves e habilidosos em seu trabalho que já estava quase concluído. Pelo espelho eu via sua expressão concentrada. Era a mesma que eu tinha quando penteava as minhas bonecas.
- Então a sua magia funciona aqui, Mewleficent... - Luccy, de repente, pareceu incrédula. Cruzou os braços enquanto avaliava a felin, em silêncio. Apenas os deuses sabem os conhecimentos que a elfa tinha e que visitava em seu interior.
- Rá! É lógico que sim. - Mewleficent soltou meus cabelos e fez com que eles se movessem sozinhos, se entrelaçando no topo da minha cabeça até formar um laço grande de finas tranças. Ela gostava de se exibir.
Mewleficent então esticou as mãos sobre a minha cabeça com as palmas voltadas para baixo e recitou um feitiço:
Pelos campos sombrios
Onde caminham os espíritos
Se faça uma bela coroa
De flores sem espinhos
As mãos de Mewleficent brilharam intensamente, não suportei olhar, mas quando parou, havia uma linda coroa de madressilvas enfeitando meus cabelos.
- Uau! - Luccy aplaudiu, empolgada. - Você deveria me ensinar isso.
- Você não consegue fazer como eu. Qual é a sua flor favorita? - Mewleficent fez a pergunta para Luccy enquanto eu me admirava no espelho, sorrindo largamente pela beleza do penteado complexo.
- Lírios. Eu amo lírios. - Luccy contou enquanto juntava as palmas das mãos na frente do peito e soltava um suspiro.
- Vou tentar algo, mas não sei se vou conseguir. - Mewleficent avisou, então fechou os olhos e começou a murmurar com uma mão sobre a outra, com as palmas voltadas para dentro e formando uma esfera.
Eu e Luccy assistimos curiosas, por alguns minutos. Parecia que Mewleficent estava falhando, mas repetia o que tentava fazer.
- O quê... - Comecei a falar.
- Shhh! - Mewleficent ordenou. - Não me desconcentra porque é difícil.
Era um sonho, tudo podia se realizar sem esforço, mas respeitei.
Então finalmente a felin abriu seus lindos olhos bicolores e soltou um grito, enquanto abria a mão, revelando um broche pequeno com um delicado lírio roxo.
- É para você. - Mewleficent entregou para Luccy.
A elfa sorriu e girou em torno do próprio eixo enquanto segurava a joia contra o coração.
- Obrigada, Mewleficent! Irei cuidar com carinho desse presente tão precioso. - Luccy prometeu emocionada. - Sou grata pelo seu esforço. Se desejas saber, eu até sinto como se conhecesse você há muito tempo.
A jovem felin ficou acanhada, mas logo tratou de se sobressair.
- Isso não é nada para uma magista poderosa como eu! Nem foi um grande esforço. - Ela jogou seus longos cabelos ruivos por sobre os ombros. - Então, estou com fome, você é pobre demais para me dar algo para comer? Miai! Nunca vi uma casa tão pequena!
Luccy ficou perplexa.
- Eu sei fazer biscoitos amanteigados que são divinos. Basta ter os ingredientes. Aprendi na cozinha do castelo. - Ofereci como retribuição pelo penteado que Mewleficent fez.
Luccy perguntou do que eu precisava, então relatei. Duvidei que ela teria os ingredientes, até que a vi bater um pé no chão, e o piso de madeira inteiriça se abriu em seguida, revelando um depósito de mantimentos que se elevou em espiral. Dali Luccy tirou tudo o que eu precisava para os biscoitos. A partir de então coloquei a mão na massa, batendo a manteiga e quebrando os ovos, enquanto Mewleficent apenas se recostou na cama e tirou um objeto estranho de um bolso em seu vestido. Era retangular.
- Então você é uma elfa estudante... - Puxei assunto com Luccy enquanto ela me ajudava.
- Sim! Eu estudo n'O Pomar. A minha mestra se chama Gaia. - Ela contou enquanto untava a forma. - Sempre tenho muito o que fazer por lá.
- Por qual motivo está aqui? É tempo de descanso? - Especulei.
- O Pomar está se organizando para tempos vindouros. Dispensaram todos os aprendizes e estão se preparando. - Ela respondeu.
- Se preparando para o quê? - Questionei, sentindo que estava passando dos limites, contudo era mais forte do que eu.
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