II

- Qual é seu nome e onde estamos? - A jovem de raça estranha perguntou em tom exigente, quase como se fôssemos suas criadas. Ela, aparentemente, não tinha medo.

A elfa abaixou o pergaminho, incrédula, e coçou a cabeça.

- Fui batizada como Luccy, quando, ainda em meu berço, sopraram sobre mim o pólen da primeira flor. - Suspirou enquanto colocava uma mão na cintura e movimentava a cabeça de um lado para o outro em um gesto de negação. - Aqui é um lugar que fica perto d'O Pomar, é a Floresta de Passagem e Presságio.

- Por quê tem esse nome? - Intrometi na conversa, recebendo um olhar hostil.

- Porque só passa por ela quem sente um bom presságio. É uma longa história, proibida para humanos. - Luccy respondeu enquanto franzia o cenho. Creio que ela foi gentil em me dar aquela breve informação.

- Que estranho... - A jovem de raça desconhecida replicou, jogando uma mecha de seu cabelo para trás do ombro. - Não sei nada sobre essas informações. Vocês não são felins.

Ela nos encarou.

- Não. Isto é, não sei. O que é um felin? - Perguntei, genuinamente curiosa. Não havia como me incluir ou excluir de um conceito cuja definição eu não sabia.

- É a minha raça. Eu sou uma felin. - Ela explicou. - Somos um tanto felinos.

Aquela era uma raça completamente desconhecida para mim.

- Que interessante! - Respondi com entusiasmo tranquilo.

Julguei que estava em um sonho, então eu podia lidar como algo fora do normal sem me assustar ou questionar demais.

- Eu sou uma humana e o meu nome é Ana. - Ofereci as informações de maneira cordial.

- O meu nome é Mewleficent e eu sou uma princesa. - Ela se apresentou.

- Eu sei o que é uma princesa! - Respondi, animada. - É uma posição de muito prestígio social.

Fiz uma reverência e ela riu.

- Miai! O que estamos fazendo por aqui? - A felin perguntou para a elfa. - Parece ser tão rústico e simplório, mas tem grande energia mágica circulando por todo o lugar.

- Bom... - Luccy assumiu uma postura tímida, com as mãos atrás do corpo, cabeça baixa, alisando a grama com a ponta do dedão do pé. - Eu roubei o pergaminho da minha mestra, pois queria aprender a me teletransportar, mas ao invés disso vocês surgiram na minha frente.

Eu ri da confusão enquanto Mewleficent segurou a ponta de seu queixo.

- Tem certeza de que é o feitiço correto? Por quê você precisaria de dois círculos para se teletransportar? - Disse, aparentemente muito entendida de magia. Talvez estudasse sobre o assunto.

- Eu não sei bem... - Luccy murmurou, nos olhando por baixo, um pouco culpada.

A felin caminhou até ela, em uma postura decidida, então estendeu a mão, imperativa. Luccy ergueu o rosto e virou para o lado, envergonhada.

- Não vou entregar. - Negou-se.

- Deixa eu ver o que está escrito, Luccy! Eu estudo magia e talvez possa te ajudar. Sou filha do grande Senhor das Trevas. - Ela disse, como se soubéssemos a quem se referia.

Dei um sobressalto e Luccy também. Aquilo não soava bom.

- O meu pai é um adulto gentil e de bem. - Mewleficent complementou enquanto revirava os olhos. - Ele é um ótimo pai, vejam como estou bem cuidada e tirem suas conclusões.

- O meu pai também é bom. - Falei. Aproveitando o ensejo.

As duas me lançaram um olhar de estranheza diante da informação não solicitada. Luccy acabou entregando o papel para Mewleficent, que torceu o focinho.

- Acho que não sei ler isso. - Confessou, derrotada.

Fiquei curiosa sobre as palavras que estavam lá.

- Eu também não sei ler tão bem. Está em uma língua humana. - Luccy complementou.

Caminhei até as duas e verifiquei o papel.

- Os humanos falam muitas línguas. - Informei enquanto avaliava os garranchos feitos com tinta. Estavam manchados, quase ininteligíveis. - Mas posso conferir, talvez eu saiba algo.

A felin entregou o papel para mim e eu peguei. Depois de um pouco de investigação, identifiquei os traços das letras e consegui ler. Estava em latim.

- Aqui diz para fazer um círculo com duas estrelas de quatro pontas. Coloque uma pedra preta entre as estrelas e recite as palavras, depois diga para onde deseja ir. - Traduzi em voz alta.

Nem era preciso ter muita inteligência para saber o que saiu errado na execução anterior.

- E agora? - Mewleficent questionou.

- Acho que é só fazer isso e voltamos para casa. - Opinei.

- Então você precisa de uma pedra preta. - Mewleficent disse para Luccy.

A elfa ficou pensativa.

- Acho que tenho uma guardada. - Falou enquanto fitava o além das lembranças.

Ela se virou, tocou na casca da árvore e sua mão emitiu um leve brilho violeta. Um espaço se abriu para entrarmos, como uma porta, mas a casca tinha simplesmente desaparecido. Ela entrou e nos chamou. Mewleficent andou na minha frente e foi quando notei seu rabo, que balançava inquieto.

Dentro da árvore havia alguns baús, um fogão de barro com dois buracos para colocar as panelas e uma entrada para a lenha. Alguns utensílios de cozinha pendurados. Uma cama, que na verdade era uma grande folha, como eu jamais tinha visto em toda a minha vida. Parecia macia e aconchegante. Em um canto havia algo como uma penteadeira, mas era apenas uma prateleira cheia de enfeites, frascos e objetos para o cabelo e o corpo. Havia um longo banco de madeira, onde me sentei enquanto Luccy abria um baú quase maior do que ela.

- Eu sei que coloquei aqui em algum lugar! - Sua voz soou abafada porque ela estava com metade do corpo dentro do baú.

Mewleficent não se fez de rogada. Ela se aproximou da prateleira, pegou um dos frascos, abriu e cheirou.

- Miai! Que forte! - Começou a espirrar.

Luccy olhou para ela, assustada, e correu alguns passos, diminuindo a distância entre as duas. Ela pegou o frasco e começou a rir.

- Isso é essência de pimenteira! Forte demais para o seu focinho sensível. - Luccy advertiu, então pegou outro frasco e entregou para Mewleficent. - Essa é a essência da flor da meia-noite, você vai gostar.

Luccy voltou a procurar pela pedra preta.

A felin abriu o frasco e cheirou, ficando com uma expressão encantada. Então passou em si mesma. O cheiro chegou no meu nariz e era realmente divino, muito suave. Lembrava a passagem das noites altas para as madrugadas, quando há muito silêncio e clima fresco.

Mewleficent pegou um tipo de pente e olhou para mim.

- Deixa eu pentear seus cabelos, Ana. Eu sou boa nisso. - Ela pediu com um sorriso um tanto gaiato que mostrava suas pequenas presas.

Luccy parou por um momento e nos observou.

- Pode me pentear, amiga. - Tirei a touca e soltei meus cabelos.

Mewleficent olhou ao redor e fez uma careta de desgosto, então ela jogou o pente no chão. Ficamos assustadas com aquele gesto. Porém Mewleficent mexeu sua mão e fez o pente flutuar.

- Foi apenas para testar se meus poderes estão funcionando. - Ela riu de nós. - Vocês precisavam ver as suas caras.

- Estão funcionando! - Luccy exclamou contente. - Então você pode fazer um portal. Sozinha, no caso.

- Miai, não posso... Não entendo a dinâmica de magia do seu mundo, então não é seguro para nós que eu faça algo tão grandioso como uma passagem entre dimensões. Olha o que você fez com um treino inocente. - Ela advertiu como se fosse uma grande autoridade.

Apesar de muito jovem, a princesa trazia consigo a responsabilidade, além do conhecimento. Seu ar rebelde era enganoso, pois não estava disposta a arriscar a vida de ninguém. Talvez estudasse muito mais do que imaginávamos para se aprimorar.

- Você tem razão, Mewleficent. - Luccy concordou.

Então Mewleficent, de alguma maneira, moveu suas mãos e transformou a pequena prateleira de madeira em uma penteadeira com espelho e um pequeno banco.

- Venha, Ana, sente-se aqui. - Ela ofereceu.

Eu aceitei e fiquei de frente para o espelho.

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