9. Todas as vozes
❀ Capítulo 9 | O Som do Silêncio ❀
Liam acabou contando tudo sobre a garota para Lana naquela mesma tarde - e se perguntou, sentindo-se um delinquente, porque não havia feito aquilo antes.
- Como ela se chama? - Lana perguntou, séria, enquanto Zeus passava a cabeça em seu braço.
- Zoey - Liam respondeu. Lana acariciou a cabeça do gato, pensativa.
- Diga a ela sobre mim. Talvez ela se sinta um pouco mais segura... - a cunhada disse. - Passe meu número e diga a ela que pode mandar mensagem se quiser.
O garoto conseguia perceber, pela expressão e postura de Lana, que aquilo ainda a atingia de alguma forma. Sabia que Lana sentia a dor de Zoey sem ao menos conhecê-la. Liam ficou satisfeito - e quase que aliviado - por ter contado aquilo à ela. Poderia ajudar Zoey de alguma maneira. Ao mesmo tempo, sentia-se um intrometido. Era por uma boa causa, entretanto. A colega parecia tão aflita e perdida de si - assim como Liam se sentia às vezes.
A semana seguinte chegou e o grupo de Liam teria que apresentar o trabalho de História. Liam foi designado a apresentar a maior parte do trabalho, pois tinha facilidade de falar em público. Era relativamente fácil para ele - porém, sempre sentia um frio na barriga antes de se expor daquela forma. Ele não conseguia imaginar o quão difícil era para Zoey o simples fato de ficar frente à mais de vinte pessoas; mesmo que não fosse falar. Com certeza a ansiedade dela era muito pior. Por isso, o grupo combinou que Zoey seria a responsável por passar os slides - dessa forma, ela poderia ficar sentada e menos exposta aos olhares.
Ao finalizar a apresentação, Daya elogiou a atuação de Liam. Os colegas aplaudiram. Orgulhoso de si mesmo e aliviado, ele se virou para pegar o pen drive conectado no computador antes que se esquecesse. Acabou se chocando contra Zoey, que ficou corada de imediato. Ela não viu, mas um dos colegas que sentava à frente tampou a boca em uma risada silenciosa. Há tempos Liam havia percebido que alguns deles a tratavam como se houvesse uma doença infecciosa.
- Opa. Desculpe-me - ele disse, ignorando os colegas. - Vou pegar meu pen drive.
Liam sentou-se novamente e assistiu à apresentação dos outros grupos. No final da aula, a professora já tinha as notas em mãos. O garoto sabia que ela havia gostado do trabalho deles - e Liam soubera responder muito bem a todas as perguntas.
Mas ele se enganou. De todos os grupos, fora a nota mais baixa; mesmo sendo apenas um ponto a menos do total. Liam estava ciente que um ponto fazia uma grande diferença no final do ano.
Amanda foi a primeira a reagir, um tanto surpresa. Liam estava tentando compreender o motivo daquela nota quando Daya relembrou o seu critério de avaliação: todos os membros do grupo tinham que apresentar. Zoey era a única que não havia apresentado, mas havia feito tanto quanto os outros. A professora, assim como os outros docentes, tinham que levar aquilo em conta.
- Não é justo - foi a vez de Carlos reclamar. - O grupo inteiro não pode ser prejudicado por causa de uma muda.
Liam franziu o cenho e olhou para trás, fuzilando o colega com o olhar. Mas Carlos não o viu - estava ocupado demais encarando Daya.
- Carlos! - Amanda interviu, irritada.
- Mas é verdade! - Carlos bateu a mão na mesa. - Ela não fala merda nenhuma!
Que droga, Liam pensou, ponderando dar-lhe um soco ou não. Não...ele não podia levar uma suspensão. Daya revidou, ameaçando a diminuir ainda mais a nota do grupo.
Liam respirou fundo, relaxando os punhos cerrados.
- Professora - sua voz soou calma, não correspondendo à sua irritação interior. - Zoey contribuiu muito com o trabalho, até mais que Carlos. Acho que devemos considerar as limitações dela. E nosso grupo tem uma pessoa a mais...
- Sim, ela não conta - Carlos falou apontando para Zoey.
- Não foi isso que eu quis dizer - Liam se virou novamente para o colega, dessa vez, conseguindo encará-lo com os olhos. Para com isso, cara, ele dizia mentalmente. - Eu...
- Chega! - Daya gritou, assustando Liam. Até mesmo as outras salas, sempre barulhentas, ficaram em silêncio. - Vocês perderam mais meio ponto pelo desaforo. Se eu ouvir mais uma reclamação, tiro mais meio. Isso vale para todos. Estão me ouvindo?
Quando o sinal para o intervalo bateu, Zoey foi a primeira a sair da sala com os passos apressados. Ela estava com uma expressão tão desolada que Liam não conseguiu ignorar. Pegando seu lanche rapidamente na mochila, o garoto disparou para fora da sala e tentou alcançá-la, mas foi impedida por Amanda.
- Não. Deixa comigo - ela disse, puxando-o pelo ombro. Liam viu Zoey entrar no banheiro feminino com a cabeça baixa.
Amanda e Kate foram atrás dela, e o garoto ficou parado no corredor já abarrotado de alunos. Depois, seguindo o fluxo das pessoas que saíam das salas, andou até ficar em frente ao banheiro das meninas. O corredor ficou vazio em segundos. Liam se encostou à parede e esperou. Um minuto depois, Kate e Amanda saíam do banheiro - mas sem Zoey.
- Ela não quer sair da cabine - Amanda disse a Liam antes que ele abrisse a boca para perguntar alguma coisa. - Vamos até a coordenação resolver isso sem ela. Venha com a gente.
- Não. - Liam balançou a cabeça. - Podem ir. Eu vou esperar.
As meninas assentiram e andaram juntas até desaparecerem pelo corredor. Um dos disciplinários trancava as salas, e o garoto acenou para chamar sua atenção.
- Ei! Minha colega ainda vai pegar o lanche - ele disse, mas o homem trancou a sala mesmo assim.
- Não posso esperar - o disciplinário respondeu. - São as regras.
Liam suspirou, sentando-se no chão. Encarou a porta do banheiro e esperou. Algumas meninas saíram, deixando o banheiro quase vazio. Segundos depois, Zoey saiu do banheiro com o rosto molhado e os olhos vermelhos. Surpresa, ela parou e olhou para ele. O garoto se pôs de pé rapidamente, mas sem se aproximar.
- Zoey... Você está bem? - ele perguntou. Claro que não, idiota, Liam repreendeu-se. Zoey balançou a cabeça em sinal positivo, mas ele não acreditou. Mais uma vez viu seu rosto corar de vergonha. Liam continuou: - Eles, hã, trancaram as salas... Pedi para que esperassem para que você pegasse seu lanche, mas não deixaram.
A garota assentiu mais uma vez, segurando as próprias mãos como uma criança medrosa. Liam não queria deixá-la desconfortável, mas não iria deixá-la ali. Lembrou-se mais uma vez das palavras de Lana. Se não seria ele a pessoa que poderia apoiá-la e compreendê-la naquela escola, quem seria?
- Vamos à cantina, eu te compro algo - ele disse aproximando-se, agradecendo por ter economizado o dinheiro que Marcela lhe dava para comprar lanche.
Zoey balançou a cabeça em sinal negativo. Ela mal conseguia olhar para Liam. Por experiência própria, negar de imediato algo tão simples era uma característica de pessoas tímidas. Por isso, o garoto insistiu e Zoey acabou concordando. Enquanto esperavam na fila para comprar o lanche, o garoto refletiu o quanto uma coisa tão simples para ele poderia ser monstruoso para Zoey. O simples fato de comprar um salgado na cantina da escola deveria ser um fato complicado para ela. De fato, nunca a tinha visto comprar nada - a garota sempre levava o lanche de casa.
Liam comprou-lhe um salgado e um copo de suco. Era possível ver a gratidão brilhando nos olhos de Zoey, e aquilo foi mais que satisfatório para ele. Eles se sentaram em uma das mesas mais afastadas dos grupos de alunos da cantina e lancharam em silêncio. Zoey comia como um passarinho - devagar e com cautela, como se a qualquer momento aparecesse um gavião esfomeado para matá-la.
O garoto baixou a cabeça, sem saber se contaria a ela sobre Lana naquele momento ou não. Liam começou a rodar seu anel no dedo novamente - fazia aquilo frequentemente quando estava nervoso. Então, reuniu coragem e começou a falar. Zoey pareceu surpresa; pois não esperava que ele insistisse em uma conversa sem respostas. Porém, o garoto sabia que ela era mais que uma voz. Ela escutaria e reagiria - e isso era mais significativo que todas as vozes.
Ele então contou sobre Lana, resumindo o máximo que pôde. Enquanto ouvia, Zoey modificava suas feições - era possível ver reconhecimento, perplexidade e angústia. Quando ela aceitou que Liam passasse o contato de Lana, Liam sentiu-se mais leve. Zoey não parecia ofendida; ao contrário: era possível perceber o quanto aquele assunto era importante, por mais delicado que parecesse.
Acompanhando-a de volta à sala após o sinal tocar, Liam reparou alguns olhares curiosos sobre eles. Por que Liam está com Zoey?, eles pareciam se perguntar. Ele não se importou. Pelo pouco que conhecia, ela não era uma má pessoa - e só aquilo importava para ele.
Próximo ao final da última aula do dia, a professora de História bateu à porta e chamou por Zoey. Liam franziu o cenho e observou a garota sair da sala; as costas ainda mais encurvadas. O que aquela mulher queria com ela? Já não bastasse o que havia acontecido naquele dia - Zoey não merecia mais uma advertência inútil. Liam pensou em pedir para ir ao banheiro, pois sabia que elas estariam no corredor. Desistiu da ideia, entretanto. Daya ia mandá-lo de volta para a sala e Liam não ousaria desobedecê-la.
Quando, por fim, o sinal de término das aulas soou, Zoey voltou para sala com a mesma expressão que saiu do banheiro - a diferença é que, agora, ela não chorava. Liam observou-a colocar as coisas rapidamente na mochila, mas, antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa, a garota disparou para fora da sala. O garoto guardou suas coisas e, com a mochila nas costas, tentou procurá-la pelos corredores e o pátio.
Sentindo-se atordoado de repente ao se ver entre tantos adolescentes agitados, Liam parou próximo à portaria e olhou ao redor. Como era o esperado, Zoey havia desaparecido em meio ao vozerio e uniformes azuis.
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