8. Alguém como nós
❀ Capítulo 8 | O Som do Silêncio ❀
Não demorou muito para que um grupo de garotos chamasse Liam para acompanhá-los no intervalo. O garoto aceitou, apesar de não se importar em ficar sozinho. Aqueles garotos não pareciam ser tão idiotas quanto seus colegas da antiga escola. No entanto, o assunto entre eles não estava entre os principais interesses de Liam: garotas, futebol e festas. Certo, ele se interessava por garotas, mas não de forma tão superficial.
- Tem namorada? - Anderson perguntou. Seus cabelos eram raspados e ele insistia em usar a calça com a cueca aparecendo. Por que os garotos achavam aquilo estiloso?
- Não. - Liam respondeu. - Eu nunca namorei.
- O quê? - ele riu, e os outros meninos acompanharam. - Então você é virgem?
Liam revirou os olhos internamente. Pelo visto, ele se enganou ao julgá-los como menos idiotas.
- Eu só tenho quinze anos. - murmurou.
Anderson passou a mão pelos ombros de Liam, batendo exageradamente em seu braço. O garoto reprimiu uma careta.
- Relaxa, você será convidado para muitas festas - o garoto disse. - Topa sábado? Vou fazer uma festa de boas vindas em casa. Vão ter muitas garotas. Você pode escolher.
Meu Deus, pensou Liam, com uma vontade tremenda de sair correndo. O desodorante fedido de Anderson em seu ombro direito estava deixando-o enjoado.
- Hum, é aniversário da minha cunhada. - mentiu. - Não posso. Eu...preciso ir ao banheiro. Volto logo.
Antes de Liam se afastar, deu tapinhas de consolação nas costas de Anderson. Agradeceu a si mesmo por ter comprado seu lanche, pois estava prestes a fugir de vista. Quando saiu da lanchonete, o garoto viu Zoey sentada sozinha ao fundo da escola; bem ao lado do parquinho de areia das crianças. Ela comia enquanto se concentrava na leitura de um livro. Talvez Liam pudesse se aproximar... Tentar conversar com ela, mesmo que ela não respondesse. Porém, ele se lembrou da expressão perturbada da garota toda vez alguém tentava falar com ela ou perguntar algo. Não, era melhor deixá-la em paz. E Liam não estava se sentindo bem o suficiente para isso. A conversa com aqueles garotos, mesmo não sendo algo relevante, o fez se sentir novamente um completo estranho. Como assim ele nunca tinha namorado? Liam não pensava muito nisso. Tentou esquecer daquilo e, quando percebeu, o sinal já havia tocado.
As aulas seguintes foram tranquilas, sem apresentações ou constrangimentos. Não para ele, claro. Ele temia por Zoey. Aquilo não era justo com ela. Ela lembrava-lhe cada vez mais Lana, e não havia dúvidas sobre o que ela passava.
Até que chegou a última aula. História, a matéria favorita de Liam. Ele tentou se animar um pouco, mas de início a professora não parecia muito agradável. Parecia uma tenente - comportava-se como se seus alunos fossem soldados que ela pudesse castigar por mau comportamento a qualquer momento. Apresentando-se como Daya, a mulher logo pediu para que todos se sentassem em seus devidos lugares e se apresentassem.
O garoto já sabia o que aconteceria.
- Você - a professora se aproximou de Zoey quando chegou sua vez. Como o esperado, não houve resposta. Liam olhou por cima do ombro novamente e viu uma expressão ainda pior no rosto da garota. - Escutou, querida? - Daya estalou o dedo na frente dela, fazendo-a dar um pulinho na cadeira. Algumas pessoas riram.
Idiotas, pensou.
- Zoey - Liam disparou, olhando para a professora. - O nome dela é Zoey.
A garota continuou com a cabeça baixa enquanto Daya perguntava se ela era muda. Uma das colegas respondeu, mas o garoto não prestou muito atenção. Liam virou o corpo para frente, deixando-a em paz. Já não bastasse todos os olhares em cima dela. Liam queria ajudar, mas não havia possibilidade de demonstrar aquilo para ela naquele momento. Para falar a verdade, ele não sabia como lidar.
Liam não era como ela. Mas conhecia alguém que provavelmente já foi como ela. Será que seria um intrometido se contasse tudo para Lana? Sim, ele seria... Liam descartou a ideia de imediato. Era apenas o primeiro dia de aula - talvez Zoey precisasse de um tempo para, quem sabe, se soltar; o que era bastante improvável na visão de Liam. Pelo que ele observou, Zoey já estudava naquela escola há anos e ninguém ouvira sua voz.
De qualquer forma, não cabia a ele falar com ninguém sobre a vida de uma desconhecida.
❀❀❀
Passaram-se alguns meses. Liam foi se adaptando à rotina, às consultas com a psicóloga e à nova escola; que era realmente mais agradável que a anterior. Apesar de ter sido diagnosticado com uma depressão leve, Liam não mais se machucava. Entretanto, nada era perfeito. Algumas coisas deixavam Liam desconfortável. Zoey às vezes fazia com que ele se sentisse culpado. Os colegas e os professores não pareciam mais enxergá-la; e muitas vezes o garoto se via na mesma posição - ele simplesmente esquecia que ela estava bem atrás dele. O silêncio de Zoey a deixava quase que invisível.
Liam não sabia como se aproximar. Ele sempre pensava numa forma de abordá-la da forma mais gentil possível - talvez chamando-a para fazer algum trabalho em dupla, mas na maioria das vezes ele era fisgado pelos colegas primeiro (pois ele tinha uma das melhores notas da sala, obviamente; e não porque gostavam dele). Liam não conseguia dizer não. Na maior parte das vezes, Zoey fazia os trabalhos de sala de aula sozinha. Outras vezes, sentava-se com algumas meninas; mas Liam percebia que ela era quase sempre deixada de lado.
O primeiro semestre chegava ao fim e alguns professores passavam-lhes trabalhos em grupo para apresentar. Em História não foi diferente. Ao contrário dos outros professores, Daya não deixou com que os alunos escolhessem seus parceiros de trabalho - e muito menos o tema. A professora chegara na sala anunciando os grupos e seus temas; direta e prática como sempre. Para sua surpresa, Zoey estava em seu grupo com mais três colegas. Liam não achou assim tão ruim - com exceção da escolha de Carlos, que não era nada estudioso. Amanda, uma das garotas de seu grupo, sugeriu que fizessem o trabalho na casa dela no sábado. Liam viu quando Zoey aceitou a ideia com um aceno com a cabeça.
Quem sabe fora da escola ela se sentisse melhor. Liam não sabia o que esperava, mas estava enganado quanto à uma suposta mudança de comportamento de Zoey fora da sala de aula. Quando chegou à casa da colega, no sábado, Zoey já estava lá - pelo visto, foi a primeira a chegar. Sentada no banco da grande mesa de madeira, na área de lazer da casa, a garota parecia ainda mais tensa. Os cabelos estavam presos como sempre, e uma longa franja cobria parte de seu rosto. Liam foi até a mesa, sentando-se ao lado dela conforme deixava a mochila em cima da mesa.
- Oi - ele cumprimentou-a. Para não deixá-la desconfortável, não olhou para ela. Concentrou-se no notebook que tirara da mochila e se pôs a abrir um documento de apresentação. Liam pôde sentir o olhar tímido de Zoey sobre ele. Havia se sentado tão próximo a ela que podia ouvir sua respiração.
O garoto virou-se para ela, e Zoey desviou o olhar rapidamente.
- Quer sugerir algo? - ele perguntou da forma mais amistosa possível. Não queria assustá-la.
A garota balançou a cabeça de forma negativa, claramente envergonhada.
- Talvez queira ler algo - Carlos apareceu de repente, apoiando os braços na mesa. Liam respirou fundo e tentou controlar a vontade de socá-lo. Amanda interviu, e começaram uma discussão sobre o fato de Zoey precisar apresentar ou não. No final, Carlos ficou quieto e Amanda disse que Zoey poderia pesquisar algumas coisas no livro sobre Revolução Francesa de Liam. Até mesmo encostar em algo que não lhe pertencia parecia difícil para ela.
- Fique à vontade - Liam arrastou o livro em sua direção ao notar sua inquietação. Com um sorriso tímido, Zoey pegou o livro e começou a folheá-lo.
Horas mais tarde, eles já haviam terminado. Fora mais fácil que Liam havia imaginado. Todos (com exceção de Carlos, é claro) focaram totalmente no trabalho. Amanda chamou Zoey e Liam para dar um mergulho na piscina, mas ambos negaram.
- ...está, hum, bem calor - Liam comentou quando ficou sozinho com Zoey. Escutou os gritos exultantes dos colegas na piscina e teve vontade de pular naquela água cristalina também. Esquecendo-se completamente de suas cicatrizes, ele arregaçou as mangas da blusa cinza que usava. Mas lembrou-se rapidamente porque usava roupas de frio no calor e cobriu os braços de novo, torcendo para que Zoey não tivesse visto. Concentrou-se, então, em salvar a apresentação pronta no pen drive.
A garota fitava os colegas na piscina com os olhos levemente arregalados e a postura rígida. Era impossível saber se ela tinha visto ou não. Zoey quase sempre se portava daquela maneira.
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