7. Olhe para as estrelas
❀ Capítulo 7 | O Som das Flores ❀
𝑳𝒊𝒂𝒎
Há tempos Liam não tinha pesadelos. Principalmente aquele pesadelo.
Dessa vez, seu irmão Jonathan — o qual não via há anos — conversava com o ex-namorado de sua mãe. Eles pareciam se dar muito bem (provavelmente por serem dois covardes) e falavam sobre algo que Liam não conseguia decifrar. Ele se viu atrás do sofá da sala da antiga casa, na qual passou a maior parte de sua infância. Liam tentava ao máximo não fazer barulho, pois temia que ambos soubessem de sua presença. Ele queria compreender a conversa entre eles, mas não conseguia. Pareciam que falavam outra língua, ou Liam era jovem demais para entender o que se passava. Naquele sonho, Liam havia voltado a ser uma criança indefesa; a mesma que corria para os braços da irmã quando tinha algum pesadelo ou quando era perseguido pelo irmão mais velho.
Liam achava que já havia superado essa parte de seu passado, mas lá estava ele novamente, sentindo medo mesmo em sonho. O que ele mais temia, entretanto, acabou acontecendo: Jonathan de repente estava sobre ele, os olhos frios e o sorriso perverso. O pequeno Liam gritou, correndo em direção à porta que levava ao jardim, mas o irmão o alcançou rapidamente. Ele conseguiu sentir as mãos de Jonathan no colarinho de sua camisa, o bafo de bebida alcoólica e o braço forte contra o seu pescoço. Liam começou a se sentir sufocado, sem forças para escapar das mãos do mais velho. Seu ex-padrasto olhava para aquela cena e ria sem pudor enquanto tomava cerveja.
Liam sentiu medo e raiva. Mais medo do que raiva; mas, por um momento, ao ver aquele homem, sua vontade foi de fazer o mesmo que Jonathan fazia com ele: sufocá-lo com os próprios braços. Naquele sonho, porém, ele era apenas uma criança, e logo tomou conta desse fato quando não conseguia mais respirar. Ele começou a se debater nos braços do irmão, enquanto o mesmo lhe dizia coisas rudes — que Liam não entendia, mas sabia que não eram elogios.
Seu peito começou a doer. Suas mãos começaram a tremer, e Liam sentiu que estava morrendo a cada segundo. Jonathan o mataria, mas pelo menos seria preso e nunca mais perturbaria ninguém. Nem ele — que estaria morto —, nem sua irmã, nem seus pais.
Ele então abriu os olhos, despertando subitamente e deparando-se com o teto de madeira acima de sua cabeça. O rapaz se perguntou onde estava (e se estava realmente morto) quando lembrou-se onde realmente estava: no chalé da praia, de férias com sua melhor amiga, sua irmã e sua cunhada. Liam sentiu todo o seu peito úmido de suor, apesar de estar com frio. Ele ainda tremia e se assustou quando viu uma sombra descer as escadas.
— Liam? — ele ouviu a voz sussurrante de Zoey. — Está tudo bem?
O rapaz esfregou os olhos e acendeu o abajur ao lado da cama. Percebeu que seus cabelos também estavam úmidos. Quando a luz do abajur iluminou um pouco o quarto, ele viu a moça se aproximando devagar.
— Desculpe — Liam disse ainda um pouco ofegante. — Eu te acordei?
— Não. Eu não estava conseguindo dormir — a moça respondeu. — Você parecia estar sentindo dor.
— Eu tive um pesadelo — Liam falou, tirando o cobertor de suas pernas ao sentir seu corpo voltar à temperatura normal. — Nada de mais. Bobagem.
— Não parecia bobagem... — Zoey disse. — Não quando alguém pede socorro no meio da madrugada. Mas acho que não quer, hã, falar sobre isso agora.
Liam riu sem humor, não se lembrando de ter falado nada em sonho. Seu coração aos poucos diminuía as batidas, mas ainda se sentia um pouco ansioso.
— Acho que preciso tomar um ar — ele disse.
— Vamos lá para cima — Zoey apontou para a escada. — Podemos ficar na varanda, se quiser.
Liam olhou para Meg e Mel, que dormiam tranquilamente juntas. Ele assentiu, seguindo Zoey escada acima e reparando mais uma vez no aposento superior. Era um pouco menor devido à escada e um pouco mais baixo também, mas a varanda com vista para o topo das árvores compensava qualquer coisa. A noite estava fresca, e o céu coberto por estrelas. A típica noite de verão que Liam adorava.
Ele se apoiou no parapeito e respirou fundo, acalmando-se quase que de imediato. Foi apenas um pesadelo, ele repetia para si mesmo. Fora apenas um pesadelo, mas o deixou um tanto pensativo. Não era novidade que seu irmão mais velho, Jonathan, fazia parte de seus traumas de infância; mas não pensava naquilo há tanto tempo que estranhou o fato. Geralmente, ele sonhava com coisas que pensava frequentemente em seu cotidiano, mas havia exceções — e aquele sonho era uma delas.
Zoey não perguntou nada sobre, então Liam decidiu contar a ela. A moça sabia sobre a história de Jonathan e tudo o que o amigo passou na infância — inclusive, de que Liam era adotado — mas não havia se aprofundado muito naquele assunto.
— Eu tive um pesadelo com meu irmão — ele contou. — E meu padrasto também estava lá. Eu tive raiva e medo. Raiva do meu padrasto, medo do meu irmão que me sufocava. Foi horrível...parecia que eu estava realmente morrendo — Liam olhou para a amiga, que estava atenta à cada palavra dele. — Me senti sufocado, como a ansiedade me faz ficar. Há tempos não sentia isso.
— Sinto muito. Esses pesadelos são horríveis — ela disse. — Mas se está em nossa cabeça, tem algo a nos dizer, acho.
— Eu concordo — ele assentiu. — Eu só não sei porque isso voltou de repente. Talvez eu esteja voltando demais no passado e isso veio à tona. Mas...estou melhor agora. — ele respirou fundo mais uma vez. — Eu não quero voltar a sentir aquelas coisas.
— Não vai — Zoey colocou a mão em seu ombro, retirando-a logo em seguida. Parecia ter achado uma má ideia, por mais que Liam não se importasse com o gesto. — Quero dizer, não tem como sentir as coisas do mesmo jeito, não é? Não quando mudamos tanto.
Ele sorriu, mais relaxado.
— Tem razão. Foi horrível, mas, se fosse há alguns anos, eu estaria chorando e tremendo — falou, tentando esconder suas mãos que ainda tremiam um pouco. — Às vezes odeio me sentir tão fraco. Com medo das mesmas coisas da minha infância, mesmo que elas estejam tão distantes.
— Eu ainda tenho medo de que algumas pessoas escutem minha voz — Zoey admitiu. — Um medo infantil de ser julgada e exposta. Principalmente pelas pessoas do meu passado. Mas eu penso...essas coisas nos fazem realmente fracos? — a moça ficou pensativa. — Não sei. Acho que somos muito duros com nós mesmos. Quem não tem fraquezas, Liam?
Liam olhou de soslaio para ela.
— Você parece Lana às vezes, sabia?
Zoey riu com sarcasmo.
— Quem me dera ser tão corajosa e forte quanto ela — falou.
— Ela passou por muitas coisas, você sabe — Liam lembrou-a. — Tudo isso a fez ser quem ela é hoje. E quem disse que você não tem coragem? Poxa! Você conseguiu falar comigo. E com Lana. E com todo mundo.
— Ah, nem todos — a moça disse. — Ainda tenho pânico só de pensar em ter que falar com algumas pessoas.
— Não importa. Um dia, você não vai ligar se tiver que falar com essas pessoas — Liam debateu. — E eu espero não ligar caso um dia meu irmão apareça na minha frente.
— Talvez essas coisas estejam voltando pois não deu atenção o suficiente a elas antes. — Zoey refletiu. — Mas agora você é capaz de enfrentá-las.
Liam apenas assentiu. Lembrou-se da época que não conseguia dormir sozinho graças às crises de ansiedade. Ele temia coisas que estavam apenas em sua cabeça. Temia o que não existia: o futuro. E agora, estava temendo novamente o que não mais existia; que era o seu passado. Porém, ele não julgou a si mesmo como costumava fazer. Zoey tinha razão. Todos tinham fraquezas e medos, por mais que as pessoas finjam que não. Sua amiga era um claro exemplo de que as coisas podiam mudar. Que as pessoas podiam ganhar coragem, mais força e segurança diante de tudo. Liam sentia isso tão forte nela que queria que houvesse um espelho mágico para mostrar a Zoey o que ele via.
Em contrapartida, Zoey enxergava exatamente o mesmo em Liam — muito além do que ele imaginava — mas o rapaz não tinha consciência desse fato. Havia uma teoria um tanto interessante que afirmava que o outro nada mais era que um espelho: se você admirasse uma pessoa pela sua força, aquela mesma força também estava em você.
Liam não sabia se acreditava naquilo, mas considerou a questão. Estava claro que Zoey admirava Lana, tão profundamente que ele conseguia ver em ambas a mesma força e coragem que a moça se recusava a acreditar que tinha.
Talvez, só talvez, aquilo também valesse para Liam.
Ele olhou para o céu e se lembrou que costumava olhar as estrelas para se acalmar. Sempre que se sentia mal ou ansioso à noite, uma vozinha em seu coração dizia-lhe sempre: olhe as estrelas. O rapaz observou-as até desaparecerem aos poucos, dando lugar à claridade da manhã. Ele não sabia que horas eram e nem quanto tempo ficaram ali, mas não saíram até que pudessem ver os primeiros raios do sol à leste.
Foi nesse instante que Liam se lembrou da lista que fizera no ano anterior.
— Ah! Isso definitivamente estava na minha lista. — o rapaz disse. — Nunca vi o Sol nascer assim antes.
— Lista? — Zoey franziu o cenho. — Que lista?
Liam sorriu, pois sabia que a amiga faria aquela pergunta.
— Estou me lembrando agora de algo que me propus ano passado. — ele contou. — Fiz uma lista de coisas que eu queria fazer antes dos dezoito anos. Não sei se conseguirei cumprir todas até semana que vem, mas pelo menos conseguirei algumas.
— Como ver o amanhecer? — Zoey adivinhou. — E quais seriam as outras coisas?
— Não posso revelar — Liam disse. — Apenas quando eu cumprir todas elas. Ou quase todas.
— Boa sorte — Zoey riu, provavelmente imaginando as metas malucas de Liam. Algumas realmente eram, por isso, preferia guardar para si.
Eles ficaram conversando por mais algum tempo. Mais tarde, Liam perceberia um padrão naquelas conversas: eles estavam tentando quase sempre compreender o que se passava com o outro e com eles mesmos.
Os raios solares ficavam cada vez mais fortes, pintando o céu de rosa e laranja. O rapaz podia sentir que o Sol os escutava, dando-lhes luz o suficiente para clarear suas mentes e aquecer seus corações.
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