11. Sobre um mar cristalino

Capítulo 11 | O Som das Flores

𝑳𝒊𝒂𝒎

Ele ainda se lembrava do dia em que viu Lana sentada no jardim, concentrada, com a coluna ereta e as pernas cruzadas. Liam queria tirar uma dúvida sobre o que estava estudando, e só percebeu que poderia atrapalhá-la quando estava na metade do caminho em sua direção. Entretanto, à medida que ele se aproximava, Lana permanecia com os olhos fechados e a expressão serena.

Liam parou com o livro que segurava nas mãos. Pensou dar meia volta e voltar para o quarto, mas a cunhada o interrompeu. Ainda com os olhos fechados, ela perguntou:

— Está tudo bem, Liam?

O garoto pressionou o livro com as mãos e mordeu os lábios.

— Desculpe. Não quis incomodá-la. — ele disse, um pouco envergonhado. Liam sabia que Lana tinha o hábito de meditar; o que ele sempre achou difícil demais antes de ele próprio começar.

— Você não está incomodando — ela disse. — Venha, sente-se aqui ao meu lado.

Liam obedeceu, sentando-se sobre o manto que ela havia estendido na grama. Colocou o livro ao seu lado, cruzando as pernas também. Aquela tarde estava fresca e silenciosa, e o rapaz notara que ficara tempo demais no quarto. Lana gostava de ficar no jardim depois que trabalhava ou terminava de escrever algum capítulo de um de seus livros, e Liam começaria a fazer o mesmo quando percebia o quanto aquilo o relaxava.

— Você parecia em outro mundo — Liam riu. — Estava em algum cenário de suas histórias?

Lana deu um sorrisinho misterioso.

— Ao contrário — ela disse. — Eu estava escutando o presente.

O garoto franziu a testa.

— Como...? — perguntou, achando que sua cunhada estava ficando maluca.

Shhh — Lana disse baixinho — Apenas escute o canto dos pássaros e o som das flores.

Liam parou por um momento. Fechou os olhos, escutando alguns passarinhos cantando bem distantes, o leve ranger do vento, o sol da tarde batendo em sua pele...mas as flores não tinham nenhum som.

— As flores não emitem nenhum som — ele observou. — De resto, acho que consegui sentir.

— Seus ouvidos até não podem ouvir — Lana disse, fechando os olhos novamente. — Mas as flores cantam.

Liam fez um bico, tentando compreender o que ela estava falando. Às vezes, Lana dizia coisas que ele entenderia mais tarde — às vezes, anos mais tarde. Mas ele entenderia. Ele chegou à conclusão, sozinho — e com a ajuda do Google e as aulas de física — que até as flores emitem uma vibração. Na verdade, tudo vibrava. Tudo estava vivo. E tudo cantava ao seu redor, mas as pessoas pareciam ser incapazes de ouvir. Ele entendeu o que Lana queria que ele fizesse: sentir a natureza ao redor, sentir seu próprio corpo e parar de pensar demais no futuro.

O futuro... O futuro sempre amedrontou Liam; pois as incertezas, para ele, eram assustadoras. Mas ele aprendera que preocupar-se exageradamente com o futuro era o principal motivo de sua ansiedade. Naquele dia, Lana o ensinou que meditar não era tão difícil quanto Liam achava que era. Na verdade, depois que criava o hábito, era tão fácil quanto respirar; e era um dos únicos momentos em que Liam percebia o presente.

No último dia daquela viagem, Liam aproveitou que o sol estava escondido nas nuvens (pois não podia mais tomar sol por causa da nova tatuagem) e sentou-se em uma das pedras cinzentas; a mesma que estivera sentada com Zoey. Fechou os olhos, concentrando-se no som das ondas, as gaivotas, as vozes das crianças trazidas pelo vento, o cheiro salgado do mar e outros sons que Liam não soube identificar. Mas estavam lá. Sentiu seu braço levemente dolorido (agora, por uma boa razão), e sua mente o levou novamente para o dia anterior, no estúdio de tatuagem, do desenho se formando em sua pele. Lembrou-se do rosto de Zoey, de Lana e de sua irmã, e sentiu-se mais uma vez grato por aquelas mulheres e sua vida.

Apesar de ainda sentir o presente, Liam também foi para o passado; porém, foi como se ele estivesse vendo aquelas cenas em uma enorme tela projetada sobre o oceano. Ele passou rapidamente pela sua infância, de suas poucas lembranças no orfanato, seus pais adotivos, seu irmão e sua irmã. Também refletiu sobre seu primeiro namoro e percebeu o quanto ele se sentia dependente do afeto de Daniela, pois ele queria se sentir amado — o que não deu muito certo, pois ele sabia agora que ele precisava apenas de si mesmo. Lembrou-se do quanto havia se perdido em meio a tantas mudanças, tantas pressões internas e escolhas das quais se arrependera mais tarde.

Liam também pensou em Zoey e o quanto havia sentido falta dela no último ano. Quando a conheceu e escutou a voz que emitia em sua face, seus olhos e gestos — até que finalmente sua ansiedade a permitiu falar com a própria voz pela primeira vez. O rapaz sentiu todas essas lembranças serem levadas pelo vento, perdendo a noção de quanto tempo havia ficado ali. Ele abriu os olhos, sentindo que alguém se aproximava. Liam sabia que era Zoey — ele a sentiu de alguma forma — mas mesmo assim olhou para trás, vendo-a parada no meio da praia, usando um vestido fino e longo por cima do biquíni. Assim como Liam no dia em que vira Lana no jardim, concentrada demais para parecer notar sua presença, Zoey parecia relutante em se aproximar.

— Zoey! — Liam gritou acima do som do mar e do vento. Zoey relaxou os ombros e se aproximou.

— O que está fazendo? — ela perguntou, curiosa.

Escutando o presente, ele pensou em responder. Mas ele apenas sorriu, convidando-a para se sentar também.

— Tenho uma coisa para você — Liam revelou, tirando do bolso o colar que ele mesmo havia feito. O cordão era azul, a cor favorita de Zoey, e pendurado nele havia uma pequena concha que havia achado no fundo do mar no primeiro dia. Ele entregou a Zoey, que pegou o simples colar como se fosse feito de ouro. — Não é nada tão bonito e valioso, mas...

— Eu adorei — Zoey disse, passando o dedo pela conchinha. — Você fez?

— Sim — Liam sentiu-se orgulhoso ao perceber que ela havia gostado.

— Então é valioso — a moça falou. — Obrigada.

O rapaz sorriu, vendo-a colocar o colar no pescoço. Era realmente algo simples — apenas um cordão fino com uma pequena concha — mas que Zoey transformou em uma peça única. Liam voltou os olhos para o mar, tentando aproveitá-lo ao máximo; pois no dia seguinte não estaria mais ali. Aquela semana pareceu ter passado mais rápido do que ele queria, mas ele sentia que havia aproveitado cada minuto daquela viagem. Apesar da estrada e da presença de Zoey tê-lo feito voltar a um passado que ele queria esquecer, ele entendeu que aquilo foi necessário. Ele não sabia se as questões que ainda o perturbavam retornariam quando voltassem à estrada, mas ele não se importava muito naquele momento.

Liam sentiu algo diferente dentro de si. Não sabia explicar o que, mas algo havia mudado. Quem sabe ele descobriria depois.

— Também sente que algo mudou? — ele perguntou de repente. Zoey sempre tinha uma resposta que o fazia pensar um pouco mais. — Desde o começo da viagem...

— Talvez — Zoey assentiu. — Também sinto isso. Esse lugar talvez tenha ajudado. Não sei...

Liam também assentiu. Ele soube, naquele instante, que Zoey também sentia o mesmo.

— Talvez — ele repetiu, dando de ombros. Liam estreitou os olhos quando um inseto aproximou-se deles. O rapaz quase o perdeu de vista, pois sua cor era quase do mesmo tom do mar. Ele identificou de imediato: era uma libélula beira-mar.

Liam riu consigo mesmo, lembrando-se da libélula que havia desenhado no jardim de infância e estava pendurado na janela do seu quarto. Antes de decidir o que tatuaria sobre suas cicatrizes, ele também pensou na libélula; mas algo em seu inconsciente o fez escolher a mariposa — aquele misterioso inseto noturno que era atraído pela luz.

Naquela hora, entretanto, ele se sentiu como aquela libélula — flutuando sobre o mar cristalino. O inseto desapareceu tão rápido quanto havia surgido, camuflando-se no azul do céu e do mar, e tudo pareceu ser uma coisa só.

Foi então que Liam soube que nada mais seria como antes.

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