🦋 ʀuína causada pᴇlᴏ pʀóprɪᴏ ɪndɪvíduᴏ
ACORDO QUANDO JÁ ESTÁ ESCURO. O som das ondas quebrando no mar invadiu os meus sonhos e acabei sufocando com a ilusão de estar me afogando. Ar faltou em meus pulmões, me fazendo acordar diante da morte. Dizem que é assim que acontece: nunca se morre em um sonho. Você acorda antes. O que não dizem é que você sente tudo e que é desesperador. Era como estar ali de verdade.
Nunca entrei no mar, nem mesmo na infância. Durante as viagens de família, quando meus pais me levavam à praia, a areia era onde havia segurança para mim. Eu tinha medo de me afogar na correnteza, de perder o controle e sumir no oceano ou coisa parecida. A água me parecia traiçoeira e manipuladora. Talvez eu tivesse lido muitos contos de terror sobre sereias, ou sei lá. Minha aversão era inexplicável, meio mesquinha, quase irracional; apesar disso, não cruzei nenhum limite e permaneci longe do mar por anos. Era o certo a se fazer, e não havia motivos para arriscar.
Veja só a ironia: foram as chamas que me destruíram. Talvez, no final, a água não passasse de uma amiga.
Com sede, puxo as cobertas e me levanto. Saio do quarto e, felizmente, não tem ninguém no corredor. Olho o relógio de parede no meio do corredor e constato o que já suspeitava: é madrugada. Em algumas horas o sol irá nascer e esquentar a casa, mas não quero me preocupar com isso agora. O simples pensamento de enfrentar este lugar quando ele estiver vivo, e não dormente, é apavorante. Agora tudo parece fácil; as pessoas estão em seus quartos, os remédios em seus potes. Mas, quando todos despertarem, será o meu maior pesadelo. Preciso aproveitar enquanto estou sozinha.
Desço as escadas. A sala da TV está vazia, tudo apagado. Atravesso e vou direto para a sozinha, onde pego um grande copo de água. Bebo tudo em um gole, tão rápido que algumas gotas escorrem pelo meu pescoço. É refrescante, quase anestésico. Eu não tinha percebido como a minha boca estava seca, muito menos o calor que agora parece queimar o meu corpo.
Deixo o copo sobre a pia e volto para a sala, onde abro a janela e pulo para o lado de fora.
Preciso de ar.
Ar de verdade, para respirar bem fundo e esquecer que um dia estive afogada.
Encosto no chão da varanda com as pontas dos pés, o mais silenciosamente que consigo. A madeira é gelada, mas bem vinda. Sinto meu corpo inteiro receber a diferença de temperatura com gratidão e fecho os olhos enquanto a brisa da noite bagunça os meus cabelos. O barulho das ondas é bem mais forte aqui, mais vivo. Parece conversar comigo.
Passo pelas mesas de piquenique e saio da casa. É só travessar a rua e estarei na areia da praia, perto de encontrar o mar. Nunca estive nele, mas tem uma primeira vez para tudo. Posso molhar os pés, sentir a água; talvez esse barulho que tanto odiei em meu pesadelo consiga me trazer paz. Muita gente diz que gosta de ficar ouvindo as ondas quebrando, talvez eu seja uma dessas pessoas e nem saiba.
Ando pela areia fofa até ela começar a ficar molhada. Outro choque sobe pelo meu corpo, receptivo à sensação áspera nas pontas dos meus pés. É diferente de quando eu era criança ou até das vezes em que viajei para o litoral com os meus amigos. À noite, a praia é como um mundo particular. Não tem sons, nem imagens e nem pessoas aqui. A lua, o vento gelado... tudo te passa a sensação de que é só você no mundo. Uma solidão quase palpável, angustiante mas acolhedora, se torna presente. Não tem a quem enganar. É só você, o mar e seus pensamentos.
As primeiras poças começam a aparecer na areia molhada. Uma onda pequena avança por elas e atinge o meu tornozelo, então eu paro de andar. A temperatura da água está gelada, mas na medida certa. Me faz não querer sair daqui nunca mais. O céu está tão limpo que vejo o reflexo da lua como um espelho. É uma das noites mais bonitas que vi. Tem estrelas por toda a parte, um céu limpo como em meu antigo lar eu nunca poderia testemunhar.
Queria que Dominic estivesse aqui para ver isso. Ele amaria cada detalhe. Sua paixão por paisagens sempre foi uma constante. Onde quer que fôssemos, ele estava lá, tirando fotos. Registrava todos os momentos. Tinha aquela câmera antiga, meio cult, que comprou em um bazar e teve que consertar três vezes, do tipo que as fotos saíam na hora. O papel era caro, mas Dominic não se importava; vivia a tirar fotos dos meus olhos, de pequenas flores, do céu carregado de nuvens da cidade grande.
De repente, sinto vontade de mergulhar. Dominic provavelmente iria querer mergulhar, e eu iria com ele, porque nunca, nunca consegui lhe dizer não.
Volto a andar na direção da água. Não ligo para o meu pijama, nem para se está cada vez mais gelado; só quero mergulhar. Quero afundar e saber como é o barulho das ondas quebrando embaixo da água. Quero estar no meio das ondas, vendo a paisagem, imaginando como seria se Dominic tirasse uma foto minha naquele exato momento.
Ele provavelmente andaria até a água bater em sua cintura, mergulharia de uma vez, sem cerimônias, e voltaria para pegar a câmera na areia, para tirar uma foto minha. Bom, é isso o que eu faço. Afundo como se estivesse abaixando para pegar algo do chão e sinto a camiseta do pijama levantar. Estou de sutiã, mas, mesmo se não estivesse, não ligaria. É perfeito: a melhor sensação que tive em muito tempo. O chiado da correnteza formando ondas é muito melhor aqui do que na superfície. Abro os olhos e os sinto arder. Não consigo enxergar nada, só areia, quando olho para baixo. Tem algumas conchas perto dos meus pés e reconheço também uma estrela do mar. Ela é feia, bem diferente do que vemos em desenhos animados, mas gosto dela.
Por um momento, vejo Dominic. Ele está na água também, de olhos abertos, bem na minha frente. Seu rosto ondula com a movimentação da luz da lua e seus olhos expressivos somem no escuro. A câmera está pendurada em seu pescoço, flutuando um pouco longe do seu corpo. Quero tocá-lo, mas não consigo me mover. Tenho medo que ele suma, que despareça diante de qualquer gesto brusco. Seria demais perdê-lo uma segunda vez, seja para o fogo ou para a água.
Sinto a correnteza puxar o meu corpo para longe da margem e não faço nada. Estou aqui, com Dominic, e é tudo o que importa. Ele sorri daquele jeito de quando queria dizer que tudo ficaria bem. E ele nunca mentia. Nunca. Era seu maior defeito e sua maior qualidade. Preciso confiar nele, como sempre confiei. Devo isso a ele, na verdade. Quando Dominic confiou em mim, eu o decepcionei e coloquei tudo a perder; preciso deixar nas mãos dele agora. Eu nunca soube o que fazer, de qualquer jeito. Só fingia que sim.
E olha no que deu.
Os segundos passam e eu não sinto medo ou vontade de voltar. Só quero que o mar me abrace e me conforte. Que a água me embale como embalaria Dominic se ele estivesse aqui. É claro que eu sei que o que estou vendo não é verdade, eu não sou maluca. Mas preciso de uma desculpa, de um motivo para ficar. Qualquer coisa de justifique o fato de eu não ter nem tentado lutar para sobreviver. Na verdade, eu lutei. Por meses. Até vir parar aqui, onde todo meu esforço pareceu em vão.
Eu avisei.
Eu avisei para a minha mãe que esse lugar iria me matar, mas ela não acreditou. Você não pode me culpar.
Meus pulmões ardem, pressionando minha garganta. Olho para cima e tudo o que vejo é o clarão da lua sobre o mar. Penso em voltar, mas não faz sentido desistir agora. Já estou aqui, perto demais de Dominic. Ele iria querer que eu ficasse, que me juntasse a ele. É até meio engraçado: cada um por um elemento. Eu, água; ele, fogo. Nos completamos e diferenciamos até nisso.
Droga.
Droga.
Droga.
Eu daria tudo para poder abraçá-lo agora.
Eu daria tudo só para poder vê-lo mais uma vez. De verdade. Sem truques.
Engulo um pouco de água sem querer. É salgada e faz minha garganta arder. Começo a tossir — ou algo parecido, já que não sei direito o que está acontecendo. Tento procurar o chão, mas meus pés chutam o vazio. A lua ainda está lá, posso ver, mas agora a água está incrivelmente gelada e não tem conchas ou estrelas do mar me fazendo companhia.
Começo a nadar para a superfície. É automático, não consigo controlar. De repente minhas pernas começam a se debater e minhas mãos buscam a saída mais fácil dessa encruzilhada. Minha mente entra em desespero, gritando que não quer morrer. A ideia parece estúpida agora que o ar começa a faltar de verdade, mas é tarde demais. Eu não vou conseguir. Está muito longe, e já me sinto fraca.
Olho para os lados, mas Dominic sumiu.
Me esforço mais um pouco e, de repente, estou com a cabeça para fora da água. Cabelo gruda na minha testa e nas minhas bochechas e um gosto salgado invade a minha boca. Tusso descontroladamente, mas a sensação é de que, mesmo com todo o ar do mundo, nunca voltarei a respirar como antes. Quero sair da água, então começo a nadar de volta para a margem de olhos fechados. Eles ardem todas as vezes que tento enxergar para onde estou indo.
Quando chego na areia, caio de costas em uma poça e encaro o céu.
Estrelas.
Lua.
Penso em Dominic mais uma vez. Ele ficaria uma fera se soubesse que tentei me matar.
— Pouca gente se mata por afogamento — uma voz me assusta, mas não me movo. Fico olhando para o céu sem saber como reagir. Meu cérebro está meio atordoado. — É muito difícil. Sabe, nosso corpo foi feito para lutar, então você vai tentar respirar e, a não ser que tenha muita determinação, vai acabar buscando por ar.
Ethan.
Sei que é ele antes mesmo de olhar para o lado e vê-lo parado ali, com os braços cruzados, olhando o mar.
Luto para encontrar a minha voz.
— Por isso que só ficou olhando?
Não é uma pergunta séria. Eu realmente não queria que ele tivesse tentado me salvar ou algo do tipo. Mas é bem estranho você ver alguém se afogando e simplesmente não fazer nada. Levando em consideração que Ethan se deu ao trabalho de me enganar para me fazer voltar para a clínica, pensei que veria pelo menos uma tentativa de sua parte.
Quando ele responde, parece simples demais.
— Não. Só achei que era isso o que você queria. Que ninguém te salvasse, digo.
Dou risada. Não é exatamente engraçado, mas não consigo evitar. Ele deve ter muitos parafusos a menos.
— Deixa eu adivinhar...Quando você tentou, alguém impediu. E aí você não iria trair as intenções de outro suicida.
— Não. Eu nunca tentei me matar. Gosto da minha vida. Uma pena que não goste da sua.
Eu costumava gostar, penso. Quando Dominic estava nela. Antes de toda essa merda, antes da casa e antes dos dois meses.
Me sento sobre a areia e abraço os joelhos. Sinto tanto frio agora que não sei como não percebi a temperatura antes. Meu queixo treme e meus dentes batem um nos outros. Quero levantar, mas não sei se consigo. Talvez minhas pernas estejam trêmulas. Ainda não confio dos meus pulmões.
— Tem uma ducha nos fundos — diz Ethan, se virando para ir embora. — Tira a areia do corpo, senão o Mitchell vai perceber que saiu durante a noite. E ele não vai ficar feliz.
Simplesmente assim, ele sai. Consigo ouvir seus pés afundando na areia fofa até o som desaparecer, provavelmente porque ele entrou na casa. Continuo sentada por mais quinze minutos até sentir meu coração bater calmamente e o corpo parar de tremer. Levanto, olho para o mar e as estrelas uma última vez e lhes dou as costas.
Sigo as pegas de Ethan, encaixando os pés nas formas cravadas na areia. O som do mar parece uma maldição agora. Penso nas histórias de terror sobre sereias que li na infância, mas não acho que há algo de ruim no oceano. Talvez eu seja esse mal. Foi eu que quase o corrompi com a minha tragédia. Esse lugar ficaria marcado para sempre se eu não tivesse sido tão covarde, é um fato. Talvez Mitchell perdesse a clínica, fosse chamado de negligente; talvez meus pais processassem toda a equipe dele. É natural pensar que aconteceu a mesma coisa há dois meses, quando minha vida mudou. Não foi só eu. Muita gente foi afetada também. Talvez seja a minha marca, a de deixar tudo destruído quando passo.
Dou a volta na casa, como Ethan disse, e realmente tem uma ducha na área da piscina. Em uma das cadeiras de sol vejo pijamas iguais aos meus, só que secos, cuidadosamente dobrados. Olho ao redor para ver se Ethan não está por perto e me enfio embaixo da água doce. Bebo um pouco para tirar o gosto ruim da boca e deixo a areia descer pelas minhas pernas, de calcinha e sutiã, até me sentir limpa de novo.
Coloco o pijama, que tem um cheiro forte de tinta. Não é um dos meus, tenho certeza. O tamanho é muito grande. Deve ser de Ethan, mas não sei por que ele me daria qualquer coisa depois de praticamente dizer que me deixaria morrer sem pestanejar. O pessoal dessa casa é realmente meio maluco. Eu não deveria estar surpresa.
Entro na casa pelas portas dos fundos e subo as escadas. Minha colega de quarto está dormindo como uma pedra. Vejo que o caderno que Mitchell me deu sumiu, deixando um espaço vazio na cabeceira ao lado da minha cama. Não fico chateada, nem com raiva, ao pensar que Maya possa ter pego; na verdade, me sinto aliviada.
Eu quase fui direto escrever uma palavra nele, mesmo não sabendo exatamente o seu significado.
🦋
CONTINUA
N/A:
queria poder colocar a elizabeth em um potinho e proteger. amor essa moça e espero que ela fique bem logo.
o que vocês acham que aconteceu nesse evento que mudou a vida dela? acham que ela é a culpada? me contem que tô curiosa!
ah, e tenho novidades! se você ama a história e quer ganhar atualizações adiantadas para ler antes de todo mundo, saiba que seu comentário pode reder um mimo desses <3 nesses dias de quarentena estou escrevendo bastante e, por isso, consegui planejar uma brincadeira! basicamente, você só precisa comentar nas histórias. eu vou escolher os comentários mais legais (pode ser uma simples risada, uma teoria, um xingamento fofo, tanto fez), eu amo quando vocês se expressam lendo a história e quero incentivar <3 para saber se seu comentário foi escolhido, segue o insta de histórias universoandyr que eu vou publicar tudo lá!
beijão
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