🦋 aptɪdãᴏ paʀa sentɪʀ

A PARTE MAIS DIFÍCIL NOS ÚLTIMOS MESES foi não ter com quem conversar. Antes do incidente, Dominic e eu falávamos sobre tudo: coisas boas, ruins, neutras, importantes e superficiais. Tínhamos aquele tipo de ligação que faz duas pessoas passarem uma hora e meia no telefone, mesmo de madrugada, falando sobre um sonho estranho que tiveram ou sobre teorias da conspiração. Ou sobre sentimentos. Principalmente sentimentos. Porque eu nunca fui de compartilhar o que sentia, mas Dominic ouvia com tanta atenção e cuidado que virei esse tipo de pessoa. Só com ele. E me acostumei a isso.

Quando Dominic se foi, não havia mais onde depositar o que eu sentia, então guardei tudo. Não valia a pena tentar conversar com os terapeutas ou com a minha mãe, porque eles não entendiam. Dominic era o único que conseguia me entender. Em algumas noites — nas mais difíceis —, imaginava que ele ainda estava vivo e que conversávamos sobre o incidente até o amanhecer. Funcionava melhor depois de algumas doses de vodca e acho que foi por isso que comecei a beber com tanta frequência. Mesmo assim, não era o suficiente: o dia sempre chegava e o sol, que costumava trazer coisas boas, nascia apenas para me lembrar de o mundo continuava girando sem Dominic nele. 

Penso nisso enquanto observo Ethan. Está sentado do outro lado do sofá e falou mais nos últimos minutos do que desde que nos conhecemos. Enquanto ele flutua em palavras, imagino se é o tipo de pessoa com a qual eu conseguiria falar sobre sentimentos. Não faz sentido pensar nisso porque sei que eu nunca conversaria com ele desse jeito, mas não consigo evitar. Há um vazio na minha vida onde antes se encontrava um garoto e, talvez, procurar maneiras de preenchê-lo seja inevitável. Ter ficado nesse casebre é mais um pedido silencioso e involuntário de socorro, do tipo preciso de alguém para substituir Dominic e fazer a dor ir embora.

E isso é patético. Preciso parar.

— O que foi? Não gostou?

Ethan parece ter sido atingido no estômago com um soco quando deixo um dos seus livros de lado e levanto do sofá. Foram minutos interessantes nos quais ele me mostrou quais são as suas histórias preferidas, contando sobre elas com uma animação adorável. Mas, mesmo que seja cativante, preciso sair daqui. Seria injusto de várias formas possíveis tentar usar Ethan como um substituto para Dominic.

— Eu gostei — sorrio. — Só acho que preciso voltar e dormir um pouco.

Ele franze o cenho e levanta do sofá também.

— Elizabeth, sobre o que eu disse naquela hora...

— Está tudo bem — o interrompo. — Sem ressentimentos. Eu também fui grossa com você, então estamos quites.

Ele sorri e eu sorrio e ficamos sorrindo desse jeito estranho até que fique extremamente desconfortável.

— Não vou contar seu segredo para ninguém — garanto antes de me virar na direção da saída. — Prometo.

— Eu sei.

Viro-me para ele mais uma vez. Está com as mãos nos bolsos da calça de moletom e continua sorrindo. Às suas costas a parede repleta de pinturas de borboletas deixa tudo muito colorido, e Ethan parece brilhar com o reflexo delas. É tão bonito. O tipo de beleza que nunca achei ser possível existir. Sinto essa imagem nos meus poros, como se as borboletas e os olhos dele fossem uma variação da felicidade, e de repente não quero sair. Quero ficar nesse casebre para sempre. Quer ser bonita assim também.

— Posso fazer uma pergunta?

Ele faz que sim com a cabeça.

— Por que está fazendo isso?

Ele parece confuso.

— Isso o quê?

— Tudo — tento não rir nervosamente, porque é absurdo só de pensar. — Você me trouxe de volta para a clínica, depois ficou observando enquanto eu me afogava, se preocupou com o fato de eu não ter tomado café da manhã e, agora, me oferece um refúgio. Não faz nenhum sentido, a gente nem se conhece e eu não fui exatamente legal com você.

Ele está com a expressão séria agora. Me olha como se eu tivesse acabado de perguntar sobre o sentido da vida, como se estivesse pensando em uma resposta complexa demais para um momento tão simples.

— Eu só queria ajudar — diz. Parece... magoado.

Ele percebeu. O desespero na minha voz, implorando para que pare de fazer todas essas coisas, para que me deixe morrer em paz. Aos poucos. Do meu jeito.

— Eu agradeço — me apresso, dando um passo na sua direção. — De verdade. Mas eu não quero a ajuda de ninguém, então seria melhor se você gastasse a sua energia com alguém que ainda possa ter alguma salvação.

Espero por vários segundos enquanto ele fica em silêncio, então desisto e volto a andar para a saída. Sinto meu coração pesado por algum motivo e me surpreendo ao notar que estou decepcionada comigo mesma. Esse garoto foi a coisa mais interessante que aconteceu na minha vida nos últimos meses e estou pedindo para que saia dela. No fundo, achei que quisesse, mesmo que pouco, ainda estar viva, mas essa é a prova de que não faço questão de continuar aqui. Se eu quisesse pelo menos tentar iria me agarrar a Ethan e fazer dele a minha esperança.

Ouço meu nome e paro de andar. Também ouço passos, e sei que Ethan está próximo demais agora. Pela primeira vez sinto cheiro de tinta e madeira, mas não parece que é do casebre, e sim dele, agora a menos de dez centímetros de mim.

Me viro e ele parece o Ethan, mas está diferente. Aquela beleza lívida, cheia de cores e borboletas, sumiu. Agora há uma parte intensa, como uma conversa séria após uma série de piadas.

— Quero que saiba que ouvi tudo o que você disse e que estou, neste momento, escolhendo ignorar todos os seus pedidos — fala rápido demais, como se realmente tivesse batalhado contra aqueles pensamentos nos últimos segundos. — Eu não assisti você se afogar — confessa, mais baixo. — Estava pronto para entrar na água e te tirar de lá, porque não vou deixar você morrer, Elizabeth. Mesmo que queira, mesmo que me implore, não vou deixar isso acontecer. E não há nada que você possa fazer a respeito disso.

Abro a boca, mas a fecho. Então repito o movimento. Ele passou de um completo mistério para um livro aberto em poucos segundos, e de repente tudo o que fez até aqui parece fazer sentido.

— Por quê? — é tudo o que pergunto. — Você não sabe quem eu sou e nem o que eu fiz. Não sabe se mereço morrer.

Ele balança a cabeça, parecendo ofendido e desesperado com as minhas palavras. Acho que vai gritar comigo, segurar meus ombros me chacoalhar, mas diz bem baixinho:

— Então me conte. Me conte tudo o que fez.

— Não posso.

— Por quê?

— É doloroso demais.

Ele inclina um pouco a cabeça e, inesperadamente, sorri.

— Você ainda se importa consigo mesma, Elizabeth. Se não se importasse, não ligaria para a dor. Mas você a evita, então ainda quer viver, e quer viver sem senti-la. Quer ignorar. Se ignorar, consegue continuar. Não é?

Não respondo. Ele não precisa de uma resposta.

O sorriso se alarga, e ele é o Ethan colorido de novo, mas ainda não consigo ver as borboletas.

— Foi ótimo te ver — diz, abrindo a porta do casebre para mim —, mas você precisa dormir. Amanhã, às 15 horas, no mesmo lugar?

Eu não sei o que acontece comigo, mas concordo com a cabeça. Ainda estou atordoada pela mudança repentina de comportamento de Ethan, que passou de garoto misterioso e meio maluco para alguém que está decidido a me... Salvar? Nossa, isso é estranho. Até para pensar. Não sei o que fazer com o que aconteceu aqui dentro. Acho que dizer a ele que não tenho esperanças o deixou desesperado o suficiente para deixar o teatro de garoto misterioso de lado, e fico levemente contente de ter feito o que fiz. Pelo menos agora sei quais são suas intenções e posso lutar contra elas.

Ou pelo menos tentar.

🦋

Quando volto para a casa percebo que alguns pacientes já voltaram da caminhada na praia. Mitchel não está na sala de TV quando entro, e fico aliviada com isso. Gosto dele, mas sempre que nos vemos sinto que está me analisando e não quero que me analise agora, porque estou vulnerável e confusa.

— A garota nova existe! — ouço alguém anunciar. — Achei que era uma lenda urbana.

Um garoto um pouco mais velho está sentado na beira da escada, apoiado nos joelhos. Seus olhos brilham na minha direção, acompanhados de um sorriso esperto. Tento me lembrar se o vi antes, mas sinceramente não guardei o rosto de 90% desse pessoal.

— Eu sou o Sam — ele para na minha frente. Não estica a mão, nem nada. Só fica me olhando com aquele sorriso. — Gosto de longas caminhadas na praia, músicas instrumentais e garotas de olhos violeta. Muito prazer.

Olho para baixo.

— Você não deveria apertar a minha mão? — Resolvo ignorar o flerte e as informações recebidas. Talvez isso o irrite.

Sam não parece surpreso. Já deve ter acontecido antes.

— Não. Seria formal demais e eu não estou procurando formalidades com você.

Não consigo evitar e sorrio. É estranho como Sam parece estar brincando e falando sério ao mesmo tempo.

— Tá bom, já chega. Sam, deixa a garota em paz.

Maya aparece atrás do garoto, apoiando o rosto em seu ombro. Ela não está realmente irritada, mas sim curiosa e acostumada.

— Estou só me apresentando.

— E por falar em apresentações — Maya sai de perto dele e para ao meu lado. — Acho mesmo que está na hora de você conhecer o pessoal.

Não consigo evitar ser puxada para o meio da sala, onde fico exposta como um manequim usando uma peça de liquidação. Todos me olham com tanta intensidade que sinto minhas bochechas começarem a queimar.

— Esses são o Toby, a Genna, o Frank e a Melanie. Junto com o Sam e eu, são as únicas pessoas interessantes e confiáveis desse lugar.

— O que há de errado com os outros? — pergunto.

— Nada. Esse é o problema.

Sorrio.

Me viro para o sofá, onde a maior parte das pessoas que Maya apresentou está sentada.

— Prazer, meu nome é Elizabeth.

Alguns dão sorriso, outros respondem, mas nenhum se apresenta novamente.

— Seu nome agora é Liz — Sam passa um braço ao meu redor. — Elizabeth é muito longo e muito antiquado.

Eu gosto de Liz. Me faz ter a impressão de que sou uma nova pessoa, com outra história e outras dores. Talvez a Liz não tenha tantos traumas ou problemas com bebida, afinal. Como poderei saber? Terei que conhecê-la. Estou ansiosa para isso.

— Liz, você está convidada para a nossa reunião hoje à noite. É super secreta, então espere Mitchel dormir para sair do quarto — diz Maya.

Penso em perguntar se não posso sai com ela, já que dormimos no mesmo quarto, mas a porta da casa se abre e Mitchel passa por ela. Junto, a luz laranja do sol de fim de tarde adentra o cômodo, trazendo calor e areia às paredes da sala de TV.

— Aí estão vocês — ele diz, batendo o boné perto do batente da porta para se livrar da areia. — Perderam o Kevin apostando corrida com a Samira.

Enquanto fala, parte do grupo que restava voltar da praia com Mitchel começa a entrar na casa. Um por um, batem os pés no tapete e sobem as escadas ou correm para comer algo na cozinha. Estão conversando, relaxados, e por um instante esqueço-me de onde estou — em uma clínica de reabilitação, com um monte de gente cheia de problema.

— Não acredito! Quem ganhou? — Sam pergunta.

Mitchel finalmente entra na casa com um sorriso, mas está visivelmente cansado.

— Nenhum dos dois. Ficaram brigando o trajeto inteiro e acabaram caindo em uma poça na areia.

Sam começa a rir — uma risada histérica e nervosa, que me assusta e preocupa Mitchel. Sua voz ecoa pela sala tão alta que machuca os meus ouvidos, e ele senta no chão, levando a mão à barrida, até que Frank o acompanha e Melanie comece a zombar de como ele é um idiota.

Os que não estão sentados no sofá, fora do pequeno grupo que Melanie me apresentou, formam um círculo ao redor de Sam e começam a olhar preocupados, assustados e até enojados para ele. Reviram os olhos, pegam suas coisas e sobem as escadas, deixando a sala de TV para trás.

É então que finalmente entendo o que Maya disse um pouco antes: o problema está neles, por não terem problema nenhum.

🦋

N/A:

oieeeeeeee

como vocês estão? espero que bem e seguros <3

eu amei esse capítulo porque pudemos ver um pouco mais de ethan. amo demais esse garoto, aff, espero ansiosamente pelo momento em que todos vão se apaixonar tbm hahahaha

a próxima atualização deve sair logo! se quiserem saber da data, vou liberar no instagram assim que eu souber exatamente quando vou postar. aos membros do clube de leitores haverá uma cena extra entre hoje e amanhã, então corre para entrar caso ainda não faça parte <3

beijão!


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