Capítulo 9: O Reflexo na Janela
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, VIOLÊNCIA FÍSICA, VERBAL, HOSPITALIZAÇÃO PSIQUIÁTRICA INVOLUNTÁRIA, SEDAÇÃO FORÇADA DE MEDICAMENTOS, BRUTALIDADE FÍSICA, DEPRESSÃO E DESAMPARO PARENTAL.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Beckoning - Adam Hurst
No retorno à residência Gregori, o garoto gritava pavoroso, desesperado devido à atitude da avó. Era quase perceptível presenciar os vidros das janelas estremecer pelos berros de súplica do menino.
Moniese deparava-se fora de si, agarrava o braço do neto novamente através da força como se quisesse desmembrá-lo. Franco implorava por misericórdia à matriarca que, por outro extremo, exigia que o menino calasse de imediato.
Em meio a confusão, alguns dos poucos vizinhos escutavam alarmados cada detalhe com atenção, medrosos em interferir, até um deles e Delphine se mobilizarem em contatar o policiamento.
O menino se trancou no quarto quando correu para bem distante da avó, escapou de suas mãos, esbravejou em aviso que sairia do aposento assim que o pai regressasse e temeu ser machucado mais uma vez, conforme uma resposta de seu instinto protetor.
Não possuía noção referente ao que ela poderia provocar, visto que anteriormente sua mãe nunca mediu esforços em lhe causar traumas profundos, eternos e naquele momento encontrava-se desprotegido.
Presente na sala, a idosa enfurecida, com seus olhos vermelhos e aniquiladores, observava a escada e planejava sua próxima atitude. Tramava destruir a casa com a criança dentro.
De repente, num despertar da ira, a mulher rotacionou sua face na direção dos quadros num propósito pensável, derrubou-os no chão, resultado de sua manifestação odiosa e decidiu subir os degraus que guiavam até o corredor dos quartos da casa por intermédio do impulso, enquanto se descabelava.
E por fim, ao encarar a porta do dormitório de Franco, esbravejou com os punhos cerrados, esmurrou a madeira numa força desumana e quase formou uma rachadura:
— Hoje nenhuma pessoa dormirá sossegada! Está me ouvindo, Franco?! Espero que de fato esteja e com bastante atenção, porque transformarei em caos a vida de todos nessa maldita cidade! Ninguém me escuta nesta casa quando transpareço que as asquerosas Demdike desejam nos aniquilar, e nesse momento, quem tomará a iniciativa em determinar o fim de todos bem antes delas, SEREI EU!
Suas últimas palavras conseguiram espantar os pássaros que repousavam nas árvores presentes da vizinhança.
— Pare já, vovó... Eu te imploro — debruçou em lágrimas desesperadas, sua voz era baixa e impossibilitou da idosa escutar.
— Jamais haverá maldição, não existirá Deus e nem o raio que o parta. Acabarei com cada um que duvidar de mim! — esmurrou novamente a porta do pequeno garoto, ainda unida aos dois punhos comprimidos, ela transmitiu uma atmosfera terrível na casa, semelhante a um pesadelo real.
Porém, o único local mantido com as luzes acesas, preservava sendo o quarto dele.
— Elas almejam rasgar das minhas entranhas o filho que me pertence e agora você?! Ah... Só por cima do meu cadáver! — os visualizava como de sua propriedade.
Ao desprezar a porta, a avó seguiu de volta para a sala em passos pesados e fez a casa perder toda sua beleza material.
Franco, vedou a boca com as mãos trêmulas para que nenhum barulho sequer fosse captado por Moniese, a escutou derrubar os cavaletes no ateliê contra o chão, além dos monstruosos berros propagados pela residência ao libertar o ser temível e contido em seu corpo.
Semelhante a uma apavorante fera solta e disposta a atacar.
— Não é permitido possuir uma parcela de sossego próxima à essas infames no mesmo ambiente na qual pertencemos! Matarei um por um como já prometi a mim há tempos! Eu deveria ter agido durante anos passados!
No quarto, ele chorava agachado no chão frio de madeira, se balançava para frente e para trás com as duas mãos espalmadas vedando as orelhas. Implorava à avó que o deixasse em paz ou findasse sua tortura. Persistia por inúmeras vezes controlar a respiração ao imaginar estrelas conforme o Dr. Kai ensinara. Fazia o máximo em focar no seu respectivo equilíbrio psicológico, porém, nada se revertia.
Analisava o teto, expressava angústia em seus olhos de oceano e pressionava as pálpebras de modo a apagar o tormento mental.
Quando Moniese retornava, seu autocontrole rompia-se similar a uma linha fina ao ser cortada. Ali havia a certeza que passaria incontáveis anos em terapia.
— Pare, vovó! Por favor, pare! Não suporto mais, vovó! — clamava aos choros desesperados, um reflexo da necessidade pela piedade proveniente da sua única figura materna que representava nada além de uma decepção.
— ABRA IMEDIATAMENTE A PORTA, FRANCO GREGORI! — arrepiado pela mudança de voz da avó, o menino expressou dor no mesmo instante em que suas lágrimas caíram e misturaram-se com a saliva incontrolável que gotejava de sua boca.
Uma atitude de qualquer criança desesperada.
— Abra para conversarmos! Exijo que abra esta maldita porta, seu desgraçado! — seus lábios preencheram-se de rancor e prosseguiu numa linha tênue que demonstrou domínio e esforço em desejar derrubar a porta.
Suas pupilas depararam-se dilatadas em decorrência do frenesi e poderiam jurar que Moniese situava-se fora de ordem mental.
Conforme os sinais dos céus, Moniese surpreendeu-se com o próprio filho.
Quase infartou ao notá-lo.
O Sr. Callahan desentendeu a atual situação, mas determinou disposição a definir forçadamente os futuros caminhos de sua mãe. Seu coração, mesmo quebrantado, obtinha forças para defender o menino.
Nem sequer envolvia revidar fisicamente, e covarde atitude jamais vagueou em sua cabeça.
Porém, possuído pela valentia, o jovem Callahan disparou e saltou os degraus a tempo de impedir o pior. No momento que encarou sua mãe desestabilizada, pôs-se de costas na direção da porta que correspondia ao quarto da criança e de frente à mulher, lamentavelmente suportou receber como presente as inúmeras e dolorosas tapas no rosto.
Em sequência das agressões físicas, surgiram os cuspes. Atitude repugnante e já aguardada de Moniese.
Ao acatar o comportamento asqueroso da mãe, mantendo seu respeito acima dela, o rapaz derramou as árduas lágrimas reprimidas até o momento, enquanto os vizinhos persistiram em buscar ajuda.
Moniese renunciou e desceu disparada em revolta até a sala, apanhou um dos vasos de vidro nas mãos incontroláveis e arremessou-os através da janela. Os demais objetos foram quebrados quando ela os lançou contra a parede, e derrubou uma das lascas de tinta desgastada pelo tempo.
Nesse exato momento, os vizinhos saíram de suas casas na intenção de oferecer assistência, embora anteriormente fosse necessário a intervenção. Contudo, no instante em que se formava uma aglomeração de curiosos na Rua Mermaid, a ambulância se fez presente.
Mesmo preocupado com o filho, o Sr. Callahan escancarou a porta e implorou por ajuda logo que avistou os maqueiros saírem apressados do veículo.
Moniese destruía o restante dos objetos baratos, consciente em não derrubar os valiosos.
Com a assistência dos socorristas, o jovem Callahan se empenhou em convencer, contudo, ao notar que ela pouco se importava com suas palavras, auxiliou a mãe a entrar no automóvel enquanto ela relutou com todas as forças, entregou chutes, mordidas e socos contra os maqueiros. Debatendo-se ao similar instante em que era imobilizada com cuidado pelos braços e pernas.
Doloroso para se testemunhar.
Com auxílio de sedativos, a velha Gregori foi posta por cima da maca na hora em que seus olhos se fecharam entre a escuridão. Desesperado, o Sr. Callahan correu de imediato até o lar das Demdike e implorou às duas mães de Gaya, que jamais deixassem o garoto sozinho. Confiava ainda mais a integridade da criança nas mãos da família rival.
E ao seguir na ambulância para encaminhar a mãe direto a uma clínica de reabilitação custosa, o Sr. Callahan despencou aos prantos, soluçou enquanto segurava a mão de sua mãe e carregou a culpa de nunca ter evitado situações desgastantes.
Anya e Delphine, também acompanhadas de Gaya, entraram na casa e depararam-se com a maioria das coisas destruídas.
Pisando com cuidado sobre o chão preenchido por cacos de vidro, as três subiram até o quarto do menino e buscaram por respostas. Gaya tomou a iniciativa de chamar pelo amigo:
— Franco? — aproximou-se da porta fragilizada por arranhões e ausência de algumas lascas de madeira e pôs a orelha direita encostada, a fim de escutar alguma manifestação. — Franco, sou eu, a Gaya. Você continua por aí?
— Será que ele de fato se encontra no quarto? — Anya se alarmou.
— Espero que sim — torceu pela luz no fim do túnel. — Franco, Meu querido, você está aí? Somos nós, Gaya, Anya e Delphine — Delphine igualmente encostou a orelha na madeira gélida.
Preocupadas, as mães se entreolharam de soslaio até se surpreenderem com a movimentação da maçaneta e se apartaram da porta.
A aflição tomou conta das bruxas e lá se encontrava ele.
O quarto prevaleceu sendo o único da residência que se conservou intacto. Junto aos olhos avermelhados e inchados, manchas de saliva na blusa, a criança permaneceu com suas luvas que ocultavam as mãos.
Inativo sentimentalmente, com elas entrelaçadas, cabisbaixo, ele fungou o nariz e ergueu a cabeça para presenciar após tempos a face de Gaya. Aquele episódio fixaria em sua memória para sempre.
Naquela ocasião não recebeu abraços, pois se deparava frágil como uma porcelana, e sentia-se desprotegido em ter sido invadido pela avó devido aos toques violentos em sua pele. Porém, apenas foi presenteado com um sorriso afável de cada bruxa.
— Franco, seu pai precisou sair por um momento e em breve retornará. Por enquanto, precisa ficar conosco, em nossa casa até que o Sr. Callahan retorne — ele observou seu lar destruído e sua feição permaneceu inexpressiva.
— Senhoras Demdike, não me expliquem. Já me acostumei com a ausência dele — Gaya testemunhou as duas mães trocarem olhares novamente e emanarem preocupação.
Sucedeu como a pior noite àquela criança. Embora tivesse conquistado um colchão no mesmo quarto de Gaya, ainda sentiu que o chão fazia parte de si.
A menina puxou conversas com o amigo a fim de distraí-lo, porém, nada apagaria aquela infeliz ocasião. Decerto permaneceria em psicoterapia após tudo o que sofreu.
— Acho que minha mãe Delphine nos levará para passear no centro, só para que você se sinta melhor — seus olhos tocaram o teto e os ouvidos escutavam com atenção o menino respirar fundo. — Talvez possamos visitar a feirinha de orgânicos para comprar limões e fazermos uma grande torta fria de limão. O que acha? — lambeu os beiços.
— Não precisa. Já ocupo a vida de vocês o bastante — descansado no colchão, suas mãos deitadas se organizaram cruzadas sobre a barriga e as pálpebras fecharam para se concentrar em não chorar. — Acho que preciso dormir um pouco, Gaya. Tem algum problema?
— Nã-não, Franco. Sem nenhum problema.
— Obrigado, mesmo — seu tom era afastado, fraco e rouco.
Entre os grilos barulhentos lá fora e o perfume de incenso aceso de violeta na sala que percorria pelos cômodos, os dois decidiram permanecer em silêncio, antes dele romper a atmosfera estranha, em busca de não entristecê-la ainda mais com sua situação.
— Durma bem, Gaya — virou-se para o lado e ajeitou a cabeça no travesseiro, assim como o cobertor maior que seu tamanho.
— Você também, Franco.
Logo que o abajur foi desligado, seus olhos encheram-se de lágrimas ainda fechados, em lamento. E num choro silencioso semelhante à solidão da madrugada naquele dormitório, suplicou a Deus que o levasse de imediato até os céus.
Aos sete anos, Franco convivia com problemas de um adulto. Era tudo muito confuso e pesado para sua pequena consciência.
Dezembro de 1999
Ultrapassaram-se exatos sete meses após o primeiro tormento.
Moniese se cumpriu mantida numa clínica de reabilitação em Londres, distante da família, para o sossego de todos e por recomendação médica. Não se portava como um dos maiores ambientes na cidade e não se assemelhava às conhecidas clínicas existentes, mas era bem tratada por sua posição, histórico econômico e passou por avaliações médicas, além do acompanhamento durante vinte e quatro horas.
A única visita na qual impediram que recebesse, continuou sendo o neto.
No mesmo período, o Sr. Callahan reformou sozinho a residência com as sobras do dinheiro que guardava, reparou seus quadros considerados valiosos e se fez altamente presente para o filho. Não se sentia pressionado em se manter atento aos comportamentos do garoto e resolveu seguir, enfim, as recomendações do Dr. Kai em prol da evolução psicológica da criança. Porém, temia arriscar perder a custódia acima do Franco.
Por outro lado, Gaya se aproximou ainda mais do amigo.
O ensinou a pedalar a caminho do pôr-do-sol, apostaram inocentes as moedas que fizeram parte do conservado antiquário dos Gregori nos jogos de tabuleiro e cartas, brincaram durante os dias chuvosos, rodopiando sobre as poças e pegaram resfriados juntos ao dançar na chuva. Quase similar a um inocente filme clichê.
Visivelmente inseparáveis, cumpriram a primeira eucaristia em conjunto por escolha própria, mas a ideia surgiu do Sr. Callahan e as Demdike abriram mão em permitir que a menina retornasse a uma igreja depois de tudo.
Durante a fase residindo junto às Demdike, descobriu que todas seguiam o vegetarianismo e só consumiam os alimentos com a permissão da natureza. Um pouco estranho no início, oposto à sua tradição em ingerir carnes, porém conseguiu se adaptar com facilidade à rotina das curandeiras.
— Esta sopa está magnífica! — se deliciou com a sopa de batatas cozidas com caldo de cebola e salsa picada.
O cheiro era delicioso, fora o sabor e a aparência de fazer a barriga roncar. Franco havia devorado três recipientes cheios e sua barriga ainda detinha espaço para mais uma remessa, assustando Gaya, que mal acabara a primeira poção.
— Franco, acho que já está bom, não acha? Nem enchi a segunda tigela! — resmungou de boca cheia.
— A educação com o convidado, Gaya... — Anya congelou a garota com os olhos, que engoliu a sopa com rapidez, perto de se engasgar.
Delphine expandiu o olhar, cuidadosa com a filha e Anika riu tomando a sopa com lentidão.
— Minha maravilhosa Delphine quem fez — Hawthorne serviu-se com mais uma concha cheia enquanto sorria e Anya a olhava apaixonada, caída aos encantos de sua face amável.
— Verdade. Mamãe Delphine faz deliciosas comidas.
— E sua avó também, hein? Esqueceu de mim? — tomou um sorriso do Gregori e das demais.
— Anika possui uma memória de elefante, Franco. Gaya ainda não notou esse detalhe — alimentou o ego da sogra.
— Óbvio! — empolgou-se. — E melhor que a de vocês. Uma boa idade carrega privilégios, Delphine — sua risada soou como uma canção de pássaros alegres em galhos aquecidos pelo sol da manhã.
Tudo se tornou inédito e divertido. As bruxas o tratavam como parte da família, talvez o visualizassem equivalente a um filho que jamais obtiveram. Nem Moniese conseguiria assimilar uma bela atitude semelhante a essa.
Persistindo no mês de dezembro, os dois amigos prosseguiram com a leitura do segundo livro da trilogia fantástica "A Chave Áurea: O Portal de Terin" — publicado no ano anterior —, que detalhava a trajetória de um garoto solitário que passa a conhecer um mundo mágico mediante uma porta vermelha.
Franco despertou seu interesse pelo universo mágico e a narração que os incluía por dentro da trama fabulosa e misteriosa.
Passaram horas concentrados nas páginas, assim que os raios do sol transpassaram entre as folhas do cedro¹, com o garoto sentado no balanço de madeira preso na enorme árvore e Gaya acomodava-se na grama, sustentando o exemplar em mãos. Enunciando as passagens curiosas da obra até esquecerem do horário da refeição.
— Coragem do Ian tocar o espelho. Se eu estivesse em seu lugar, trancaria o quarto, me mudaria de casa e mandaria derreter a chave para nunca mais entrar. Talvez demoliria a casa com o espelho também — discutiam sobre a descoberta curiosa e perigosa do protagonista enquanto ele brincava com as folhas da grama.
— Eu não sei se faria o mesmo. Minha curiosidade sempre será maior que a fome — tateou a folha com a leitura interrompida, mirou para o céu e desenhou imagens nas nuvens. — Mas posso ter alguma certeza se continuarmos a ler o livro.
— Me perdoe. É porque me senti medroso — baforou ao vento. — Mas continue a leitura. A história está me deixando ansioso. Julgo ser melhor que o primeiro livro, hein?
— Acho que concordamos com alguma coisa — piscou de soslaio.
Quando apenas restaram os sons dos pássaros a cantar, folhas dançantes das árvores e barulho de pratos postos na mesa, Gaya prosseguiu com a leitura.
— "Deixe-me ir!", gritou Ian, que quase perdeu a voz e cuspiu suas forças à fora. Entretanto, o espelho lhe puxava para um novo mundo. Maravel, sugado para um temido futuro, se recusava a deixar o passado e seus objetos valorosos para trás — os olhos do Gregori na Demdike estavam ansiosos pela história.
A narração da garota se conservou audível e as palavras soaram corretas até uma das mães chamarem as crianças para se alimentarem.
— Fim do quarto capítulo. Mamãe Anya nos chama para almoçar — fechou o livro pesado e o deixou por cima do balanço.
— Mas e o Ian? Ele não deve ter superado o que ocorreu no primeiro livro. Acho que estava certo em não querer ser atraído para dentro do espelho — apoiou as mãos na grama para se levantar, limpou as luvas na calça e buscou por respostas.
— Franco, pelos motivos do Ian ter sofrido no primeiro livro, acho que no novo mundo ele não sofrerá tanto quanto no início. É o passo mais próximo para superar o que ocorreu — sua barriga resmungou de fome.
— Deixar o passado após enfrentá-lo e tomar controle sobre ele, não é? — a menina sorriu prestes a sair do jardim. — Não é?
— Você respondeu seu questionamento — os pés estavam a um passo de entrar para o interior da casa.
(...)
Próximo da véspera natalina, o pai de Franco recebeu uma oportunidade profissional para residir temporariamente em Londres, num apartamento alugado por um padre, seu amigo do seminário.
Os administradores almejavam tê-lo como uma das atrações importantes no museu que levava o mesmo nome da capital, oferecendo a possibilidade de expor suas obras autorais, pinturas, artefatos nobres da família Gregori para alguns membros da igreja católica que visitavam o ambiente e concretizar uma parceria preenchida por história.
O Sr. Callahan igualmente aproveitaria a ida à capital de modo a se reaproximar da mãe, que correspondia à terapia numa surpreendente dedicação.
De primeira, sem hesitação, o garoto recusou acompanhá-lo nessa mudança. Deparava-se tão apegado à sua amiga, que seria difícil desvencilhar-se da pequena bruxa.
Num breve diálogo entre o pai do menino e Anya, decidiram que o garoto permaneceria em Rye e conviveria por um tempo na residência das Demdike.
Franco reagiu empolgado sem disfarçar a sua animação, exclamou felicidade e entregou pulinhos de alegria. Nunca o presenciaram daquela maneira.
Ali dava-se o ponto inicial para uma ligação mais profunda com a inocente linhagem rival que procedeu por séculos abaixo do martírio.
25 de Dezembro de 1999: Três dias depois da Lua Cheia
Assim que o Natal chegou, transformava-se no momento em que Rye se rebelava contra a aparência habitual e preenchia-se de luzes coloridas, bonecos natalinos, canções da época e a neve surgia como indispensável para a ocasião. Mas o natal das Demdike sempre fora considerado o mais peculiar da cidade.
Desfrutando o grande jardim da casa, elas enfeitavam o cedro repleto de flocos de neve com minúsculas lâmpadas amareladas e flores de papel feitas por Gaya e Franco. As crianças se divertiam com os flocos de gelo que tocavam as pequenas e amáveis faces ingênuas, porém, algo imperava os pensamentos do menino.
Através da ampla paisagem externa, visualizada do quarto de Gaya, tornava-se possível testemunhar as demais crianças a brincar no níveo² chão coberto pela neve constante, unidas às suas vestes agasalhadas.
Ele se distraía com a situação, entretanto, ao mesmo instante, exibia um extremo de sua realidade:
— Gaya, esta continuará sendo a exclusiva época do ano na qual não me considero único ou sozinho ao usar luvas.
O estranhou e lhe fez companhia sem tantas aproximações.
— Os vejo com suas luvas coloridas ou sem graça e me sinto de alguma maneira acolhido. Como se passassem pelo que passei e compreendessem minha dor. Mas assim que encaro com a verdade, me noto iludido, igual a uma folha solitária e seca no chão — tocou o vidro da janela com a mão esquerda espalmada até enxergar seu próprio reflexo melancólico embaçado pela névoa e os flocos congelados de neve. — Passarão as estações, aceitarei minha realidade e esconderei meus medos.
Observou através da janela, na companhia de sua melhor amiga, os demais criarem seus respectivos bonecos de neve, além de "anjinhos" desenhados no ocultado piso de seixos.
— Não, Franco. Seu sofrimento não será eterno. Eu acredito — contornou o rosto dele com pequenos olhares brilhantes pela esperança.
— Gaya, não somos como o Ian. Não podemos escapar dos problemas entrando num mundo fantástico ou obrigados a entrar. Eu aceitarei e é melhor respeitar isso.
¹Cedro: É uma perenifólia ou sempre-verde — isto é, que preserva sua folhagem o ano inteiro. Ele é pertencente à família dos pinheiros. Sua madeira é altamente valorizada porque não se deteriora com facilidade, tem uma bela cor avermelhada e perfume agradável;
²Níveo: Sinônimo de branco ou alvo.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top