Capítulo 7: Santa Hipócrita

*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, SOLIDÃO, ABUSO PSICOLÓGICO, VIOLÊNCIA FÍSICA, RELIGIÃO, HUMILHAÇÃO PÚBLICA, ASSÉDIO MORAL E VERBAL.

*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Opus 18 - Silfur Version - Dustin O'Halloran

Com o passar do mês de abril, após a última conversa aconselhadora e instrutiva entre pai e filho, embora a criança afirmasse à sua avó que desejaria imensamente encontrar com a pequena bruxa, Franco II aguardava a menina durante todas as monótonas tardes, abatido, apoiado na janela do escritório.

Por outro lado, Gaya, convencida pelas mães, optou em respeitar as ordens de Moniese, apesar de alimentar a vontade em reencontrar o garoto.

Considerava ser o único amigo na qual havia construído amizade.

(...)

Ao recolher suas folhas secas do falecido jardim nos fundos da casa, para completar o mostruário, sentia a necessidade de compartilhar o acervo com a menina ou convidá-la para conhecer o casarão.

Também ultrapassava horas a colorir telas e interrompia seu tempo de modo a relembrar o último diálogo que manteve com Gaya. Uma criança solitária em busca de descobrir novos universos durante o ciclo do entardecer e qualquer um possuía ciência que Franco permanecia assim.

Às vezes enxergava-se invisível, mesmo ao dedicar a encarar seu próprio reflexo no espelho e a madeira da mobília estalava num silêncio ensurdecedor, simbolizando a solidão semelhante a um fragmento de sua alma. Nem os incontáveis pássaros poderiam animá-lo naquela situação.

Caso o respectivo psicólogo soubesse de toda aquela circunstância, recolheria o garoto na intenção de conviver por um determinado período na sua presença ou de qualquer organização dedicada ao apoio infantil.

O pai frequentava a capital, resolvia questões profissionais e acreditava que sua mãe se responsabilizaria pelo garoto em sua ausência. A avó, embora alegasse importância referente ao menino, nunca demonstrava nenhuma fração de empatia sobre sua saúde mental.

A última vez na qual frequentou o psicólogo junto ao seu pai, Franco estarreceu o profissional que já se mostrava preocupado. O rapaz almejava compreender a carência da criança pela figura paterna, porém, jamais aceitaria o comportamento proveniente de Moniese.

— Franco e Sr. Callahan! É sempre bom vê-los de novo aqui.

O pai do garoto cumprimentou o rapaz elegante, explicou que deixaria o filho rapidamente com o psicólogo e que aguardaria ao lado externo da sala até que o profissional o chamasse individualmente.

— De início, preciso que me explique sobre aquele quadro na qual me presenteou. O exibi para minhas filhas e elas afirmaram que és talentoso! — conquistou um sorriso do menino desanimado, o deixou confortável na poltrona quando anteriormente os seus ombros depararam-se tensos, mas o inconsciente do garoto principiava a martelar em alerta ao ser questionado pelo conceito da pintura.

Ao sustentar uma caderneta nas mãos, o Dr. Solomon Kai, um dos notáveis e experientes psicólogos de toda a Inglaterra, esbanjou um meigo sorriso caridoso e confortável ao pequeno Gregori.

Kai, um homem alto e negro de tonalidade fria e retinta, olhos pequenos e destacados em castanho âmbar, cabelo crespo curto e barba simetricamente aparada, também sempre se evidenciava elegante em roupas formais por qualquer ocasião, mas suas vestes transmitiam experiência. Mostrava ser a personificação da sofisticação e eficiência.

Solomon lhe ofereceu um copo d'água, um pouco de gelatto de chocolate com raspas de amendoim, feitos por sua esposa e armazenado num recipiente térmico, trouxe conforme um presente ao Franco. Era a sobremesa favorita do garoto.

Numa das sessões terapêuticas, o Dr. Solomon Kai guardou essa minuciosa informação consigo até um dia na qual levasse o doce para o menino.

— Trouxe em especial para você, Franco. Espero que goste. Sei que nunca será idêntico ao que seu pai faz, mas a minha esposa é considerada uma ótima confeiteira.

Alegrou-se novamente, satisfeito em presenciar o garoto devorar o gelatto e apreciar o sabor de olhos fechados, quase similar a um chefe gastronômico rigoroso experimentando um prato diferente de todos os que já degustou.

Era de fato semelhante ao do Sr. Callahan.

— Deve estar saboroso, concorda comigo?

— Muito, Dr. Kai! Nem sei como lhe agradecer, porém, me sinto tão contente por isso! — sua miúda voz humilde e carinhosa, sensibilizou o psicólogo.

— Agradecer? Franco, jamais fale uma coisa dessas. É de todo o meu coração e da minha família.

No mesmo instante em que a criança apreciava a sobremesa, o Dr. Kai esticou-se no intuito de apanhar a caneta na inferior mesa de lado e abriu o caderno. Situava-se em mais uma terapia junto ao jovem paciente.

Aguardando calmo pelo menino, o doutor sorriu de maneira amável até o pequenino retomar a atenção.

— Se sentir confortável, conte-me sobre o quadro na qual me presenteou. Vejo-me bem ansioso para descobrir o significado carregado por ele. Prevejo também que será um artista exaltado por muitos.

Abandonando o doce na mesinha de lado, uniu suas mãos vestidas em luvas e analisou cada detalhe da sala num olhar inquieto. Sua expressão exibia medo, desespero, suas pernas balançavam ligeiras e ele se esforçou para manter o controle. Começava a manifestar uma crise de ansiedade e para qualquer pessoa na qual o observasse daquela maneira, o coração se estilhaçaria em pedaços.

Uma criança unida aos seus sete anos e por mais que não acreditassem, notava-se vulnerável. Desta forma, Dr. Kai agarrou convicções sobre a permanência do descaso com o Franco.

— Franco, me escute, mantenha o foco em minha voz. Feche os olhos conforme eu lhe ensinei, respire fundo, conte calmo até dez e apenas abra quando sentir segurança em conversar — sem possuir consciência, infelizmente o Dr. Kai havia despertado um específico gatilho.

— Não consigo, Dr. Kai. É tudo tão escuro...

Percebera uma vez que Franco encontrava refúgio na imaginação. Sua mente era rica, conseguia se apegar facilmente em qualquer imagem que surgia na cabeça.

Unindo a imaginação com sua admiração pelo além das nuvens, Kai poderia amenizar temporariamente sua angústia durante a ansiedade.

— Gosta de admirar o céu durante a noite? — seu olhar preocupado notou uma calma nas sobrancelhas de Franco ao ouvir sobre a beleza da noite.

— S-sim. É admirável, Dr. Kai.

— Imagine flutuar no céu noturno entre pequenas estrelas que brilham e acompanham sua respiração. Como um astronauta fora do nosso planeta descobrindo a beleza do sistema solar. A cada respiração que se tranquiliza, uma estrela nasce, Franco.

Com excelência, Franco sorriu de olhos fechados, tranquilo ao testemunhar estrelas surgirem no escuro construído pelo transtorno.

Ao oferecer distanciamento ao menino ingênuo, o psicólogo o observou atento e presenciou o autocontrole emergir gradualmente em seu pequeno paciente.

Delongaram minuciosos minutos, em oposição aos anteriores em sala. Suas pálpebras se abriram e destacaram o olhar antes aflito como se encarasse a claridade do consultório pela primeira vez. Naquele ápice, numa respiração equilibrada, procedeu novamente confortado pelo médico até obter segurança ao desabafar.

— Possui toda a minha atenção, Franco.

— Dr. Kai, o que farei caso a minha avó pressione o meu braço mais uma vez? — ele se assustou com a explanação da pobre criança.

Não conseguiu mascarar com profissionalismo. De alguma maneira aguardava que Moniese pudesse agir abominável em algum momento, após adquirir informações fornecidas através do Sr. Callahan a respeito da idosa. Mas não imaginava o grau da situação.

— Possuo o receio em pintar outra vez e ser castigado por ela. Depois decidi lhe entregar a pintura, para que jamais o encontrasse na casa.

O referente quadro retratava a imagem de Gaya, sua amiga da vizinhança.

Sem tamanha experiência, apenas pôde identificar determinados detalhes que realçavam a tonalidade da pele negra resplandecente e seus cabelos crespos escuros. Havia pincelado a pintura para exaltar apreço a favor da breve amizade. Encontrava-se prestes a presentear a menina, porém, antes de escapar escondido, fora descoberto pela avó.

— Doutor, ela gritou comigo e me deixou bastante assustado. Nunca a presenciei daquela forma — os lábios estremeceram.

Franco se abraçava enquanto balançava o corpo repetidamente para frente e para trás, acalmando-se sozinho. Regressava com a ansiedade.

— Após o susto, minha avó avançou sobre mim, espremi os olhos e senti suas unhas enterrarem contra a minha pele. Não consegui respirar bem e acredito que o meu pai retornou na hora exata. Assim que acordei, me encontrei deitado na cama, coberto pelo lençol — fez uma breve pausa para beber água, segurou o copo com as duas pequenas mãos trêmulas e respirou fundo depois do primeiro gole, disposto a recuperar seu fôlego. — Quando retornei naquele dia para cá, pedi ao meu pai que trouxesse o quadro conosco, pois acreditei que minha avó daria um fim. Me desagradaria em entregar à minha amiga. Então decidi lhe presentear. Me desculpe, Dr. Kai. Prometo que farei uma pintura sua. Sei que pertencia à outra pessoa, porém fiquei feliz por adorar.

— Não há problemas, Franco. A Gaya se assemelha um pouco com uma das minhas filhas. Entreguei e acreditou que foi feito especialmente a ela — riu de modo a confortá-lo, mas sua feição tornou-se séria em questão de segundos.

Seu único foco dependia em compreender o menino e trabalhar para dominar o problema. Embora houvesse denunciado a Gregori numa única ocasião de forma anônima. Contudo, lamentavelmente pouparam a situação.

— E relativo a isso, necessito conversar mais uma vez com seu pai. Ainda que desentenda sobre inúmeras coisas, a culpa jamais será sua. É complicado quando buscamos a decifração do seu medo e esperamos que todos validem sua psicoterapia. Porém, se isso ocorre e influencia negativamente, pode sossegar. Seu pai e eu faremos o possível para resolver.

O Dr. Kai conquistou a confiança de Franco, circunstância que dificilmente ocorreria, à medida que o menino se mantinha recolhido devido aos acontecimentos em casa.

Próximo à esperança, regressou à preocupação da parte do psicólogo. Detestava presenciar o seu paciente em constante regressão.

Conforme o período se passava, o Dr. Kai alertou pela decisiva e consistente oportunidade, que o pai do menino reagisse diretamente acerca da situação alarmante. O Sr. Callahan destacava-se como mais uma vítima da relação abusiva proveniente de sua mãe. Sentia-se impotente à medida que descortinava acontecimentos referente ao garoto. Todavia, preenchido pela coragem, buscou auxílio para prosseguir com a denúncia à mulher perversa, contudo, não obteve êxito.

Tornou-se um integral descaso quando envolvia a criança no centro do caos. Nem ao menos uma atitude eficaz para encurralar a mulher. O limite havia se esgotado, junto à vivacidade. Entretanto, ainda insistia em permanecer existindo em prol do filho.

30 de Maio de 1999: Lua Cheia

Mas foi num domingo de manhã, durante uma missa de celebração à Santa Joana d'Arc, no mês de maio, que Moniese dissimulou ao se importar com o neto e o levou pela primeira vez na Igreja Católica Romana de Santo Antônio de Pádua, na pacífica Rua Wacthbell.

A maioria dos moradores da cidade se faziam presentes na segunda igreja existente naquela localidade.

Durante o início da cerimônia, todos se sentaram e mantiveram a concentração no padre.

Situando-se num dos últimos bancos, Franco admirava a igreja com seu olhar estupefato. Os vitrais permitiam que a luz do dia transpassasse para dentro da casa de Deus, a magnitude das artes barrocas que preenchiam o espaço junto à riqueza, chocavam o menino. Nunca havia frequentado um local santo em toda a sua existência. Exceto a ida em benefício do batismo.

Sua atenção voltava à imensidão, até se atentar a alguns burburinhos propagados pelo lugar e observar os olhares inquietos dos frequentadores.

Moniese mirou para trás, horrorizada, prestes a gritar, surpreendida conforme os demais fiéis evidentes.

Anika e Gaya se fizeram presentes na igreja para frequentar mais uma celebração. Destoante dos demais cristãos, o sacerdote havia se acostumado com o comparecimento de ambas.

Embora alguns considerassem uma heresia, elas detinham total direito em se apresentar na casa de Deus.

E ao caminhar até o centro do templo cristão na direção dos bancos frontais, avó e neta desvalorizavam os maus olhares emitidos. Franco se adiantou em reconhecer sua amiga, ergueu-se do banco e surpreendeu a avó.

Ligeiro, correu empolgado até os primeiros assentos da frente, espantou os católicos além do padre, até se estabelecer diante de Gaya e sorriu, após consumir saudades. A menina levantou-se e quase o abraçou, porém, não chegou a tempo de completar sua ação.

Agressiva, Moniese bravejou durante a cerimônia eucarística, amedrontou os religiosos e interrompeu a missa:

— FRANCO, NEM SEQUER OUSE RECEBER UM ABRAÇO DESSA MALDITA BRUXA! — o grito ecoou por toda a igreja e cessou o ato litúrgico.

No calor do momento, Moniese ao menos refletiu duas vezes em evitar cometer um infortúnio.

Segurou o braço do garoto junto à agressividade, o puxou para perto e surpreendeu-se com seu neto, que entrou em colapso na frente das testemunhas.

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