Capítulo 48: Santíssima Trindade
*ALERTA DE GATILHOS: ANSIEDADE, PÂNICO, CRIMES DE ÓDIO, FEMINICÍDIO, MISOGINIA, BESTIALIDADE, VIOLÊNCIA FÍSICA, DESCRIÇÃO GRÁFICA DE CRIMES, MENÇÃO À SUBSTÂNCIAS PERIGOSAS, DECAPITAÇÃO, DESMEMBRAMENTO, ENVENENAMENTO, PERSEGUIÇÃO, CATOLICISMO E RELIGIÃO.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Filma Solo - Gabríel Ólafs
Dante percebeu a pressão cair, logo que adiantou os passos distantes daquele ambiente. Tudo fora cercado por cobras.
Se pudesse, compraria a primeira passagem de trem e partiria para longe.
Mexia com casa de vespas.
— Onde você está? — saía apressado do museu entre seus olhares desconfiados.
As pupilas dilataram de uma forma que suas íris acinzentadas sumiram e seus espasmos, além dos olhos céleres, foram resultados de seu sistema nervoso que fervia.
Do outro lado da linha, sem entender, Gaya deixava a mercearia com algumas sacolas e o notou afobado por intermédio da chamada.
Até aquele instante, a bruxa vivia sua rotina comum.
— Estou voltando para casa. Saí no intuito de fazer compras. Aconteceu algo? — passou da entrada para a rua.
— Volte para casa, Srta. Basil. Por favor!
Esbaforido, subiu na moto disposto a alcançar o apartamento a fim de finalizar as últimas investigações.
Seu olhar se conservou desconfiado, lia as pessoas que passavam e lhe encaravam, em estranhos que telefonavam, todos ali eram desconhecidos e talvez existisse um padre camuflado.
— Apenas fui fazer compras, Deangelo — seu tom se evidenciou incomodado. — O que aconteceu? — curvou a cabeça enquanto estava na frente da loja.
— Gaya, me ouça com atenção.
Ela o reparou estranho ao chamá-la dessa maneira e recordou de um indivíduo que usava uma entonação diferente ao enunciar seu real nome.
E não se tratava de Franco Gregori.
— Creio que descobri quem matou Ivone Castrell e o Padre Chatoxx — soprou e suas escleras se moveram agoniadas em busca de alguém na rua movimentada. — Se retire daí. É provável que agora estejam lhe observando.
— Mãe Terra...
Sibilou assustada e quase derrubou as sacolas da mão, desconcertada com a revelação.
— Retorne para sua casa e não saia até eu chegar — o capacete foi posto no topo da cabeça e assim que desligou, se ajeitou, abaixou o visor e partiu atento em qualquer carro que cruzasse seu caminho.
O contato foi encerrado e pela primeira vez, a bruxa sentiu ser observada por alguém naquela rua. Não era um espírito ou algo do tipo.
Sua audição apitou irritante, sem mover o físico ou girar a cabeça e captou uma presença se achegar detrás.
A consciência gritou para correr, mas de uma maneira estranha, em meio aos transeuntes na rua que passavam ao seu lado enquanto andava lenta, empenhada em manter a calma, as sacolas que carregava se desvencilharam e flutuaram de suas mãos logo que sentiu algo pesar as palmas.
Pareciam ardentes.
No instante que girou seu rosto e corpo para trás entre as sacolas caídas e avistou um homem de aparência jovem feito a sua e usava um broche, o estranho que se aproximava célere da moça sem se importar com testemunhas, fora lançado ao extremo por uma força insólita. Que o fez arranhar as mãos no chão e machucar as costas pelo impacto.
Foi doloroso e sobrenatural.
A Demdike, em choque, desacreditou no que viu, apanhou apressada as sacolas e disparou distante do desconhecido que observava algumas pessoas a considerarem tudo muito esquisito.
À medida que escapava do possível assassino, a bruxa se questionava se aquilo partiu dela ou da Mãe Terra que até àquela altura não falava.
Assim que alcançou uma loja de roupas aberta numa viela e se escondeu entre os corredores e araras, a cantora reparou o mesmo indivíduo de sobretudo passar e olhar para dentro do local.
Ele ainda se queixava dos machucados e por tê-la perdido de vista.
O ambiente que tocava bossa nova das caixas de sons aéreos, estava cheio de clientes que entravam e saíam naquele domingo.
E então ela se arriscou ao observar a rua e notou o idêntico homem distante apanhar um carro e seguir para longe de onde destinava sua residência.
Disparar para casa no momento de desespero, ajudaria para que soubessem em qual lugar residia.
E depois do acontecimento bizarro, Gaya não sabia se contaria ao Dante sobre ser uma bruxa, pois resultava num ponto a ser questionado pelos padres ao receberem qualquer informação do estranho que escapou.
O apartamento estava um pouco abafado quando Dante adentrou e mal esperou para retomar as pesquisas. Há um tempo que não dormia bem e cuidava da casa.
Cada evidência conquistada se uniu às outras que foram postas no chão da sala ao afastar sofá e desorganizar os demais móveis.
O broche e variadas coisas foram colocadas na mesinha que permanecia próxima.
As fotografias que interligavam os suspeitos se uniram com pequenos pesos achados pela residência e informações se juntaram para formar um quase painel semântico.
O rapaz andava pelo cômodo e analisava os detalhes posicionados no assoalho na intenção de situar suas ideias e se atentava no gravador ligado nos registros.
Era a forma mais habitual de unir as pistas e dali partiu para o notebook, a fim de prosseguir com a busca.
O primeiro, se tratou a respeito do Padre Artur McNeill.
Conforme as informações, aparentava ser um homem bondoso, baseado nas fotos fornecidas pelo navegador e matérias religiosas.
O próprio indivíduo prevalecia ladeado de outros sacerdotes detentores de uma hierarquia menor com base nas vestes, além da imagem em conjunto no Vaticano, como havia encontrado junto à Gaya.
Fora isso, nada mais existia com relação a ele.
Para um homem agressivo nos supostos crimes, o provável assassino ocultava bem seus segredos.
Enquanto a atenção se fragmentou na tela preenchida de evidências e o gravador a reproduzir gravações, chegou o momento de escutar o último áudio registrado.
O rapaz se revelou disposto a anotar pontos importantes sobre aquele diálogo entre os padres.
— Padre Maria, Padre Maria... — repetia mediante os olhos semicerrados ao passo que abria mais uma aba para pesquisar os tópicos relevantes. — Serás o primeiro — clicou na primeira matéria que mencionava o sacerdote.
Se referiu a uma notícia explicativa acerca de como funcionam as reformas de catedrais e a mentoria exemplar do Padre Maria que ganhou durante a reportagem, longas linhas relativas à sua história.
Segundo as referências, Maria fazia parte da Catedral de Westminster, com outros membros também formados em Teologia e Filosofia.
Sua posição não era tão significativa, mas Dante o interpretou ser um mediador ou mensageiro de alguém detentor de um cargo elevado.
Contudo, o ponto mais importante, concerniu à ligação entre a catedral cliente da joalheria pontuada como a produtora das abotoaduras.
Talvez, estivesse por trás das encomendas, feito um comprador direto. Foi o que Dante pontuou nas anotações.
Seu nome, não era comum para um britânico, pois, o respectivo padre provinha da Itália e sempre visitava a Inglaterra a serviço.
— Padre Lively... personagem novo que bem-queria viver no anonimato, mas seus amigos entregaram o nome. Vamos ver se aparece por aqui — conversava sozinho.
Mais uma aba foi aberta e o que se ocultava, se revelou.
As pesquisas guiaram o detetive até o portal oficial do Vaticano, numa matéria acerca de projetos missionários na América do Norte guiados pelo Padre Isaac Lively, e a foto que reunia demais clérigos na presença de famílias carentes de Iztapalapa, no México.
As fotos da "missão católica" transpassaram a sensação de impunidade. Como de costume se aproveitavam da bondade e ingenuidade de pessoas inocentes.
Aquilo se tratava de um esquema invasivo, de uma história repetida.
Sentia que o "projeto" se referia a uma armação no intuito de se beneficiar por cima das situações vividas por famílias minoritárias.
Se fosse mais a fundo, ao entender que a joalheria pertencia ao Vaticano, não se surpreenderia em descobrir que o material retirado para a produção das joias, partiam das mãos de comunidades humildes.
Por último, Deangelo pensou que encontraria algo com facilidade relacionado ao que os padres discutiam, visto que a "Santíssima Trindade" que as buscas exibiam, se relacionava a mencionada na bíblia, com o Pai, o Filho e o Espírito Santo feito figuras centrais.
O detetive refletiu um pouco mais, sua consciência soprou e arriscou escrever as palavras em latim na caixa de busca. Pois daquela vez, não seria tão acessível encontrar alguma fonte que mencionasse o que fora discutido no museu.
— Sancta Trinitas — enunciou à medida que digitava. — Veremos.
Enfim, parecia estar ansioso para fazer mais um progresso.
Entre variadas páginas com cânticos em latim, indicações de livros e matérias que envolviam a igreja católica, o rapaz que vasculhava cada detalhe, finalmente considerou ter encontrado algo importante: um documento restrito no nome de Tiziano Vicentti, da força pública italiana.
Para adquirir acesso, necessitaria participar da instituição que o estranho concernia e isso o frustrou bastante.
Mas não desistiria tão fácil.
Focado, o rapaz lançou o nome no navegador para obter alguma informação e fora levado a um perfil no LinkedIn, que somente possuía o tal nome e um possível endereço, que o redirecionou até uma página social da própria polícia italiana.
À medida que caçava pelo desconhecido, surgiu a ideia de encontrar qualquer registro que existisse alguma equipe ou uma abundância de pessoas na rede social.
Entre longos minutos a vasculhar imagens, os sentidos de Dante apontaram para uma determinada foto que indicava ser de policiais civis que ladeavam dois homens vestidos formalmente.
Na imagem havia marcações e no meio delas, um tal de Tizo Bianchi fazia parte da fotografia.
Sua mão o guiou para clicar no nome e o fez alcançar um perfil pessoal que constava o número de contato e poucas fotos em família, viagens e comidas.
Detinha uns prováveis setenta anos.
O senhor atualmente residia na Escócia, onde sua família costumava se reunir para as convenções dos Dawson.
E assim, Deangelo tomou seu telefone celular posto na mesa, teclou firme os dígitos e principiou a ligar para o homem estranho que lhe auxiliaria no que necessitava.
Enquanto aguardava ser atendido, decidiu ativar o gravador e registrar a chamada por alto-falante.
— Bianchi. Quem fala? — a voz rouca questionou.
Chegou o momento que fez o corvo despertar receios.
— Sr. Bianchi, me chamo Dante Deangelo, investigador particular e já trabalhei para o Departamento Policial de Londres.
Exprimiu apreensão em ter sua comunicação rejeitada, mas até àquela altura, o homem se mostrou disposto em manter a ligação.
— Bem, o que deseja? — repousava numa cadeira de frente a um terreno de margaridas.
Morava num local afastado da Escócia, ao passo que desfrutava da paz e natureza.
— Para ser direto, estou numa pesquisa acerca de resolver crimes não solucionados e arquivados — parecia pisar em campo minado e temeu afastar o estranho. — Me contrataram e tudo o que coletei, me levaram ao senhor.
O idoso permaneceu em silêncio, em seu conforto e ponderou cessar a conversação na intenção de deixá-lo falar sozinho.
Mas daquela vez não fugiria.
— Prossiga — Dante escapou a respiração tensa ao escutá-lo permitir a conversa. — Por que lhe contrataram?
— Para reabrir e solucionar alguns casos que ocorrem aqui na Inglaterra...
— E envolvem a igreja. Já entendo o que precisa me questionar.
O interrompeu e completou. O jovem homem quase expulsou o coração pela boca. Seu estômago se contraiu por entender que havia encontrado a pessoa certa para aquele diálogo.
— Finalmente alcançou o Crime da Santíssima Trindade, não foi? E conseguiu chegar até mim.
— Me faltaram incentivos para profissionalizar o processo de investigação, mas tentei fazer o possível — coçou a cabeça e esfregou a mão no rosto.
— Apesar de ser um assunto perigoso, pensando ser um rapaz novo, está num ótimo caminho feito um detetive. Assim como fui.
O jovem se percebeu apoiado. Às vezes sentia insegurança em algo que sempre gostou de atuar.
— Exatamente sobre isso que me motivou a me comunicar. Sinto estar próximo de desvendar algo e descobrir seu contato, pode significar uma parte da resolução.
— E está — Dante animou-se. — Aguarde só um instante. Entrarei em casa para apanhar alguns documentos.
— Fico no aguardo durante a ligação — acatou.
O idoso adentrou no interior do lar no prado que se mostrava florido. Residia com seus cinco gatos e marido que havia saído para a mercearia próxima, em busca de manteiga e pães para o jantar.
Após o distanciamento de sua profissão, ambos compraram uma casa de campo na Ilha de Mull com o propósito de escapar das pressões internas na polícia civil italiana.
Os dois trabalhavam no mesmo setor.
Bianchi entrou em seu escritório destinado a apanhar documentos armazenados em gavetas trancadas na mesa principal, sentou-se numa poltrona marrom de couro vacum e pegou uma chave escondida no afundamento do estofado.
Seu marido e ele tomaram a decisão caso a residência fosse invadida.
Logo que recolheu o que buscava, o telefone foi posto entre ombro e orelha à medida que folheava.
— Já não carrego a mesma disposição de antes — puxou um riso frouxo —, portanto, anseio confiar em seu trabalho.
— Confie em mim de olhos vendados, Sr. Bianchi.
— Assim espero. Primeiramente, se porventura cruzou com Tiziano Vicentti, saiba que é apenas um nome secundário para conservar minha integridade e da minha família. Creio que se assemelhe com o senhor, por isso, separarei algumas comprovações que me fizeram sair da Itália e fugir para cá com meu real nome. Em meio aos documentos, há alguns recentes que foram adicionados.
— Não se preocupe — o tranquilizou. — Teria como me transferir por serviço postal? Confio que não haverá demora — desacreditou e riu sem jeito.
— Pensei nisso. Amanhã lhe enviarei para o endereço que me repassar. Caso seja em Londres, como informa no código telefônico, acredito que durará dez horas de entrega.
— Tudo bem — era paciente.
O idoso relaxou no assento ao dispor suas evidências sobre a mesa e principiou a conversar com detalhes.
— Então, Sr. Deangelo, se me encontrou, não quero lhe alarmar, mas a qualquer momento será testemunha da minha morte se algo ocorrer. Trate as papeladas como se eu lhe repassasse uma vida inteira de dedicação.
— Prometo que manterei em segurança, Sr. Bianchi.
Aquilo soava estranho, mas precisava adentrar a mente do desconhecido.
— Bem... — se ajeitou no acolchoado — o tal Crime da Santíssima Trindade ainda não foi findado como planejam. Dessa vez tratam feito um risco e alguém está dando muito encargo para ser morto. Nas provas que receberá contém todos os nomes, cargos, exceto da tal cabeça da serpente, na qual tanto falam. Não obtive tempo de descobrir e é provável que nunca encontre.
— Por que, Sr. Bianchi? — estava medroso.
— Lidamos com um plano elaborado desde antes do senhor nascer, se tiver menos que trinta anos.
Engoliu seco e os olhos secaram.
— Até agora não compreendo — as escleras vaguearam nas coisas postas no chão.
— Tudo envolve dinheiro, posição e inocentes. As possíveis vítimas desse crime não são tão vítimas, caso saiba.
— Imaginei... — sibilou.
— Mas as pessoas que levarão a culpa, essas serão. Estão se preparando para chegar a hora certa. E quando me aproximei de achar o maior deles, meu esposo e eu fomos depostos do cargo. Por sorte, não nos mataram.
— Sinto muito, senhor.
— Não sinta. Deu tempo de ferrar com eles.
O homem se levantou, andou pelo recinto, até parar de frente à janela e avistou os gatos brincarem na grama.
Eram seus bens mais preciosos.
— Durante a investigação já encontrou alguém que usava o símbolo da oliveira e a serpente?
— Isso mesmo. Inclusive estou com um dos broches perdidos por um deles e que uma das testemunhas me entregou.
Observou o objeto acima da mesinha.
— Sabe me informar o que significam?
— Segundo um dos delatores que conheci antes de silenciarem, a árvore é a materialização de famílias ricas e estar enrolada por uma cobra, simboliza a igreja. Chega a ser perspicaz criar algo desse tipo.
— Pretendem extrair tudo de herdeiros ligados à igreja ou indiretamente?
— O que esperar de uma instituição que apanhou mais bens de quem maneira alguma recebeu nada pela construção das catedrais, Sr. Deangelo? Cada ouro se trata de exploração se anseia em saber.
— Bem, é algo do meu conhecimento.
Sua família era parte disso. Embora os descendentes de Dante Gregori não se sentissem tão piores que os sanguíneos, ainda detinham uma certa culpa pela posse das heranças.
— Como ocorre esse processo de repasse do acervo? Os sucessores não dedicam tempo para ler?
— Muitos firmam documentos e concordam com os termos sem compreender o que está escrito nos papéis. É o que chamei de Indulgências Ante-Mortem. Eles chamam apenas de Termos de Consagração.
— Nomes criativos, não é? — riu tímido.
— Bem analisado — riu anasalado. — Quando assinam, a igreja toma sua vida. É como fazer um pacto com o Diabo e nunca fiz, se deseja saber — riram em conjunto. — Visto que se entregam à santidade, a igreja se torna uma família, entende?
— Isso é tão bizarro. Ingressam no sacerdócio com prazo estimado para morrer.
— É... são coisas que descobrimos com os mortos antes de partirem e confidenciarem.
O assunto se mostrava mais curioso ainda para Deangelo que relaxou no sofá, contudo, focado na ligação.
— E o que ocorre com quem não compactua, se recusa ou trai?
— Verá com detalhes nos documentos, investigador. Cada morte vai de acordo com seu indivíduo. Se para pessoas talentosas existem os olheiros, padres "inocentes" já são observados desde sua concepção. Não é de grande importância, mas o que pesa e almejo ser o seu senso de justiça, são as testemunhas e os indivíduos na mira.
— Então, quer dizer que, os sacerdotes assassinados são sondados pela instituição bem antes de nascerem?
— Para qualquer história, existe uma galinha de ovos dourados.
Bianchi respirou imersivo, seus pulmões estavam densos a tratar de um tópico sensível.
— A cada tempo surge um herdeiro. Famílias ricas fazem isso com frequência e apontam para pessoas carentes como se errassem constantemente. Quando a igreja não consegue mais extrair dos pequenos, planejam com os grandes.
— É um ciclo — murmurou.
Para ser direto, Dante carecia de uma resposta sobre o falecimento do primeiro padre. Talvez, de tanta informação na cabeça do homem, ele tivesse ideia do caso.
— O senhor se manteve informado com a morte dos padres?
— Me mantenho sempre atento.
— À vista disso, tenho suposições a respeito do segundo, mas o primeiro ainda não avancei na investigação — esfregou as pálpebras. — O único detalhe que consegui com a ajuda de duas testemunhas, é que o primeiro foi envenenado por convalatoxina. Tem alguma noção do que seja?
— Convalatoxina... convalatoxina... — buscou na memória. — É toxina que se encontra em lírios-do-vale, detetive.
Recordou da elucidação repassada pela família de Gaya.
— Costumo praticar jardinagem atualmente com algumas senhoras da redondeza e me ensinaram que não devo plantar. Parece ser venenoso. Provavelmente ele teve uma parada cardíaca pela ingestão ou contato, e esse tipo de óbito pode ser considerado acidental. Até investigar quem comercializou a planta.
— Será difícil, pois não possuo tantas pistas — se ajoelhou no chão e caçou pelo documento furtado do departamento de arquivos.
— Como me conservo em alerta, conhece a feira semanal beneficente organizada pela igreja católica que ocorre em Green Park, em Londres?
— Sei bem. Uma das testemunhas avisou acerca disso.
— Certamente tenha frequentado e comprado. Recomendo que chegue por lá no intuito de pegar informações finais para complementar e fechar sua investigação.
— Detenho minhas teorias quanto a quem comprou, mas preciso me certificar.
— É o que se espera de um bom detetive.
Dante precisava urgente frequentar a feira e adquirir materiais precisos. Só necessitava planejar como agiria.
— Agradeço a sua paciência e disponibilidade, Sr. Bianchi.
— Não me agradeça, Sr. Deangelo. Espero que fique vivo e a justiça esteja ao seu lado.
Dia seguinte, em Green Park, ainda ocorria a feira que comumente arrecadava dinheiro para institutos de caridade e maioria das barracas eram compostas por freiras idosas e senhoras que faziam parte de projetos clericais.
Tudo era bem-organizado, florido, alegre e acolhedor. Pareciam mulheres caridosas de aparência.
Previamente, pesquisou acerca do aspecto dos lírios bem antes de frequentar o ambiente e foi com a imagem na cabeça, fora um óculos de sol que pudesse esconder seus olhos, gel nas madeixas e um bigode adesivo para enganar.
Parecia se empenhar para disfarçar. Bem mal, por sinal.
— Boa tarde! — as mãos foram postas nos bolsos e num deles havia o seu inseparável gravador acionado.
Um dos capacetes foi deixado em casa e o outro guardado no compartimento da moto estacionada próximo de alguns carros ao lado.
— Boa tarde, senhor. O que deseja?
Uma das freiras apoiou as mãos sobre a mesa complementada por variados produtos orgânicos.
— Busco por lírios diversos, cogito presentear minha esposa — pestanejou os olhos em cada item.
— Ah, temos do campo, lírios orientais, longuiflorum, de outras tonalidades e lírios-do-vale.
Sentiu que estava perto de mais uma evidência.
— Hum... Os do vale são vendidos assim ou também de outra forma? Minha esposa gosta de demais usos da flor.
— Ah, tínhamos chá de lírios-do-vale. Mas só comercializamos restritamente ou feito presente. Um dia desses foi dado a um pároco que sempre permanecia conosco e nos auxiliava.
A precedente vítima conhecida.
— Nossa, que pena. Queria muito comprar. Sabe quem vende chá de lírios ou produz com exclusividade como indicou?
Suas escleras buscaram ao redor por alguém.
— O Padre Lively é ótimo com produção de chás. Pode ser um pouco ranzinza ao falar, porém é o único formado em Naturologia¹. Mas vendemos ultimamente de camomila, se preferir uma substituição.
— É esquisito, porque minha esposa insiste que eu compre, mas a flor não é proibida de se vender dessa maneira?
— Sei disso agora — organizou alguns pacotes de sementes e se alertou com a chegada de uma presença. — Falando nele, o Padre Lively está aqui.
No exato ponto que Dante virou-se, quase esbarrou num homem de feição raivosa e que se assemelhava com o Padre Artur. Exceto pela ausência de óculos e o cabelo pintado sem ser uma peruca.
— Irmã Constance — apertou a mão da freira.
— Padre Lively — sorriu amável. — Padre, ainda possui chá de lírios-do-vale? O cliente ao lado...
Mal perceberam que enquanto dialogavam mutuamente, Dante se desaproximou aos poucos e acelerou seus passos entre os frequentadores da feira, em busca de despistar do sacerdote que apesar da movimentação, o avistou de longe, dando partida na motocicleta.
Naquele instante, atento, o clérigo reparou na placa, os códigos e as características que sobraram daquele estranho.
Por infelicidade, Deangelo não passou despercebido como desejava.
Sabia que fora visto, a placa de seu veículo e agora situava-se na mira.
A primeira coisa que precisava fazer, seria receber a tal caixa com as evidências, mudar de local e talvez de nome.
Ao chegar em casa, afobado pela situação e sem pensar direito, seu vizinho, atencioso, o interrompeu na entrada, lhe entregou uma caixa marrom leve e mediana que provinha da Escócia, como Bianchi prometeu.
Ele adentrou nervoso, trêmulo feito seus olhos, a segurou num dos braços, largou o capacete entre a bagunça do sofá e levou o caixote para a mesa de centro da sala.
Por segundos parou de modo a observá-la e sentiu que enfim descobriria o que Bianchi alegava.
Confiava na palavra do ex-agente italiano.
Com pressa, arrumou um estilete e se fez cortes nas fitas a fim de permitir a abertura do papelão.
Parecia tremer muito mais enquanto cortava.
Assim que o cheiro de papéis misturados com os velhos e novos subiu, o investigador tateou os primeiros documentos com o mesmo símbolo do broche.
Tinha tudo, desde fotos, lista com nomes de vítimas passadas e logo percebeu que não se tratava da primeira vez que a igreja católica agia.
Havia tópicos pesados com o nome de seus pais, parentes, cada padre ou integrante assassinado. Descrições gráficas de como os sacerdotes foram mortos e dessa maneira alcançava o mais esperado.
— Ivone Castrell... — sussurrou triste e tateou uma folha que constava foto e breves detalhes a respeito de sua morte.
Gaya Demdike não precisava saber da descrição registrada e escrita.
— O que esses monstros fizeram com você?
O físico do detetive pesou ao ler um trecho do que McNeill admitiu ter feito.
"Confirmei que a senhorita Castrell era a delatora do membro não identificado. Não quis revelar e optou por morrer em prol do segredo. O medicamento não fez efeito, ela relutou ainda dopada e no fim precisei dividir o corpo da cabeça, com a traidora ainda em vida. Não foi fácil, mas ao menos enterrei o resto no Cemitério de Highgate e deixei um aviso para a próxima".
Gaya Demdike seria a próxima a ser morta. Daquela vez, Deangelo necessitava estar próximo. Ponderou em ajudá-la a mudar de nome, se ela preferisse, ajudaria a custear outra casa...
Sentia precisar fazer algo para que a cantora não passasse pelo mesmo que Ivone Castrell.
Tudo se tratava de cópias adquiridas em sigilo pelos "traidores". A igreja ainda não detinha conhecimento sobre o nível de compartilhamento dos seus segredos.
Após o choque da descoberta sobre Castrell, seus dedos trêmulos tocaram uma pasta preta ao fundo, selada com ligas velhas e nela existia o mesmo brasão da cobra e a árvore, bordado em ouro.
Foi repassada por outra testemunha ao Bianchi enquanto trabalhava na polícia civil italiana. Ainda existiam muitos membros que se disfarçavam.
Assim que abriu e dedilhou o precedente nome, tangeram a textura empoeirada e dura, Dante respirou carregado e inalou qualquer podridão oculta entre os papéis.
O primeiro documento certificou que Padre Nowell foi assassinado por ingerir chá de convalatoxina direta. O assassino listado se tratava do próprio Padre Lively.
A vítima teve uma parada cardíaca pela ingestão da bebida que em seu corpo demorou minutos para agir. Antes, constava que o falecido clérigo uniu tudo num recipiente e ao finalizar o preparo, preencheu uma xícara pequena e sentou-se na poltrona até beber e não resistir à toxina mal preparada.
Se tratou de um crime silencioso.
Lively deu tempo de triturar e produzir o chá, empacotar e repassar por terceiros. Mas fora feito especialmente para Nowell.
Já acerca do Padre Chatoxx, confirmou suas dúvidas.
Chatoxx fora empurrado após discutir com o Padre Artur McNeill. No documento constava que a vítima já detinha o conhecimento de ser o próximo a ser morto e se recusou a morrer.
McNeill parecia ser pior que o Diabo.
Antes, a vítima foi desmaiada por clorofórmio inalante até ser carregado com destino ao farol, dentro do porta-malas.
Artur fingia ser um amigo como de costume e isso tudo despertou a ira do investigador que romperia qualquer promessa de sua integridade para machucar lentamente e fisicamente o ser asqueroso com vestes clericais.
Ao despertar desesperado, com fortes dores de cabeça e zonzo no alto do farol, Chatoxx encontrou McNeill lhe encarar embaçado e ambos lutaram fisicamente entre sangue e suor.
O sacerdote relutou até seu fim.
Mas as fichas em sequência resultaram no Dante ferver em ódio e um misto de emoções.
A ficha ainda estava incompleta, mas constava um nome, fora os dados.
Por um momento fechou a pasta, descreu e voltou a abrir no intuito de obter certeza sobre o que lia.
Parecia ter visto um espírito, a morte, qualquer coisa que assustasse. Mas se tratava de um único indivíduo.
Variados pensamentos transitaram por sua cabeça fora de ordem e um deles tomaria uma decisão explosiva.
Já se sentia no extremo da investigação e o que foi visualizado por último, não lhe permitia prosseguir.
De uma maneira se sentiu traído por quem o contratou. Mas Kansas saberia?
Desse modo, sem receios, Deangelo tomou a ação de repor apressado os papéis na caixa após retirar a pasta que o fez entrar em fúria, a selou com imensa revolta e mal se importou de tomar um banho, trocar a roupa, se alimentar.
Necessitava impor algumas coisas.
A chave da moto foi apanhada com agressividade, sustentou o capacete no topo da cabeça, ao sair amarrou a caixa acima do compartimento que guardava a pasta sigilosa e naquele momento, sem receios, decidiu partir destinado à Rye.
De volta onde deixara seu passado e os estimados pais.
Porém, antes que partisse, apoiado por cima do assento, analítico, repensou na atitude e resolveu fazer uma ligação necessária.
— Dante? — o ouviu respirar denso. — O que houve? — Gaya arrumava o jardim e umedecia a terra quando o telefone sem fio ligou.
Ela o sentiu derrotado através da respiração.
— Pode prometer que trancará portas e janelas? — parecia querer chorar, mas sua voz embargada não carregava lágrimas.
Pesava pelo ódio.
— Do que está falando? Dessa forma me assusta — riu nervosa.
— Só me prometa — afinou os lábios, tremeu as pálpebras e reprimiu seus espasmos.
— Prometo — revirou as escleras. — Só me diga o que aconteceu.
— Não queria lhe dizer isso, mas partirei com destino à Rye e me encontrarei com meu cliente.
Ela estremeceu ao ouvir o nome da cidade. Sentia um misto de saudades e traumas.
— R-rye? — gaguejou.
— Confrontarei algumas coisas, Srta. Basil. Por fim, descobri tudo e trate como o princípio de um conflito. Trarei algo para se defender.
— Espere, não desligue! — implorou. — Seja mais explícito, Dante — seu coração quase se contorceu de ansiedade.
— A família de Ivone Castrell encontrará a justiça. Seu assassino foi descoberto.
¹Naturologia: A naturologia ou naturopatia, como também é conhecida, é uma vertente da medicina que se utiliza de terapias alternativas ligadas à natureza, onde todos os tratamentos incluem práticas de exercícios e atividades físicas e mentais como massagens, meditação, respiração, visualização, entre outras. O foco dessa medicina alternativa é abordar as disfunções a partir de uma análise de desequilíbrios energéticos do indivíduo. A partir daí, o naturólogo pode tratar as diferentes situações com técnicas como, por exemplo, a acupuntura.
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