Capítulo 25: Casto e Perverso
*ALERTA DE GATILHOS: AFEFOBIA, CELIBATO E INSINUAÇÃO SEXUAL MODERADA.
*RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA DA TRILHA SONORA PARA O CAPÍTULO: Static - Tom Adams e Tell Him - Ms. Lauryn Hill
Antes da terça-feira dia trinta, no dia vinte do mês de março, ambos planejaram tudo o que seguiria dali para frente.
Franco pôs todos os objetos e roupas indispensáveis em caixas velhas, além da mediana mala pesada de cor preta.
Organizou a residência em paz e posicionou os quadros do seu pai de volta na parede, estagnado em meio à sensação de saudade por alguns minutos, em respeito aos familiares falecidos.
Caminhou descalço pela casa, ignorou o piso frio da madeira e abraçou a parede da sala numa despedida antecipada. Partiria e regressaria formado como um padre.
No mesmo instante, Gaya combinava com sua família sobre como iria pagar um aluguel barato num aposento temporário em Londres, fora o custoso preço da passagem de trem e como se sustentaria na capital.
Tudo era muito dispendioso e só restaram as economias provenientes da floricultura e uma boa grana guardada por sua avó.
Por infelicidade, a Academia Real de Artes Dramáticas não havia respondido e talvez demorasse por um extenso período.
Ou tristemente jamais se pronunciaria.
Contudo, como uma boa Demdike, "desistir" era uma palavra inexistente no vocabulário de Gaya.
Seus planos incluíam alugar um determinado e aceitável quarto em qualquer um dos apartamentos adjacentes à Academia Real de Música, buscar por um emprego que lhe mantivesse durante todo o período do curso, formar-se e se estabilizar na área na qual sonhou.
Gaya se enxergava preparada e confiante de modo a encarar a distinta atmosfera fora de Rye.
Residir na célebre e almejada capital da Inglaterra, o sonho de incontáveis jovens cidadãos britânicos em busca de reconhecimento profissional.
Sucedia na ocasião ideal para alcançar notoriedade.
Era o que a televisão mostrava. Talvez a realidade surgisse de outra maneira.
29 de Março de 2010: Lua Cheia
Quando chegou a data da mudança de Franco ao seminário, ele acordou sereno, diferente dos últimos dias. Deparava-se calmo, semelhante às suas folhas secas, que jurou terem padecido junto ao pai e avó.
Logo que recebeu outra ligação do Reverendo Gaspar no intuito de confirmar sua ida, decidiu tomar duas decisões: despedir-se do estimado amigo de anos, o psicólogo Dr. Kai, e mais uma determinada pessoa essencial em sua vida.
Franco caçou o mesmo número dele que se conservava inalterado e sentou-se no divã do ateliê preservado por lençóis que pertencia ao Sr. Callahan.
No decorrer do tempo, Kai enfrentava problemas pessoais na família, especialmente acerca da saúde física de sua esposa.
O médico atendeu, num tom sério e ao similar instante curioso:
— Bom dia, psicólogo Solomon Kai. Com quem eu falo?
Confortado na cadeira de seu consultório de psicologia, Dr. Kai acolheu o telefonema apoiado nos cotovelos por cima da mesa preenchida por livros e anotações, segurou o aparelho sem fio com uma mão, enquanto a segunda coçou o curto cabelo crespo composto por minúsculos cachos platinados.
Franco se alegrou ao escutar a saudosa voz do psicólogo que doou grande parte de sua existência a ampará-lo.
Por desventura e desejo do rapaz, em sua mente, não queria permanecer perturbando a vida do médico com seus traumas. Mas era necessário que perdurasse em tratamento.
Afinal, Franco nunca recebera milagre de Deus ou por nenhuma força divina. Sua saúde necessitava de quem fosse capacitado a ajudar.
— Lembra de mim, Dr. Kai? Sou eu, Franco Gregori. Aquele menino tímido "ruivo" com luvas de lã e óculos embaçados.
Sorriu e observou a janela junto aos olhares carregados de emoção.
— Minha nossa! Fra-Franco?! Franco é você? Você mesmo?
O doutor transmitiu comoção através da voz trêmula. Encontrava-se à beira de chorar ao entender que o jovem persistia vivo. Escutá-lo, simbolizava uma vitória.
Nada mais emocionante que um psicólogo descobrir que seu paciente sobrevivia no íntimo do caos.
— Garoto, como sua voz mudou! Cresceu tão rápido, Franco! Aliás, não és mais um garoto. Mal lhe vi, infelizmente, e me perdoe por isso. Porém, fracassei em conter as lágrimas ao lhe ouvir — aos prantos, o psicólogo o emocionou.
Resultara numa relação valorosa e digna de respeito.
O Dr. Kai fungou o nariz do outro lado da linha e enxugou as lágrimas do canto dos olhos com o indicador e polegar, apiedado.
— Dr. Kai, por favor não chore. Me desculpe por lhe deixar assim, eu... — fora fortuitamente interrompido.
— Franco, sou eu quem lhe deve desculpas. Desconhece o quão é significante para mim saber que está resistindo. Sinto muito por tudo o que lhe ocorreu e tentei ao máximo lhe oferecer conforto e sanar suas preocupações em sala.
— Não, Dr. Kai. Não se lamente — quis confortá-lo.
— Mas me sensibilizo e você sabe disso. Não só como seu psicólogo, mas na visão de uma figura paterna. E dessa forma, ao ter consciência referente à sua vida, sua história, me comovi por inteiro a lhe auxiliar. Jamais pensei em me preocupar tanto com um paciente feito você. Por isso que, embora distante, quando quiser se consultar à distância, estarei a todo momento disponível. Compreendo que a idade prossegue junto ao tempo e nós envelhecemos, todavia, a preocupação e o compromisso pelo próximo, carregamos até a lápide.
— Sou profundamente agradecido por trilhar os meus caminhos e encontrar pessoas incríveis, feito o senhor. Tive uma família, ainda possuo um lar físico, no entanto, nada se compara com a família na qual formei com os que encontrei durante a minha vida. Como o senhor, Dr. Kai. Como as Demdike, o Reverendo Gaspar e qualquer outro que permanece ao meu lado. Habito em cada um e vocês existem em mim. O lar que sempre desejei morar. Um lar eterno, imaterial. O mais importante que qualquer coisa existente no mundo.
Dizem que quando as pessoas partem, se transformam em estrelas. Porém, cada emoção real e genuína entre indivíduos que se admiram e se preocupam, pode ser guiada até o universo, fazendo esta bela conexão tornar-se numa esfera brilhante.
Equivalem a corpos celestes carregados de luz própria e emitem energia. Pode-se dizer que sentimentos sinceros possuem o similar poder.
Daquela forma, Franco explicava sua condição atual e se despedia de Dr. Kai junto ao coração pressionado pela dor em se afastar de um grande e inestimável amigo.
O psicólogo desejava no fundo, no mais oculto de sua alma apreciável, que o jovem Gregori evoluísse com a ajuda de outro profissional e próximo do apoio dos que restaram. Principalmente de Gaya.
Seria um dos pedidos quando apagasse as velinhas por mais um ano de vida, mantendo o seu compromisso de psicólogo em auxiliar qualquer pessoa que necessitasse.
Logo que concluiu a chamada, Franco sustentou as lágrimas, ergueu a cabeça, arrumou os óculos no rosto e seguiu com suas coisas ao fusca.
Organizou tudo no porta-malas e fechou num suspiro aliviado. Desconhecia o motivo por agir assim. Somente sentia que um peso caía de suas costas.
Provavelmente a casa transmitia uma carga negativa, representava um ambiente marcante e nocivo pelos acontecimentos deprimentes e vergonhosos.
Por outra perspectiva, também resultava num lugar que fornecia boas lembranças junto ao pai.
Por fim, sua segunda decisão partiria naquele momento, bem antes de trilhar em direção ao seminário.
Como de costume, ele percorreu arrastando seus sapatos contra as pedras da rua, rumo à residência Demdike.
Trajado em suas inseparáveis roupas sóbrias, numa camisa de gola alta — daquela vez na cor cinza —, fechou os punhos com a luva confortável nas mãos, rejeitou a existência de sua cicatriz e respirou pesado a cada passo até o lar de sua amada Gaya.
Ao se colocar em frente à entrada, Franco clamou pelo nome da jovem, mas fracassou ao obter resultado.
Locomoveu-se até a janela ao lado da porta que lhe permitiu enxergar a sala e um pouco do quintal, contudo, acreditou não haver ninguém até ouvir uma agradável música, das que Gaya sem dúvidas amava escutar na vitrola da sala.
Desse modo, ao observar atento novamente a porta, percebera entreaberta e arriscou entrar.
"Tell Him" de Lauryn Hill soava como borboletas em torno da casa através da vitrola envernizada que comandava o disco, enquanto Gaya — encantadora num vestido branco de algodão com alças finas — cantarolava em concordância com a música e misturava a massa perfumada em cerejas e mel.
De modo a preparar tortinhas doces de forno.
Seus cabelos presos para o alto deitaram em seu rosto levemente sujo de farinha e mel no canto de seus lábios brilhantes.
Concentrada na melodia que incentivava a remexer meramente os quadris e os fios crespos que atrapalhavam a visão lateral, mal notara a presença do rapaz que a espiava quieto, no canto da sala, até se aproximar comedido por trás dela, temendo interromper o afável momento.
A respiração do Gregori se intensificou inebriada pela beleza da Demdike e ele decidiu se conservar silencioso, encostado na mesa, sorridente em testemunhá-la sozinha no seu universo de cores, sons e natura. O oposto do futuro seminarista.
Dançante como as meras ondas verdes que tocam a areia de Porthcurno, Gaya percebera ter esquecido de adicionar mais açúcar posto por cima da mesa com alguns ingredientes que pretendia utilizar no final da receita.
Logo que rotacionou seu corpo para trás, fora apanhada com um bom susto — dos que se arrepiam todos os pelos do corpo —.
Franco que se manteve de braços enlaçados, postura firme, contornou seu olhar penetrante contra a face da amada.
Contudo, não se exibia tão doce como tortinhas de cereja e mel. O jovem equilibrava entre dúvidas e perversidade.
Soando meio amargo.
Seu corpo por um triz não colidiu com o dele que se sustentou inclinado para a bruxa e arrancou desdém de seus lábios encaixados num meio sorriso.
Ela constatou o suportável calor de suas roupas naquele final de inverno, os pensamentos barulhentos, a respiração frenética e jurou se atentar ao coração disparado por baixo daquela pele ruborizada.
Imóvel ao Gregori, Gaya debochou, a fim de omitir a timidez. Na ocasião, não havia como escapar ou se esconder. Sucedia na hipótese de enfrentar Franco.
— Quer me matar de susto? — levou a mão direita ao peito e respirou afobada — O que faz aqui? — ainda se tranquilizava.
O Gregori deitou a cabeça para o lado e desconfiou se ela ainda guardava os mesmos pensamentos sobre ele.
— Vim me despedir. Visto que foge de mim, precisei comparecer e lhe encarar — a desarmou num sorriso irônico. — E agora? Vai retornar ao quarto só para me assistir escondida através da janela como tem feito durante esse período? Ou permanecerá aqui, comigo e olhar dentro dos meus olhos pela última vez? — engoliu seco.
Ele sabia como lhe encurralar, sem arrodeio.
— Bobagens, Franco.
Expôs um riso forçado e suas escleras reviraram, constrangida por comportar-se daquela maneira. Mas se situava curiosa e desejava descobrir aonde ele iria.
— A porta já estava aberta porque aguardava por sua intromissão — o notara morder o lábio inferior na companhia de um esnobe sorriso.
O rapaz se divertia com aquilo.
— Bobagens... sei — resmungou baixinho e duvidou da bruxa.
As pupilas entre o azul dos olhos daquele homem se expandiram e quase tomaram a cor.
O mesmo equivalia às sobrancelhas angelicais que se levantaram em atenção, à medida que Gaya ajeitou as alças do vestido que caíam insistentes e sujou mais a pele com a pouca farinha de seus dedos.
Ele não sabia como reagir. Era demais para Franco.
Numa presença levemente dominante, Gaya posicionou os braços para trás, apoiou na bancada da pia junto ao corpo indicado para ele, estreitou suas pálpebras direcionadas às dele e o questionou junto ao coração aberto por inteiro.
Entretanto, viu-se despreparada para testemunhá-lo partir como das outras situações.
Mal sabia que naquela circunstância, seria por um longo tempo.
— E aonde irá? — suas coxas se evidenciaram, atraíram a atenção de Franco que comprimiu as pálpebras, inspirou profundo e passeou a mão pelos cabelos ruivos.
Se torturava ao sonhar acordado.
— Creio que novamente para bem longe de mim, não é? Como de costume, nos afastando... coisas para se esperar.
A desaprovou ao negar com a cabeça e coçar os cantos dos olhos com os dedos.
— Ao seminário. Me entregarei aos caminhos de Deus e acredito que retornarei numa batina. Porém, não fale isso, Gaya. Em qualquer ocasião nos veremos outra vez.
As escleras da jovem quase saltaram distantes e seus lábios abriram espantados. Desacreditava no que ouvira.
— Espere um pouco... — uma pausa desconfortável pairou na atmosfera — ... pa-padre? Vo-você se transformará num padre? Franco, não! Abandone essa ideia.
Gaguejou desesperada, se aproximou bem mais dele e o deixou inquieto, entretanto, rendido aos encantos da bruxa.
Assim como no inverno congelante de 2009, quando ambos se achegaram intimamente pela primeira vez.
Contudo, as emoções se renovaram na companhia de sentidos mais obscenos.
— Trata-se do meu caminho, o meu destino. Preferi trilhar a minha vida santa e viver da santidade. E por mais que desacredite, desentende o quanto me tortura lhe presenciar dessa forma, padecida por mim. Neguei que fosse dessa maneira, no entanto, preciso cumprir minha missão — Gaya insistiu em contestar o veredito de Franco.
E agora? Como poderia se entregar amorosamente no futuro? E seus traumas, como trataria?
A si, consistia impossível concordar que seu amado preferisse o celibato ao contrário de persistir como pintor, mas era de fato a escolha dele. Não poderia ser tão egoísta.
Naquele momento, sem dúvidas Moniese comemoraria em qualquer lugar na qual se encontrasse após falecer. Condizia com o que queria.
— Jamais desejei te apreciar assim. A começar destes belos olhos fixados em mim que me provocam a te abraçar, oferecer um aconchego, embora os receios me impeçam — umidificou os lábios corados enquanto se esforçava para não tocar. — Ah, Gaya... eu te imploro: nunca suplique. Será ainda mais doloroso para nós.
Num silêncio constrangedor e, em paralelo, barulhento, ambos se mantiveram a encarar por minutos até um deles romper o desalento.
— Entende o porquê de me comportar assim? Após ouvir a sua decisão? Compreendo que necessito acatar os seus propósitos e me recuso a sofrer pelas decisões que determinar. Porém, fracasso em aceitar que não passará ao menos nesta rua, numa esquina, a janela do seu quarto acesa, ou que surgirá no meu aposento, desejando desabafar e me ver. Sonhar com o inverno de 2009 na qual sentimos algo em simultâneo. Juntos...
— Não, Gaya. Por favor, não — suas sobrancelhas padeceram.
Originou-se um nó na garganta de Gaya, seus lábios estremeceram conforme um aviso sobre as lágrimas que viriam.
Franco demonstrou apego à magnífica moça e compadeceu junto à sua face misericordiosa, prestes a partir com direção a um abraço ou meras carícias nas bochechas da divina dama.
Pretendia pegá-la pela mão, colocá-la no carro ainda vestida na mesma roupa e quando partissem, ao invés de seguir ao seminário, Franco planejava levá-la para Winchelsea.
Onde ambicionava viver o resto de sua existência ao lado da mulher que habitava em cada fragmento de sua alma atormentada em razão do luto.
Lá, desfrutariam da paz.
— Franco...
Seu nome liberto entre os lábios de Gaya estremeceu sua pele e cada parte mais escondida de seu corpo, tornando-o tácito.
— Tenho a certeza de que acordarei diariamente no quarto, ou quando eu estiver em Londres, nas minhas futuras composições e melodias, até no ar que respiro, e as flores me perturbarão ao lembrar que carregarei sempre um sentimento além da nossa amizade, por você.
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